Jean Martina defende que o país já tem os alicerces — agora precisa construir o arcabouço técnico e regulatório que garanta assinaturas qualificadas, preservação digital e compatibilidade com os padrões internacionais, transformando autenticação em confiança.
No IDForo 2025, realizado entre 24 e 26 de novembro de 2025, em Assunção (Paraguai), o professor e pesquisador Jean Everson Martina, da Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC — apresentou a palestra e “Identidad Digital en el Sector Universitario”, na qual abordou o papel das universidades na adoção de ecossistemas modernos e seguros de identificação.
Em artigo exclusivo para o Crypto ID, ele detalha como o Brasil pode transformar sua base de autenticação digital, consolidada pelo gov.br, em um framework completo de serviços de confiança, garantindo validade jurídica, interoperabilidade e alinhamento internacional.
Brasil na Virada da Identidade Digital: Como Transformar Vantagem em Liderança na América Latina
Por Jean Martina

O IDForo 2025 evidenciou algo essencial. A América Latina entrou numa fase de maturidade na identidade digital e na confiança eletrônica.
Países da região estão adotando padrões modernos, construindo listas de confiança, implementando documentos eletrônicos transmissíveis e avançando em interoperabilidade internacional.
O Brasil se destaca nesse cenário. Não porque está à frente de todos, mas porque possui a maior capacidade de liderar, influenciar e definir o padrão que a região vai seguir.
O país tem uma posição privilegiada. O desafio agora é transformar essa vantagem em liderança real.
O Brasil acertou na base da identidade digital. Agora precisa de um framework completo de serviços de confiança
O país fez a melhor escolha possível ao consolidar o gov.br como mecanismo nacional de autenticação. Hoje ele é a porta de entrada para milhões de serviços e cidadãos. Mas autenticação não é confiança digital. Ela identifica quem é a pessoa, porém não fornece os elementos jurídicos e técnicos que dão validade a operações digitais mais sensíveis.
Para isso é necessário estruturar um framework amplo de serviços de confiança. A ICP desempenha papel central na assinatura qualificada, mas o Brasil ainda carece de uma arquitetura completa incluindo carimbo do tempo, selos eletrônicos organizacionais, serviços de validação, preservação digital qualificada e mecanismos interoperáveis. A Europa já consolidou esse ecossistema sob o eIDAS. O Brasil tem perfeita capacidade de criar o seu, alinhado a esses padrões.
Sem esse framework o país fica limitado. Com ele o Brasil se posiciona como referência continental.
Países vizinhos estão avançando e isso não é ameaça. É oportunidade para o Brasil liderar a integração
Paraguai criou um ecossistema robusto de documentos transmissíveis eletrônicos. Uruguai e Brasil já ensaiam interoperabilidade de identidade. Costa Rica e República Dominicana estabelecem listas de confiança interoperáveis. Essa movimentação conjunta é inédita na região.
Isso abre espaço para o Brasil assumir o papel que lhe cabe. O país pode unificar práticas, guiar padrões, oferecer infraestrutura e consolidar uma integração digital continental. Mas para liderar fora é preciso antes organizar dentro. É indispensável que o Brasil tenha seu framework de confiança plenamente estruturado, moderno e compatível com as referências internacionais.
As carteiras digitais são inevitáveis. E seguir qualquer padrão que não seja o europeu seria um erro estratégico grave
O futuro da identidade digital está nas carteiras digitais baseadas em credenciais verificáveis. Esse modelo, já consolidado no eIDAS europeu, permite que o cidadão carregue atributos, documentos, identificadores e assinaturas dentro de um ambiente seguro, interoperável e totalmente controlado pelo usuário.
O Brasil está pronto para essa etapa. A Carteira de Identidade Nacional unifica o identificador civil. O gov.br oferece autenticação de alcance nacional. A ICP fornece base jurídica e técnica para assinaturas qualificadas.
Por isso o país não pode cair na tentação de criar um padrão próprio ou seguir modelos imaturos. O único caminho coerente é adotar o alinhamento com o padrão europeu. Ele garante interoperabilidade global, segurança jurídica, compatibilidade técnica e um ecossistema já testado em grande escala. Qualquer alternativa isolaria o Brasil e aumentaria custos de implementação sem benefício real.
Documentos eletrônicos exigem cadeia de integridade e não cadeia de custódia. Essa diferença define o futuro da preservação digital no Brasil
Um dos pontos mais relevantes do evento foi a mudança de paradigma sobre preservação. No mundo analógico faz sentido falar de cadeia de custódia, pois existe um objeto físico único que precisa ser protegido. Em documentos eletrônicos isso não existe. O que existe é cadeia de integridade, baseada em provas criptográficas, assinaturas, carimbos do tempo e validação periódica.
É assim que Europa, Estônia, França, Espanha, Itália e Alemanha estruturam a preservação de longo prazo. O eIDAS define requisitos específicos para preservação qualificada. As normas do ETSI detalham como assinaturas, selos eletrônicos, carimbos do tempo e pacotes de validação devem ser aplicados ao longo dos anos.
O Brasil tem iniciativas avançadas, como diploma digital e documentos fiscais, que já operam nesse modelo de integridade. O próximo passo é transformar essas iniciativas em uma política nacional de preservação digital. A estratégia precisa ser compatível com os padrões internacionais e eliminar a visão equivocada de que documentos eletrônicos dependem de cadeia de custódia física. O núcleo é criptográfico e verificável.
A inovação brasileira já está pronta. O ambiente regulatório precisa acompanhar
O setor privado brasileiro vem adotando biometria, assinatura digital, verificação criptográfica e automação de documentos sem depender de empurrão regulatório. Fintechs, insurtechs, empresas de automação e startups de identidade inovam em ritmo acelerado. A tecnologia está pronta. O gargalo agora é um ecossistema regulatório que ofereça clareza, segurança jurídica e previsibilidade.
Com um framework nacional de serviços de confiança o país acelera a inovação, reduz custos, moderniza processos e cria um ambiente competitivo capaz de atrair investimentos e soluções de alto impacto.
Conclusão. O Brasil já tem tudo o que precisa. Falta organizar o ecossistema e assumir a posição de liderança
O IDForo 2025 mostrou uma região em movimento. Há técnica, há vontade política e há padrão internacional disponível. O Brasil tem o maior ecossistema digital público da América Latina, a maior base de usuários autenticados e a maior capacidade institucional da região.
Para transformar essa vantagem em liderança efetiva o país precisa estruturar seu framework de confiança, alinhar sua política de preservação digital aos padrões modernos e adotar carteiras digitais compatíveis com o modelo europeu.
Se agir agora o Brasil não apenas participa da transformação digital latino americana. Ele define o caminho que os demais países seguirão. Se esperar encontrará um cenário onde as regras já terão sido escritas por outros.
Sobre o autor
O Dr. Jean Martina atua na área de segurança da informação desde 1997. Graduou-se em Ciência da Computação pela UFSC, onde também concluiu o mestrado. Durante a graduação, fundou e atuou em sua própria empresa, a Athom Consulting, dedicada ao software livre e à segurança. No mestrado, trabalhou como pesquisador na RNP, a agência nacional de pesquisa em rede no Brasil.
Em 2011, obteve o doutorado pela Universidade de Cambridge, com financiamento do governo brasileiro. Posteriormente, realizou um pós-doutorado em segurança na nuvem aplicada a sistemas de saúde na UFSC. Ingressou como professor efetivo da instituição em setembro de 2014 e foi aprovado em estágio probatório em setembro de 2017. Entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2021, esteve em licença sabática na Universidade de Parma, na Itália, onde desenvolveu pesquisas sobre contratos inteligentes aplicados a cadeias de suprimentos na área da saúde.
Especialidades: Linux, sistemas embarcados, provadores de teoremas, análise de protocolos de segurança, infraestrutura de chaves públicas (PKI), módulos de segurança de hardware (HSM), blockchain e criptografia pós-quântica.

Embaixador Latino-Americano de Identificação e Confiança Digital
No encerramento do IDForo 2025, realizado em Assunção (Paraguai), o professo Jean Everson Martina, foi reconhecido com o prêmio de Embaixador Latino-Americano de Identificação e Confiança Digital, distinção concedida a especialistas que impulsionam avanços estruturantes na região.
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