Por Augusto Marcacini
Primeiras palavras aos leitores do CryptoId
Toda vez que sou convidado a participar de algo, recordo-me daquela conhecida frase de Marx (refiro-me ao Groucho, não ao Carl!): eu jamais entraria para um clube que me aceitasse como sócio. O que dizer, então, daqueles que não só me aceitam como me convidam?
Bem, brincadeiras à parte, gostaria de abrir esta minha coluna fazendo inicialmente um agradecimento aos criadores do CryptoID pelo convite que me fizeram para integrar o time de colunistas deste novo site, que se propõe a apresentar ao público em geral temas tão difíceis quanto amargos, como o são a segurança da informação, a criptografia, os documentos e as assinaturas digitais.
Há quase 20 anos, quando, pela primeira vez, tomei contato com esses temas todos (uma feliz coincidência, mas essa estória fica para uma outra coluna, caso eu me julgue no direito de aborrecer o leitor com mais essas experiências passadas), tive desde logo a certeza de que a criptografia seria um importante conhecimento para o século XXI, inclusive, o que parecia mais inusitado, para as áreas jurídicas. E digo “inusitado”, porque até então a tecnologia e as ciências exatas eram conhecimentos completamente estranhos ao curso de Direito. Quando o frequentei, lá pelos anos 80, excetuadas algumas aulas de Direito do Trabalho que obrigavam os alunos a fazer as “dificílimas” operações de cômputo de percentuais de horas extras ou adicionais noturnos, entre outras somas e multiplicações, ou a “terrível” disciplina de Contabilidade, dada somente em um semestre aos optantes da área de Direito Empresarial do último ano, cuja torturante prova cobrava do aluno fazer umas poucas contas de mais e de menos para fechar um balanço, as ciências exatas simplesmente não existiam ali.
Na segunda metade dos anos 90, quando a Internet comercial dava os seus primeiros passos, o mundo do Direito ficou atordoado com tantas novidades e com a falta de um consenso quanto à solução jurídico-legal a lhes ser dada (não que as coisas tenham melhorado muito desde então…): o nascente comércio eletrônico, a trazer a possibilidade aberta a qualquer um de fazer compras em outros países do globo; o aparecimento de novas modalidades contratuais, nascidas dos novos tipos de produtos e serviços que passaram a ser oferecidos (conexão, hospedagem, etc.); e, mais especificamente, causava especial preocupação aos profissionais do Direito definir se e como tais contratos, pactuados online, à distância, poderiam ser válidos, ou, ainda, como prová-los.
A criptografia, por certo, não é a solução para todos os problemas práticos ou jurídicos surgidos das relações humanas estabelecidas por meio do computador, mas é, sem dúvida, um tema chave (aos já iniciados: perdoem pelo trocadilho surrado) que está envolvido em grande parte deles, notadamente quando surge a questão da prova de uma manifestação de vontade ou de um fato informático. E, por isso, sem risco de cometer um exagero, compreender alguns meandros da criptografia e de seus subprodutos, como a assinatura e a certificação digital, é algo tão importante para o cidadão desta moderna Sociedade da Informação como o é saber ler e escrever. Vivo a dizer isso todas as vezes em que sou chamado a falar sobre o tema e, mais recentemente, com redobrada ênfase, bato muito nessa tecla com os meus alunos do Mestrado em Direito da Sociedade da Informação, na disciplina que ministro sobre provas digitais.
Aliás, pouco antes da virada do milênio, a Comissária de Informação e Privacidade de Ontário havia comparado a necessidade de difudir o conhecimento sobre criptografia a algo tão corriqueiro como ensinar as crianças a escovar os dentes. Desconheço se essa iniciativa canadense já atingiu esse difícil objetivo, mas é fácil afirmar que aqui no Brasil ainda estamos muito longe de difundir esse conhecimento sequer entre as pessoas que já se tornaram usuárias habituais de certificados digiais, até mesmo dentro do setor público.
Assim, louvável é a iniciativa do CriptoID em criar esse importante polo de discussão e disseminação do conhecimento, neste campo já não tão virgem como há duas décadas, mas ainda bem pouco compreendido em seus aspectos mais finos.
Nesta minha coluna, que ora inauguro, pretendo então dar a minha parcela de contribuição, apresentando aos leitores textos periódicos sobre os aspectos jurídicos dos documentos, assinaturas e certificados digitais e da própria criptografia.
Sobre Dr. Augusto Marcacini
- Advogado em São Paulo desde 1988, atuante nas áreas civil e empresarial, especialmente contencioso civil, contratos e tecnologia.
- Sócio do escritório Marcacini e Mietto Advogados desde 1992.
- Bacharel (1987), Mestre (1993), Doutor (1999) e Livre-docente (2011) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
- Professor no Mestrado em Direito da Sociedade da Informação da UniFMU desde 2011, lecionando a disciplina “Informatização Processual, Provas Digitais e a Segurança da Informação”.
- Professor de Direito Processual Civil desde 1988, em cursos de graduação e pós-graduação.
- Vice-Presidente da Comissão de Direito Processual Civil, Membro Consultor da Comissão de Informática Jurídica e Membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da OAB-SP (triênio atual: 2013-2015)
- Ex-Presidente da Comissão de Informática Jurídica e da Comissão da Sociedade Digital da OAB-SP (triênios 2004-2006, 2007-2009 e 2010-2012) e Ex-Membro da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB (triênio 2004-2006).
- Autor de diversos livros e artigos, destacando-se na área de direito e tecnologia: “O documento eletrônico como meio de prova” (artigo, 1998), “Direito e Informática: uma abordagem jurídica sobre a criptografia” (livro, 2002), “Direito em Bits” (coletânea de artigos em coautoria, 2004), “Processo e Tecnologia: garantias processuais, efetividade e a informatização processual” (livro, 2013) e “Direito e Tecnologia”, (livro, 2014).
- Palestrante e conferencista.
- Colunista e membro do conselho editorial do Instituto CryptoID.