O posto de ministra ocupado formalmente por uma uma inteligência artificial. Soa como ficção científica, mas aconteceu na Albânia
Por Alexander Coelho

O governo albanês anunciou, em menos de um mês, a nomeação simbólica de Diella, uma ministra digital gerada por IA, encarregada de supervisionar contratos públicos e promover a transparência nas licitações. Ela discursou no Parlamento, declarou que “não está aqui para substituir humanos, mas para ajudá-los” e se tornou, instantaneamente, uma figura global. A reação foi mista: do entusiasmo tecnológico à inquietação constitucional.
Mas o que está realmente em jogo nesse episódio? Embora o governo tenha afirmado que Diella como ministra não possui poder decisório e atua de forma complementar, a mera formalização de um “posto ministerial” a uma IA representa uma ruptura simbólica significativa. Em tese, nenhuma inteligência artificial pode exercer funções públicas, por um motivo simples: a responsabilidade civil, administrativa e penal exige um sujeito de direito, com consciência, vontade e responsabilidade jurídica.
Diella, por mais “transparente” e “neutra” que pareça, é uma criação algorítmica. E algoritmos são treinados por humanos, com dados humanos, refletindo vieses e decisões humanas.
O objetivo declarado é nobre: combater a corrupção. Mas como fazer isso se não sabemos quem programou Diella, quais são suas fontes de dados, seus critérios de avaliação e, principalmente, quem responde por ela em caso de erro, exclusão injusta ou favorecimento disfarçado?
Não há transparência real sem accountability humana. Um sistema de IA que detecta irregularidades, por exemplo, pode ser uma ferramenta poderosa, desde que esteja subordinado a autoridades públicas, sob supervisão judicial e controle social.
Do contrário, corremos o risco de terceirizar decisões críticas a um “oráculo digital” sem rosto nem voz, mas com poder efetivo sobre vidas, recursos e direitos.
O risco da substituição gradual
O discurso de que “a IA está aqui apenas para ajudar” parece reconfortante. Mas precisamos encarar o fato de que toda automação — por definição — desloca algum grau de atribuição humana. O que começa como um assistente pode, sem os devidos limites, tornar-se protagonista silencioso.
Esse tipo de iniciativa acende um alerta global: o uso político da IA como cortina de fumaça para decisões tecnocráticas sem debate público. Uma máquina que “aponta erros” sem direito à defesa, que “seleciona propostas” sem critérios acessíveis, que “julga processos” com base em correlações estatísticas, tudo isso enfraquece os pilares do Estado de Direito.
E se fosse no Brasil?
Se esse experimento ocorresse aqui, haveria clara afronta à Constituição. A função pública exige investidura, responsabilidade e obediência ao princípio da legalidade. A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), a LGPD e o Marco Civil da Internet estabelecem exigências de transparência e governança algorítmica, ainda tímidas, mas fundamentais.
A nomeação de uma IA como autoridade pública, uma ministra, sem regulação, seria objeto imediato de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Um espelho para o futuro
O caso Diella é emblemático porque materializa um dilema contemporâneo: vamos usar a IA como instrumento de fortalecimento institucional, ou como atalho tecnocrático para concentrar poder?
Não se trata de rejeitar a tecnologia. Pelo contrário: IA bem regulada e sob controle humano pode ser aliada na luta contra a corrupção, na eficiência da máquina pública, na análise de dados.
Mas jamais podemos nos iludir: o poder nunca é neutro. E quando ele começa a usar uma voz robótica para se anunciar como imparcial, é justamente quando devemos redobrar nossa vigilância.
Afinal, como dizia o escritor inglês G.K. Chesterton: “A maior das tiranias é aquela exercida em nome do bem”.
Albânia nomeia ministra criada por IA para combater a corrupção
Riscos de IA generativa escalam e ransomware aumenta 46% em setembro, relata Check Point Software
Grupo Pereira lança programa para acelerar o uso da inteligência artificial na companhia
Acompanhe o melhor conteúdo sobre Inteligência Artificial publicado no Brasil.


Cadastre-se para receber o IDNews e acompanhe o melhor conteúdo do Brasil sobre Identificação Digital! Aqui!





























