Em duas audiências públicas nesta terça-feira dia 21 de maio, especialistas elogiaram o conteúdo da medida provisória que desburocratiza o registro de certos tipos de empresas.
Segundo os debatedores, a MP 876/2019 tem como grande mérito valorizar o princípio da “boa fé” do cidadão, ao garantir o registro automático nas juntas comerciais como regra.
A MP 876/2019 prevê essa solução para firmas constituídas por Microempreendedor Individual (MEI), Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) e Sociedade Limitada (Ltda).
Para obtê-la, o registro deve ser feito através de um instrumento padronizado, elaborado pela Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. O registro pode ser revogado após análise posterior.
A proposta também estabelece que a declaração do advogado ou do contador da empresa passa a ter fé pública. Na prática, quando o advogado ou o contador que representa a empresa atestar verbalmente, na hora do atendimento, a autenticidade de documento relativo à empresa que estiver representando na junta comercial, não precisará haver cópia autenticada.
Layla da Silva, representante do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), disse, na primeira audiência do dia, pela manhã, que a MP permitirá aos empreendedores concentrar recursos e energias no sucesso de suas atividades, e não nos entraves que as precedem.
— O pequeno negócio não tem que se preocupar com uma série de trâmites burocráticos e com dificuldades de formalização, que hoje são um obstáculo. O empresário tem que se preocupar com prospecção de mercados, gestão, buscar investimentos.
Ela também explicou que o recurso do registro automático não é uma mudança radical, mas sim um caminho natural que já tem precedente no país.
— Parece ser uma coisa muito radical, mas na verdade é um processo crescente e uma continuidade de melhorias que já estão sendo implementadas. Muitas juntas comerciais já trabalham com registros automáticos por vias de soluções tecnológicas.
Uma delas é a Junta Comercial do Ceará. Na segunda audiência, à tarde, a sua presidente, Carolina Monteiro, explicou o funcionamento do modelo do estado. Segundo ela, não há sequer a etapa de verificação posterior à concessão do registro, mas sim um cruzamento de dados instantâneo, a partir do preenchimento do instrumento-padrão.
Na opinião dela, o registro automático “dignifica” o cidadão e “empodera” os servidores públicos. Ela também explicou que a complexidade burocrática, na configuração atual, apenas retarda o funcionamento da economia, mas não impede ilegalidades. Exemplo disso é a empresa de fachada que foi criada para o assalto à sede o Banco Central em Fortaleza (CE), em 2005. Os criminosos atravessaram toda a burocracia e, no final, tiveram sucesso.
— Uma estrutura engessada não garante controle. A burocracia não é sinônimo de legalidade ou de segurança jurídica — resumiu.
Governo
Representantes do Executivo defenderam a MP como uma medida de impacto imediato para estabelecer condições para o crescimento econômico.
Paulo Antonio Uebel, secretário especial de Desburocratização do Ministério da Economia, avalia que o Brasil ainda é muito hostil a novos empreendimentos.
Ele citou a pesquisa Doing Business, do Banco Mundial, que avalia a facilidade de iniciar um negócio em 190 países.
O Brasil ficou na posição 109 na edição deste ano. Esse estudo serve de referência para empresas internacionais decidirem para onde vão expandir suas atividades.
— São 13 milhões de desempregados. Quanto mais difícil for abrir empresas e gerar oportunidades de trabalho, pior vai ficar — salientou.
Uebel explicou que 96% dos pedidos de registro são dentro das modalidades cobertas pela MP, e apenas 1% desses pedidos são indeferidos. Assim, faz sentido inverter a lógica atual e tornar a concessão do registro imediata, de modo a valorizar a maioria dos empreendedores.
O auditor da Receita Clóvis Peres, supervisor na área de escrituração, salientou que o avanço na facilitação de registros empresariais é um “ganha-ganha”, porque o Estado se beneficia da minimização burocrática e os empreendedores ganham agilidade. Ele também disse que a iniciativa está em consonância com uma longa caminhada de aperfeiçoamento do Estado.
— Não estamos falando de uma mudança inconsequente, sem nenhuma base. É uma alteração pensada, estudada, no bojo de um processo histórico de simplificação. A Receita tem se pautado pela simplificação das instituições e das ações em várias áreas.
Acréscimos
As juntas comerciais são apenas uma etapa para o registro de novas empresas. Elas também precisam da anuência formal de órgãos estaduais e municipais, como alvarás e licenças ambientais, além de fiscalizações dos bombeiros.
Cilene Sabino, presidente da Federação Nacional das Juntas Comerciais, afirmou que as juntas tentam atuar como “integradoras”, facilitando na medida do possível a comunicação entre as instâncias.
— Vemos maior possibilidade de ampliação do registro e diminuição da burocracia. Dentro das juntas já é bastante célere, precisamos focar nos órgãos de licenciamento e prefeituras, nosso gargalo maior. Estamos na ponta, buscando fazer esse serviço, conversando.
Além disso, as normas da MP poderiam ser estendidas para outros órgãos e instâncias responsáveis pelo reconhecimento de entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os cartórios de registro civil de pessoas jurídicas.
Hércules Benício, da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), observou que essa extensão beneficiaria associações, fundações, partidos políticos e organizações religiosas, que não usam as juntas comerciais, mas registram estatutos e outros documentos em cartórios.
João Paulo Mendes Neto, conselheiro da OAB do Pará, alertou que o princípio da boa fé deve funcionar como uma via de mão dupla: se as novas empresas estão recebendo o benefício da dúvida, os empreendedores não devem abusar das novas regras.
Ele citou as chamadas “empresas noteiras”, que só existem para emitir notas e validar atividades irregulares. Com as novas regras, elas poderiam funcionar regularmente até a sua verificação posterior.
— Precisamos refletir sobre os impactos que os registros tácitos possam gerar em responsabilidades trabalhistas e tributárias, para que isso caminhe tranquilamente em consonância com a boa fé objetiva.
Tecnologia
A simplificação de registros pode ganhar mais impulso através de avanços tecnológicos que aprimorem a certificação digital. Ruy César Ramos, do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), listou as qualidades do certificado digital para a abertura e registro de empresas: garante a integridade do documento, atesta a sua trajetória, identifica se houve adulteração e vincula-o ao seu signatário de modo que não possa haver a negação do auto.
Ramos assegurou que o ITI trabalha para otimizar as ferramentas de certificação disponíveis e acrescentou que a medida provisória abre as portas para que elas sejam utilizadas para facilitar a vida do empreendedor.
— A partir desta MP, e com os regulamentos subsequentes, já podemos abrir uma empresa com um smartphone. Temos um modelo de certificado em nuvem. Acessando o portal do Ministério da Economia, é possível fazer [toda] a gestão.
Ele usou como exemplo de sucesso desse caminho o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que adotou a certificação digital para o registro de novos softwares e conseguiu reduzir o prazo do processo, que chegava a um ano e meio, para cinco dias úteis.
Tramitação
A comissão mista da MP 876/2019 terá mais uma audiência pública antes da apresentação do relatório. A reunião ainda não tem data definida, mas deverá ser realizada em Santa Catarina, conforme anunciou o presidente do colegiado, senador Jorginho Mello (PL-SC).
A MP tem prazo até 11 de julho, e perderá a validade se não for analisada pelo Congresso Nacional até essa data. Antes, precisa do parecer da comissão mista, composta por deputados e senadores. Depois, será enviada para a Câmara dos Deputados e, se aprovada, para o Senado. O relator é o deputado Aureo Ribeiro (SD-RJ).
Fonte: Agência Senado
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