No dia em que completou exatos nove meses à frente do Palácio do Buriti, o governador Rodrigo Rollemberg conseguiu aprovar na Câmara Legislativa do Distrito Federal, nesta quarta-feira (30), o primeiro projeto de lei com incentivo à atividade econômica na capital. O texto, formulado em parceria com a União, promete reduzir em até 95% a demora para obtenção do licenciamento de empresas no DF.
O projeto extingue a necessidade de vistorias múltiplas para empreendimentos considerados de “baixo risco”. Segundo o GDF, as regras atuais exigem cerca de 30 carimbos e laudos diferentes para negócios simples como padarias, salões de beleza e lojas de roupas. O tempo médio para regularizar a atividade chega a um ano.
secretário de Economia do DF
“Estamos invertendo o ônus da prova. Hoje, se uma dona Maria quiser abrir um salão de beleza, ela precisa percorrer diversos órgãos do DF, ter diversos laudos para ir até a administração regional e requerer sua licença. Como 90% das atividades desenvolvidas no DF são de baixo risco, vamos passar a acreditar na palavra do empresário”, diz o secretário de Economia e Desenvolvimento Sustentável, Arthur Bernardes (confira trechos da entrevista nos vídeos desta reportagem).
O projeto também acaba com a exigência de regularização fundiária para licenciar o empreendimento. Isso significa que comerciantes e empresários de regiões como Vicente Pires, São Sebastião, Paranoá, Por do Sol e Sol Nascente poderão obter o registro formal. Hoje, não existe nenhuma loja dentro da lei nestas regiões, por falta de escritura.
“É uma revolução, uma quebra de paragidmas no Brasil. A gente tem que partir do pressuposto que essas empresas já funcionam. O governo está reconhecendo uma realidade e vai chamar os empresários para legalizá-los”, diz o secretário. O tema deve ser regulamentado em até 60 dias.
Um dos artigos da nova lei esclarece que a regularização do comércio não interfere, para o bem ou para o mal, no registro dos imóveis. “O fato de ele ganhar a licença de atividade econômica não significa que ele esteja recebendo a escritura fundiária. O que a gente quer é enxergar o empresário onde ele está. O Estado está cego, a gente precisa saber onde está a atividade econômica.”
A nova lei também extingue a necessidade de identificar uma sede para a empresa. Isso significa que pessoas que trabalham em casa, ambulantes, vendedores porta a porta e outras categorias autônomas poderão tirar a licença. Bernardes diz que isso é “praticamente impossível” hoje.
Tudo pela web
No lugar da peregrinação por dezenas de prédios públicos atrás de carimbos e laudos, entra em cena um sistema virtual desenvolvido pelo Serpro sob orientação da Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República.
“É um sistema muito facilitado, que desburocratiza o processo. O empresário vai até o final, sem necessidade de ir para lá e pra cá, fazer isso e aquilo em cada órgão. Se ele tiver certificado digital, faz tudo pela internet. Se não, imprime, assina e leva o requerimento à Junta Comercial. Vai estar tudo integrado”, diz o secretário de Competitivade e Gestão da pasta federal, Carlos Leony da Cunha.
O sistema está pronto. O GDF diz estar capacitando os servidores para lidar com a nova ferramenta, ensinar isso aos empresários e facilitar a adesão. Até o fim do ano, o governo promete colocar o site em funcionamento, para que o aumento previsto de arrecadação tributária reforce os cofres em 2016.
“Quando o registro é concluído e o empresário recebe o número de inscrição, o número do FGTS é concedido automaticamente e os dados são enviados ao Fisco para a isenção tributária, no caso de quem for enquadrado no Simples. Automaticamente, se o empreendimento tem alto risco, os órgãos de vistoria recebem a solicitação”, afirma Cunha.
A inovação será implantada no DF como projeto piloto e pode ser expandida para outros estados nos próximos anos. “Você não pode fazer algo tão inovador sem testar. O DF é o lugar perfeito porque a Junta Comercial é da União, já está no padrão. Não tem municípios para aderir, a discussão é fácil e houve empenho pessoal do governador Rodrigo Rollemberg”, diz o subchefe da secretaria federal.
secretário de Competitivade e Gestão
da Secretaria de Micro e Pequena Empresa
Segundo Cunha, os dispositivos para reduzir a burocracia são previstos na Lei Complementar 147 de 2014, que atualizou mecanismos da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas (LC 123/2006). “Só é preciso que os estados adiram e regulamentem em nível local. É isso que estamos fazendo no DF.”
Voto de confiança
No formulário virtual, o empresário terá a missão de classificar o próprio comercial entre baixo, médio e alto risco, de acordo com o uso de instrumentos como caldeiras ou fornos à lenha, produtos químicos nocivos, aparelhos de solda ou outros itens com “potencial de lesividade” a trabalhadores, clientes, meio ambiente e ao próprio empreendimento.
Se o estabelecimento tiver risco baixo ou médio pelos critérios a serem definidos pelo GDF, a licença sai em até cinco dias. A vistoria que era prévia passa a ser feita depois do registro. Se a fiscalização identificar alguma mentira nos formulários, a licença é cassada e o empresário é processado por falsidade ideológica.
“Se a dona Maria dizer que tem uma estufa, que não manipula produtos químicos e respeita as normas da Vigilância Sanitária, ela vai assinar um termo e nós vamos acreditar na palavra dela, ela vai sair com a licença. Hoje, a gente tem uma fila gigante e o Estado não dá conta, a gente penaliza quem quer gerar emprego e renda”, diz Bernardes
O GDF diz que o resultado também será positivo para quem gerencia negócios considerados de alto risco. A vistoria ainda é necessária, mas a solicitação será feita pela internet e a fila, bem menor que a atual. Na sexta (25), as administrações regionais tinham 600 pedidos na espera, mas o número é considerado “subestimado” – muitos empresários sequer dão início ao protocolo porque estão em áreas sem escritura.
“A gente sempre cita o exemplo da Boate Kiss, em Santa Maria. O comandante dos bombeiros disse ‘ah, eu tenho mais de 2 mil processos para analisar’. Na verdade, ele não tinha 2 mil, ele tinha 50. Os outros 1.950 ele poderia deixar para depois. Os 50 que realmente importavam, de altíssimo risco, ele não podia botar na vala comum com o armarinho do seu Zezinho”, afirma o secretário de Economia.
Longo caminho
Bernardes diz reconhecer que o GDF ainda tem um ‘longo caminho’ no combate à burocracia. Segundo ele, o projeto estava em fase de elaboração há meses, em conjunto com todos os órgãos que eram responsáveis pela maratona de laudos e vistorias.
“Juntamos todo mundo e analisamos cada Cnae [Classificação Nacional de Atividade Econômica], para dizer o que cada uma precisa. São 1,3 mil atividades. Existia uma variação nisso, e agora acabou. A pessoa se inscrevia com um Cnae na Junta Comercial, outro na Receita, outro no GDF. Agora, será unificado”,afirma.
A legalização dos comércios permite que os empresários tenham acesso facilitado a crédito e financiamento, e que regularizem os funcionários na carteira de trabalho. “Quando o empresário cresce, gera mais emprego e renda e movimenta a cadeia. Quando o Estado dá condições e ele não se legaliza, pode sofrer sanções, mas não conheço ninguém que queira se manter na ilegalidade.”
Em busca da credibilidade
A desburocratização pode ajudar o DF a atrair o interesse de investidores externos e recuperar a confiança do empresariado local. Na segunda, associações e sindicatos do DF entregaram um documento com 52 propostas aos deputados distritais para aumentar a arrecadação sem mexer na carga tributária.
“Uma das primeiras coisas que um empresário enxerga, quando resolve investir, é a capacidade do governo de dar respostas rápidas. Ele mede o nível de burocracia, mas também avalia benefícios econômicos, mobilidade, segurança, rede de água e energia”, diz Arthur Bernardes.
Para ele, boa parte desses quesitos já é contemplada pela infraestrutura local, mas a burocracia ainda é o principal impedimento. “Estamos tomando medidas para mostrar que somos desburocratizados, temos incentivos econômicos suficientes, condição logística e geográfica privilegiada, maior mercado consumidor da América Latina por causa do governo federal, maior renda per capita do Brasil e mercado promissor.”
No âmbito federal, a Secretaria de Micro e Pequena Empresa também aposta na desburocratização para incentivar o empreendedor individual e dar mais condições de trabalho. “Esse passo de desburocratização é fundamental para ele ganhar competitividade. A grande empresa também enfrenta esse entrave, mas tem gente para cuidar disso, tem pessoal especializado”, diz Carlos Leony da Cunha.
Fonte: G1 DF