Por Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior e Tiago Magalhães Costa, publicação do Migalhas
A proposta para alteração do Código Civil, que ao que tudo indica, em breve, será aprovada e levada para sanção ou veto do chefe do executivo, aprimorará e modernizará o codicilo e o testamento, instrumentos de grande relevância na sucessão.
Com o advento da internet, dispositivos móveis de acesso a rede mundial de computadores, app’s com os mais variados conteúdos e objetivos, assim como toda a facilidade que os programas de mensagens instantâneas proporcionam à população, os brasileiros, cada vez mais, utilizam da tecnologia para estabelecer e manter relações sociais.
Assim, criou-se uma realidade virtual que é presente no cotidiano da sociedade, possibilitando as pessoas utilizarem desses meios como forma de expor seus conteúdos e ideias, expressões da personalidade.
Tais expressões dos cidadãos no mundo virtual podem ser obtidas, guardadas e disponibilizadas através da internet, das nuvens, redes sociais entre outros, que são locais virtuais para armazenamento.
A tecnologia hodiernamente é utilizada para efetuar videochamadas, fazer transferências de dinheiro, assinar contratos de forma digital, efetivar atos processuais, realizar consultas médicas, enfim para facilita e dinamizar o comportamento social, a vida de cada indivíduo.
A dinâmica social descrita, em meio a pandemia causada pelo coronavírus, diante da necessidade de distanciamento social, aproximou rapidamente os cidadãos brasileiros das novas tecnologias, em especial das compras através dos sites e utilização de aplicativos de comunicação, levando essa realidade ao cotidiano de milhares de pessoas que, por necessidade, tiveram que se adaptar a situação.
Apesar de todas as inovações, infelizmente, a legislação de nosso país, em sua grande maioria, não acompanha a evolução da sociedade.
O Código Civil Brasileiro em vigor, idealizado na década de 70, passou por diversas modificações até a data da sua aprovação em 2002, todavia esse não acompanhou as inovações tecnológicas citadas acima, assim como várias outras, tornando-se sinônimo de conservadorismo e procedimento retrógrado, necessitando, desse modo, de atualizações para que possa atender aos anseios da sociedade contemporânea.
Inserido neste contexto, de conservadorismo do Código Civil em vigor, encontra-se o codicilo, que significa pequeno testamento, sendo esse um ato de disposição de última vontade pelo qual o titular deixa pequenos legados, apresenta regras para o funeral assim como pode expor outros desejos para serem observados após a morte.
O que é pequeno legado para uma pessoa, pode não ser para outra, tudo depende do referencial, do parâmetro de comparação. O Código Civil de 2002 não quantificou o que é pequeno legado, dificultando o uso do instrumento, contudo a jurisprudência, visando o pragmatismo, limitou o uso do codicilo em 10% (dez por cento) do patrimônio líquido do autor da herança.
Se a pretensão é dispor de patrimônio para alguém após morte, em montante superior ao descrito no parágrafo anterior, o interessado tem que se valer de um procedimento complexo e repleto de requisitos, o testamento.
Uma parte do patrimônio da maioria das pessoas encontra-se nos espaços virtuais, onde é possível guardar músicas, fotos, livros, sendo denominados na sucessão de herança digital, constituindo tais elementos verdadeiras expressões da personalidade.
O Direito da personalidade, como é sabido, é vitalício. Todavia, com a morte do seu titular, atualmente, a maioria desse acervo virtual se perde em decorrência da ausência de um meio eficaz e simples para dispor sobre ele.
No Brasil, a ideia de herança digital é timidamente discutida, entretanto o primeiro passo para instrumentalizar, tornar pragmática a disposição de última vontade quanto a essa parte do patrimônio, surgirá com a modificação do Codicilo, atualizando-o, definindo regras claras para sua utilização, assim como criar sua modalidade digital.
A alteração do codicilo representará uma grande evolução no direito das sucessões, tornando seu uso mais fácil e acessível para a população, resolvendo assim inúmeros problemas observados na sucessão legítima.
A alteração proposta no PL 5.820 de outubro de 2019, de autoria do Deputado Federal Elias Vaz, em princípio, não almejava modificar o testamento em qualquer de suas espécies, público, cerrado, particular, marítimo, militar ou aeronáutico; em verdade serviria apenas de incentivo para a popularização das disposições de última vontade, visto que, em sua gênese, propunha somente a simplificação do codicilo e adoção de meio eletrônico para sua efetivação.
O codicilo digital, entre outros benefícios à sociedade brasileira, irá facilitar e desburocratizar o direito das sucessões, inclusive no que diz respeito a herança digital. Nessa forma ele atende as necessidades de uma sociedade dinâmica, que não para, como também garantirá maior acesso às pessoas nos termos da lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Em sua forma gravada, em vídeo, assegura maior acessibilidade às pessoas deficientes, que podem comunicar sua vontade em LIBRAS ou se expressar de forma livre, nos termos de sua limitação, alcançando assim o sentido da lei em comento, como também do princípio maior da Constituição Federal de 1988, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
A ideia para modificação do Código Civil em relação ao codicilo, surgiu da iniciativa dos advogados, atuantes na área, Angela Estrela Costa; Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior, Marcos Antônio Niceas Rosa e Tiago Magalhães Costa, que com apoio do Vereador por Goiânia e também advogado, Lucas Kitão (Lucas Ferreira Pires Bueno), apresentaram uma minuta com nova redação para o artigo 1.881 da norma em comento ao Deputado Federal Elias Vaz, o qual deu seguimento ao projeto com sua apresentação na Câmara dos Deputados.
Recentemente, em setembro de 2021, a atual relatora do projeto de lei, Deputada Alê Silva, apresentou relatório pela constitucionalidade do mesmo junto a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC, o qual foi aprovado, em conjunto com a emenda 1 originária da própria comissão.
Assim, o projeto de lei que abarcava somente o codicilo, também passou a dispor sobre o testamento, facilitando a sua elaboração e, por consequência, seu uso junto aos cidadãos, destinatários das normas.
Frente a esta realidade, os demais projetos de lei que tratavam do testamento, de sua simplificação e utilização de meios eletrônicos, deixaram de existir, concentrando-se todas as iniciativas de melhoramento do Código Civil, nesta temática, junto ao PL 5.820 de outubro de 2019.
Atualmente o projeto de lei, possui a seguinte redação:
Art. 1º Esta lei dispõe sobre o testamento digital e o codicilo. Art. 2º A lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1.862. ………………………. ………………………………………..
IV – o digital (NR)”;
“Art. 1.864. ……………………………………
Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma; observando-se, quanto ao testamento digital, as disposições do § 3º do art. 1.876 (NR). “;
“Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho, mediante processo mecânico ou através de sistema digital, assinado por meio eletrônico.
………………………………………………………….
§3º Se realizado através de sistema digital, assinado por meio eletrônico, o testador deve utilizar gravação de som e imagem, devendo haver nitidez e clareza nas imagens e nos sons bem como a declaração da data de realização do ato, observando se, ainda:
I – a mídia deverá ser gravada em formato compatível com os programas computadorizados de leitura existentes na data da efetivação do ato, contendo a declaração do interessado de que no vídeo consta o testamento, apresentando também sua qualificação;
II – para a herança digital, entendendo-se essa como vídeos, fotos, senhas de redes sociais, e-mails e outros elementos armazenados exclusivamente na rede mundial de computadores ou em nuvem, o testamento em vídeo não dispensa a presença das testemunhas para sua validade;
III – o testador, após trinta dias da realização do ato por meio digital, deve validá-lo, confirmando seus termos através do mesmo meio digital utilizado para formalização;
IV – o testamento digital deve ser assinado digitalmente pelo testador, com reconhecimento facial, criptografia SHA-512, tecnologia BlockChain, SSL Certificate e adequação ao bojo da LGPD, garantindo segurança para o testador (NR). “;
“Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante instrumento particular, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, bem como destinar até 10% (dez por cento) de seu patrimônio, observado no momento da abertura da sucessão, a certas e determinadas ou indeterminadas pessoas, assim como legar móveis, imóveis, roupas, joias entre outros bens corpóreos e incorpóreos.
§ 1º A disposição de vontade pode ser escrita com subscrição ao final, ou ainda assinada por meio eletrônico, valendo-se de certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), dispensando-se a presença de testemunhas e sempre registrando a data de efetivação do ato.
§ 2º A disposição de vontade também pode ser gravada em sistema digital de som e imagem, devendo haver nitidez e clareza nas imagens e nos sons, existir a declaração da data de realização do ato, bem como registrar a presença de duas testemunhas, exigidas caso exista cunho patrimonial na declaração.
§ 3º A mídia deverá ser gravada em formato compatível com os programas computadorizados de leitura existentes na data da efetivação do ato, contendo a declaração do interessado de que no vídeo consta seu codicilo, apresentando também sua qualificação completa e das testemunhas que acompanham o ato, caso haja necessidade da presença dessas.
§ 4º Para a herança digital, entendendo-se essa como vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais, e outros elementos armazenados exclusivamente na rede mundial de computadores, em nuvem, o codicilo em vídeo dispensa a presença das testemunhas para sua validade.
§ 5º Na gravação realizada para fim descrito neste dispositivo, todos os requisitos apresentados têm que ser cumpridos, sob pena de nulidade do ato, devendo o interessado se expressar de modo claro e objetivo, valendo-se da fala e do vernáculo português, podendo a pessoa com deficiência utilizar também a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ou de qualquer maneira de comunicação oficial, compatível com a limitação que apresenta (NR).”
Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Dessa forma, a proposta para alteração do Código Civil, que ao que tudo indica, em breve, será aprovada e levada para sanção ou veto do chefe do executivo, aprimorará e modernizará o codicilo e o testamento, instrumentos de grande relevância na sucessão, o que repercutira de forma positiva em toda a sociedade, visto que simplificará os institutos e, por consequência, tornará popular seus usos, inclusive em relação a herança digital.
Atualizado em: 11/10/2021 07:43
*Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior
Advogado, pós-doutor em Direito Constitucional na Itália. Professor universitário. Sócio fundador escritório SME Advocacia. Presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO. Membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB Nacional e árbitro da CAMES.
* Tiago Magalhães Costa
Advogado especialista em Direito Civil e Processual Civil. Professor universitário. Sócio fundador do escritório SME Advocacia. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO e vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/GO.
Fonte: Migalhas
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