A tecnologia blockchain tem sido utilizada para diversas finalidades com importantes contribuições para a sustentabilidade, como o monitoramento social e ambiental de cadeias de fornecedores e a regularização fundiária.
Por Regina Magalhaes, PhD
Outra aplicação importante e que poderá impulsionar a reestruturação do sistema de geração, distribuição e o uso de energia elétrica é a criação de moedas solares. A ideia básica é que um sistema de geração de energia distribuído necessita de um sistema de financiamento e de pagamentos também distribuído.
Sistemas de geração de energia distribuída, são formados por uma rede de residências, unidades comerciais, indústrias ou outras unidades que geram energia elétrica próximo do usuário. Os sistemas distribuídos têm uma série de vantagens. A primeira é a redução das longas distâncias de transmissão, o que reduz significativamente as perdas de energia e os investimentos em infraestrutura. A redução da necessidade de armazenamento é outra vantagem do sistema, uma vez que o uso acontece no mesmo momento da produção de energia, na mesma localidade. Sistemas localizados podem também ser mais resilientes, menos sujeitos a quedas de energia provocadas por acidentes ou grandes tempestades, que podem deixar grandes regiões no escuro.
Segundo a Electron, uma empresa britânica que desenvolve plataformas de blockchain para a indústria de energia, o mercado de eletricidade peer-to-peer traz ainda vantagens adicionais ao modelo de produção distribuído de energia. A blockchain é uma tecnologia que permite a realização de transações financeiras e o registro de contratos diretamente entre pessoas, sem a necessidade de uma instituição financeira ou de uma estrutura central. A bitcoin é uma moeda criptográfica, baseada na blockchain, que permite a realização de pagamentos de pessoa para pessoa, sem a necessidade de um banco ou de qualquer outro intermediário. Os custos, portanto, tendem a ser mais baixos. Além disso, com o uso da blockchain, as transações de energia são rastreáveis e o risco de fraude é muito baixo.
A Electron acredita que o desenvolvimento das redes descentralizadas de energia baseadas em blockchain estão contribuindo para a descarbonização da geração de energia; para a descentralização, gerando maior eficiência e menores perdas; para a digitalização, que avançará ainda mais na capacidade de controle por meio do uso da inteligência artificial e da internet das coisas nas redes de energia; e para a democratização, uma vez que consumidores passam a ser também produtores.
A LO3 Energy é um dos exemplos de combinação de moeda virtual e energia distribuída. O modelo foi implantado no bairro do Brooklyn em Nova York, e permite a realização de transações diretamente entre produtores locais de energia e usuários. A LO3 Energy estruturou uma rede local de energia que pode ser desconectada da rede geral em caso de condições meteorológicas extremas, como foi o Furacão Sandy em 2012, e evitar que a comunidade fique sem energia.
A LO3 Energy utiliza uma tecnologia chamada TransActive Grid, criada em parceria com a desenvolvedora de tecnologias baseadas em blockchain Consensus Systems. O sistema é baseado numa plataforma aberta de blockchain chamada Ethereum, que permite a medição em tempo real da geração e uso, bem como a compra e venda de energia entre os integrantes da rede.
A iniciativa é apoiada pelo Governo do Estado de Nova York, que está estimulando a formação de micro redes e apoiando o desenvolvimento de novas tecnologias, e pela unidade de parcerias com startups da Siemens. Segundo o CEO da Siemens, essa parceria é importante para ajudar a empresa a integrar todas as tecnologias necessárias para estruturar sistemas descentralizados de energia, bem como criar novos modelos de negócios.
No Brasil começou a funcionar em 2014 um sistema de auto geração remota, que permite que usuários contribuam com o financiamento da construção de novos painéis solares. Por meio do Condomínio Solar, qualquer pessoa pode comprar ou alugar um lote de painel solar e o recurso será utilizado para a construção de painéis solares de grandes empresas como Coelba, Cemi, CPFL e Elektro, dentre outras. Como recompensa, os usuários recebem crédito de energia que é abatido no valor da fatura, de acordo com a regulamentação da Aneel.
A Solarcoin é um programa de recompensas utilizado por uma rede global de produtores e usuários de energia elétrica solar. O programa faz com que consumidores contribuam com o financiamento da construção de painéis solares. Cada Solarcoin corresponde a 1 megawhat hora de energia elétrica. O gerador, normalmente uma residência ou um prédio comercial que possui painéis solares, vende diretamente a energia excedente para o usuário e recebe Solarcoins como pagamento, que por usa vez pode ser convertida em moeda local ou utilizada para pagamentos online de uma série de serviços e produtos. A Solarcoin já movimenta 6 bilhões de dólares em todo o mundo.
Esse é um sistema ainda centralizado, mas no futuro, quando existirem grande número de pequenos produtores de energia na vizinhança dos usuários, o sistema do Brooklyn poderá ser replicado, criando-se uma grande rede de micro redes independentes de geração e distribuição de energia, onde consumidores poderão comprar diretamente dos produtores.
Como ficam os negócios das empresas de geração e distribuição de energia com o crescimento dessas novas tecnologias e modelos de negócios? Os caminhos não estão definidos, mas essas inovações estão levando as grandes empresas do setor a repensar os seus modelos de negócios. Combinações entre modelos centralizados e distribuídos deverão existir por muito tempo e os serviços e a capacidade de inovação das empresas continuarão sendo importantes. As grandes empresas do setor são as mais bem preparadas para desenvolver e, principalmente, fazer com que esses novos modelos de negócios operem em grande escala. Certamente, o papel das grandes empresas deverá ser muito diferente do que é hoje, mas deverá continuar sendo fundamental, desde que contribuam para fortalecer modelos que gerem mais benefícios para a sociedade e o meio ambiente.
*Regina Magalhaes- FGV, Universidade de São Paulo