Intermediações
Pode-se dizer, sem medo de errar, que o Brasil é um daqueles países com apego especial por burocracias. Em tudo que se faz, para que efeitos jurídicos sejam produzidos, exige-se uma série de assinaturas, carimbos, autenticações, e formulários dos mais diversos. A questão é tão enraizada em nossa cultura que, quando os reconhecimentos de firma são dispensados, a maioria das pessoas desconfia.
Pois bem, em termos tecnológicos, a certificação digital já vem alterando paradigmas deste cenário.
E, embora haja a natural resistência, a informatização de muitos procedimentos e serviços é irreversível, para agilizar e melhorar a vida das pessoas.
Agora, prometendo trazer ainda mais independência aos sistemas, vem ganhando adeptos entusiasmados a tecnologia de registros distribuídos de dados, batizada de Blockchain.
Seu formado de escrituração é criptografado e a alta complexidade do cruzamento de informações permite a confirmação automatizada das operações. Com versatilidade de utilização, a tecnologia anuncia dispensar a validação ou intermediação por instituições e organizações.
Como se nota, o fato de prescindir de terceiros para a autenticação de atos, com rastreabilidade para identificação de agentes e integridade das informações, torna a sistemática blockchain uma alternativa tentadora para golpear a burocracia dos mais variados processos. Por isso, anota-se que instituições financeiras e empresas focadas em validações estão sendo obrigadas a analisar seriamente a ascensão desta nova forma de inteligência, repensando alguns de seus fluxos.
Diz-se ainda, que o aprimoramento da tecnologia comentada pode implementar os projetos relacionados à economia programável, dando o empurrão que a Internet das Coisas tanto precisa para alavancar em grande escala. Neste sentido, pela facilidade de autenticação, pagamentos através das chamadas “moedas virtuais” podem se tornar cada vez mais comuns.
Evidentemente, estamos falando de tecnologia emergente e em desenvolvimento. A experiência atual, no que se refere a volume de uso, está ligada principalmente às transações com valores virtuais (Bitcoins). Entretanto, como afirmam especialistas, o potencial de ruptura da sistemática é imenso, justamente em função do nível satisfatório de preservação de verdades.
Os limites atuais de aplicação da técnica, no entanto, são detectados: exige-se robustez dos sistemas para funcionamento adequado e, considerando-se seu código aberto de programação, pode haver dificuldades de compatibilização entre sistemas. Além disso, estudiosos alertam que a complexidade do cruzamento de dados compromete sua escalabilidade. Estes notáveis desafios precisam ser vencidos para a utilização exponencial.
Há de se falar também, das barreiras legais: os serviços de registros públicos no Brasil, por exemplo, que existem para trazer “autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”, devem atender ao engessado regime estabelecido na lei 6.015/73. A “fé pública”, aliás, é atributo exclusivo dos notários, tabeliões, oficiais e registradores (lei 8.935/94).
O Sistema Financeiro Nacional, com todos os seus percalços e pormenores, segue a égide da lei 4.595/64, acrescida de inúmeras resoluções expedidas pelo Banco Central. Os arranjos de pagamento (muito utilizados nas compras pela Internet), por sua vez, sofrem limitações impostas pela lei 12.865/2013 e Circular BACEN 3765/2015.
Ou seja: além da evolução e aprimoramento tão necessários da técnica, por hora, pelo menos no Brasil, a sistemática blockchain, deverá fustigar a burocracia pelas beiradas. Nas relações privadas, poderá ser encarada como solução viável, cabendo, contudo, os cuidados e análises prévias que todas as novidades demandam.
Nos serviços que dependem de controle de órgãos ou agentes públicos, por enquanto, por maiores que sejam os esforços pela informatização, pelo visto os carimbos continuarão reinando. Mas vale alertar: o universo da burocracia pública que se cuide: ou alguém duvida que a tecnologia possa um dia revolucioná-lo?
Fonte: LinkedIn