Quem trabalha (ou já trabalhou) em departamentos jurídicos de grandes corporações conhece as dores e os desafios de se entregar resultados com cada vez mais segurança, economia e, principalmente, eficiência.
Guilherme Freitas*
Além dos “entraves” advindos de uma atuação profissional excessivamente formal, obsoleta e altamente dependente da engrenagem estatal, o advogado normalmente tem dificuldades em reconhecer que algumas atividades independem de sua atuação. Os profissionais tendem a valorizar sobremaneira a lógica de que tudo demanda uma ação customizada, quando sabemos que muitas entregas podem (e devem) ser padronizadas e, muitas vezes, preparadas para que sejam utilizadas de forma independente, como “soluções jurídicas”.
Felizmente alguns advogados começam a perceber que o investimento em ferramentas de tecnologia garante uma atuação mais segura e eficaz aos negócios, especialmente em termos de velocidade, custo, transparência e disseminação de conhecimento.
Listamos abaixo alguns desafios que já estão sendo superados com o uso de tecnologias aplicadas ao mundo jurídico, desenvolvidas na maioria dos casos pelas chamadas legaltechs (ou lawtechs).
1 – Elaboração de contratos, procurações, atos societários e outros documentos
Todos sabemos os impactos advindos de frase “precisa do carimbo do jurídico” nas organizações. Compradores, engenheiros, vendedores, diretores e, principalmente, os próprios advogados, reconhecem a importância e a ineficiência que a regra pode acarretar.
Pensando nisso, algumas soluções existentes no mercado prometem automatizar a elaboração de documentos, mediante a utilização de minutas e regras previamente definidas pelos advogados corporativos. São as chamadas automation tools, amplamente utilizadas por instituições financeiras e seguradoras, dentre outras atividades reconhecidas pela produção de documentos “em massa”.
A lógica é muito simples: baseada em perguntas que devem ser respondidas pelas respectivas áreas de negócio (Suprimentos, TI, RH, Vendas etc.), a ferramenta escolhe o tipo de documento (contrato de fornecimento, NDA, contrato de trabalho etc.) e prepara a minuta com base nas informações fornecidas, de acordo com o modelo previamente elaborado e aprovado pelos advogados. Como o usuário final só consegue responder às perguntas realizadas pela ferramenta, a estrutura do documento não pode ser alterada, dispensando nova análise e o carimbo do jurídico.
2- Assinatura e gestão de documentos
Excelente, mas quem será responsável pela gestão das assinaturas (das testemunhas, dos parceiros e dos diretores)? Como os documentos serão transportados, gerenciados e arquivados?
Para solucionar esses e outros entraves foram desenvolvidas plataformas de gestão e assinatura digital de contratos e outros documentos. Normalmente desenhadas para funcionar em nuvem, as ferramentas criam um workflow customizado para gerenciar o processo de validação e assinatura de todos os envolvidos, bastando que os signatários possuam certificado digital válido.
Os benefícios são gigantescos. Além de otimizar o processo de assinatura com total segurança (inclusive contra perda e adulteração indevida do conteúdo dos documentos), os custos com correio, cartório, arquivo e serviços correlatos são totalmente eliminados. Sem falar nos ganhos em termos de compliance e sustentabilidade.
Vale a pena fazer as contas.
3- Análise estruturada de dados para tomada de decisões estratégicas
A citação de um novo processo judicial acaba de ser entregue pelo oficial de justiça. O prazo será curto para o levantamento de documentos e informações, análise de contratos, negociação com escritórios e definição da linha de defesa.
Alguém conhece a orientação do juiz sobre o tema? Quantas ações semelhantes foram concluídas na região e qual é o valor médio das condenações? Com base nas informações disponíveis e no histórico do setor, é melhor seguir em frente ou tentar um acordo?
As análises mencionadas acima são extremamente importantes para as definições estratégicas do negócio, especialmente em setores com número elevado de discussões judiciais. O problema é que normalmente o resultado de tais análises não é confiável, seja pela falta de dados, de ferramentas e, principalmente, de inteligência cognitiva em escala.
É justamente o que as soluções de machine learning, big data e inteligência artificial prometem entregar.
O movimento ainda é incipiente no Brasil, mas já é uma realidade em diversos países do mundo. Basta constatar a revolução trazida pelo ROSS Intelligence, desenvolvido a partir do Watson, projeto de tecnologia cognitiva criado pela IBM. Conhecido como o “primeiro advogado artificialmente inteligente do mundo”, o ROSS foi criado com o intuito de melhorar e otimizar as ferramentas e as bases de pesquisa jurídica, baseando-se em informações confiáveis e de rápido acesso para que os advogados possam canalizar seu tempo em assuntos mais estratégicos.
O resultado: atuação eficaz, menor tempo de resposta e honorários mais acessíveis. Isso representa maior qualidade e acesso a serviços antes restritos a grandes corporações.
Questionada sobre os impactos do ROSS, a American Bar Association respondeu: “ROSS Intelligence is an example of how artificial intelligence can be used to improve the delivery of legal services”.
4- Consultas técnicas e atividades preventivas
A mesma tecnologia (inteligência artificial + machine learning) poderia ser utilizada para resolver um desafio não menos relevante nas grandes empresas: a disseminação e a atualização de informações jurídicas, resposta a consultas recorrentes e, consequentemente, prevenção de litígios ou impactos decorrentes da falta de conhecimento técnico.
Não conseguiu imaginar como funcionaria? Pense num FAQ (acrônimo da expressão frequently asked questions) dinâmico, acessível através de um aplicativo simples de troca de mensagens (chatbot) e que pudesse aprender com as perguntas que são formuladas pelas diversas áreas da empresa. Com base nos questionamentos e nas respostas pré-elaboradas pelos advogados (internos ou parceiros), a ferramenta aprende, se retroalimenta e, ao mesmo tempo, produz dados estatísticos relevantes, tais como o tipo de demanda mais recorrente e as áreas/regiões mais “carentes” de informação.
Enquanto os colaboradores recebem suas consultas de forma eficiente e segura, o departamento jurídico será capaz de conhecer melhor as principais áreas de risco e, consequentemente, atuar para prevenir litígios e perdas financeiras.
Os desafios listados acima não são os únicos que estão sendo solucionados pelas legaltechs. Existem vários outros e, felizmente, estamos só no começo.
Então, é a tecnologia acabando com os advogados? Não. É a inovação ajudando a desenvolver nos profissionais a lógica de se entregar “soluções jurídicas”, cada vez mais técnicas, seguras, eficientes e, principalmente, com a velocidade e a precisão exigidas pelo mercado.
*Guilherme Freitas é apaixonado por tecnologia e inovação. Bacharel em Direito e especialista em Direito Tributário, atua desde 2006 em departamentos jurídicos de grandes empresas, principalmente no desenvolvimento e na gestão de contratos complexos e no desenvolvimento de novos negócios.
Colunista do Portal CryptoID.
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