Reconectando o Registro de Imóveis do Banco de Dados Light ao Next Cloud SAS
Por Flauzilino Araújo dos Santos publicado por Revista Conjur Jurídico em 17 de maio de 2022
Corria o ano de 2005 quando um grupo de oficiais de registro de imóveis da comarca da capital de São Paulo, capitaneados pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp), sob a presidência deste autor, entendeu ser possível permitir a realização de pesquisa para saber se alguém é ou foi proprietário de imóvel registrado.
A pesquisa seria feita pelo interessado, mediante acesso remoto via certificado digital ICP-Brasil, em base de dados contendo os números do CPF e do CNPJ dos proprietários de imóveis registrados nos cartórios de registro de imóveis de São Paulo, capital, bem assim a facilidade para em ato contínuo solicitar a certidão respectiva. Essa certidão seria expedida em arquivo eletrônico e colocada à disposição do usuário solicitante na central de serviços da Arisp.
Assim, foi criada a Central de Serviços Eletrônicos da Arisp, sendo este o primeiro passo na implantação do Registro de Imóveis Eletrônico. O suporte legal e normativo em a Medida Provisória nº 2.200-1, de 27 de julho de 2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) e o documento eletrônico, e atos regulamentares baixados pelo Poder fiscalizador das atividades — o Judiciário.
O acesso às informações sobre propriedades imobiliárias fora solicitado em 2003 pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, à Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, cujo pleito foi deferido de plano. Restava aos oficiais de registro de imóveis desenhar um sistema informático e cumprir o decidido. O sistema entrou em operação em 2005 permitindo que as pesquisas fossem realizadas de forma remota, bem como a solicitação, emissão e recebimento das respectivas certidões digitais.
Evidentemente, esse sistema deveria atender disposições legais e normativas relacionadas com delicada questão da obrigação de ordem, segurança e conservação atribuída aos registradores, que devem manter sob sua guarda e sua responsabilidade os acervos das serventias extrajudiciais, nos termos do artigo 24, da Lei nº 6.015/1973, e artigos 30, I, e 46, da Lei nº 8.935/1994, cuja proteção deve ser compatibilizada com a publicidade registral.
Destarte, foi idealizado o Banco de Dados Light (BDL); uma base de dados hermética, mas, compartilhada, primeiramente, pelos dezoito cartórios de registro de imóveis de São Paulo, capital, depois, pelos 316 cartórios de registro de imóveis do estado de São Paulo e, depois, ainda, pelos registros de imóveis de mais 14 estados da Federação. Após, foi também idealizado o Tbox; um sistema especialmente desenvolvido para realização do backup das imagens das matrículas, que são utilizadas no serviço de visualização online de matrícula imobiliária.
Esses repositórios eletrônicos deram suporte a todos os serviços praticados nos cartórios de registro de imóveis, que foram, sucessivamente, implementados e oferecidos aos usuários, na forma digital, quais sejam: 1) pesquisa de bens, para localização de propriedades imobiliárias; 2) certidão digital; 3) ofício eletrônico, para atender a Administração Pública, de forma exclusiva; 5) encaminhamento eletrônico de títulos (e-Protocolo), para o encaminhamento de requerimentos e títulos eletrônicos nativamente digitais, ou digitalizados, ou “extratos” de escrituras públicas, de contratos de financiamento imobiliário e de títulos do agronegócio; 6) penhora eletrônica de imóveis (Penhora Online), que inclui o arresto, sequestro e conversão do arresto em penhora; 6) Monitor Registral; 7) visualização eletrônica de matrícula (Matrícula Online); 8) Repositório Confiável de Documento Eletrônico (RCDE); 9) Acompanhamento Registral Online; 10) mapa de transações imobiliárias; e, 11) Correição Online, para acompanhamento e fiscalização das atividades das serventias pelo Poder Judiciário.
A Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, oriunda da MPV nº 459, de 2009, que dedicou um capítulo à digitalização dos registros públicos, e as diversas regulamentações das Corregedorias Gerais de Justiça dos estados, da Corregedoria Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deram o devido suporte para a implantação do registro de imóveis eletrônico.
Em tempos de fake news é preciso restaurar a verdade: todos os serviços de registro de imóveis já podiam ser acessados pela internet bem antes da MP nº 1.085/2021. Tudo começou em 2005 e em 2015 os serviços já estavam disponíveis, tendo como suporte a Lei nº 11.977/2009 e atos normativos do Poder Judiciário. Não há um só serviço prestado pelos cartórios de registro de imóveis que não possa ser acessado pela internet.
Excepcionalmente, há cartórios localizados em pequenas cidades dos interiores do país que ainda dispõem de banda larga de internet e de fornecimento contínuo de energia elétrica, que não podem oferecer serviços eletrônicos. Porém, a regra é que todos os cartórios de registro de imóveis estão integrados em uma rede, denominada Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado dos Oficiais de Registro de Imóveis (Saec), publicada na internet neste endereço.
Por força da atuação do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR), instituído pela MP nº 759, de 2016, convertida na Lei nº 13.465, de 2017 (Artigo 76), e da cessão de sua operação pela Arisp, os serviços eletrônicos foram colocados à disposição dos usuários públicos e privados em evento presidido pela corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Tereza de Assis Moura, realizado no dia 21 de setembro de 2021, universalizando, assim, o acesso a todos os cartórios do território nacional, em ponto único na internet. Veja aqui.
Passados dezessete anos de utilização do BDL e do Tbox, por indução das obrigações impostas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e com o avanço cada vez maior da tecnologia em nuvem, o ONR desenvolveu pesquisas que indicaram a substituição dessas soluções (BDL e Tbox) e houve por bem adotar uma nova tecnologia singelamente chamada de Next Cloud SAS (Serventia Avançada Segregada). Essa nova solução, desenvolvida em nuvem, que visa implementar alto nível de segurança utilizando tecnologia de segmentação, segregação e criptografia de rede ponto a ponto, implementados em nuvem, com ambiente dedicado e exclusivo para cada uma das serventias.
A solução atende, perfeitamente, ao preceito do artigo 30, inciso XII, da Lei nº 8.935/1994, pois prevê a facilitação de acesso à documentação existente nas serventias, às pessoas legalmente habilitadas, porém, de forma controlada, preservando, outrossim, a integridade do acervo das serventias, que fica sob o controle do respectivo Oficial de Registro de Imóveis. Ademais, trata-se de um serviço de armazenamento de dados que oferece disponibilidade, estabilidade, performance, escalabilidade, economia de custos e muito mais.
É de conhecimento geral que a partir de 15/2/2022, por disposições da Lei nº 13.465, de 11/7/2017, e do Provimento CNJ nº 124, de 7/12/2021, todos os cartórios de registro de imóveis do território nacional estão integrados em rede ao Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), podendo ser acessados em ponto único na Internet, diretamente por meio do Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado do Registro de Imóveis, operado pelo ONR, neste endereço eletrônico.
Os oficiais de registro de imóveis podem se ufanar de terem sido pioneiros na prestação de serviços públicos digitais por meio da internet. Os cartórios de registro de imóveis foram os primeiros órgãos públicos que ofereceram pesquisas eletrônicas, informações e certidões digitais pela internet, inaugurando uma nova era na prestação do serviço público; a de forma remota.
Ao longo dos anos os oficiais de registro de imóveis, coadjuvado por pesquisadores e um time de profissionais especializados em informática, investiram pesado em pesquisa, desenvolvimento e inovação, culminando por alavancarem importantes posições na aplicação de novas tecnologias aos serviços registrais, em diversos projetos destinados a universalização de acesso aos cartórios, melhorias dos processos, inovações tecnológicas, implantação de mecanismos de controle e acompanhamento de atividades, entre outros. Referimo-nos aos seguintes sistemas e módulos de serviços eletrônicos disponibilizados:
1. Sistema de Ofício Eletrônico;
2. Penhora Eletrônica de Imóveis (Penhora Online);
3. Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB);
4. Monitor Registral;
5. Visualização Eletrônica de Matrícula (Matrícula Online);
6. Encaminhamento Eletrônico de Títulos (e-Protocolo);
7. Serviço Eletrônico de Intimações e Consolidação da Propriedade Fiduciária (Seic);
8. Acompanhamento do Procedimento Registral (Acompanhamento Online);
9. Pesquisa Prévia (para localização de bens em tempo real);
10. Pesquisa Qualificada (complementada pela serventia);
11. Repositório Confiável de Documento Eletrônico (RCDE);
12. Mapa de Transações Imobiliárias (com dados do Indicador Real); e
13. Correição Online (disponível para os oficiais e as Corregedorias Gerais de Justiça).
Os números de utilização desses serviços são expressivos, representam uma enorme economia nos orçamentos dos órgãos públicos, menor custo dos particulares com os serviços de cartórios, mais efetividade no cumprimento de ordens judiciais, redução do número de ações judiciais, cooperação na recuperação de ativos obtidos de maneira ilícita, melhoria no ambiente de negócios do país e mais segurança jurídica nos negócios imobiliários.
Esses números falam por si mesmos: 2 bilhões de pesquisas para localização de imóveis, 1,4 milhão de ordens de indisponibilidades/cancelamentos, 6 mil penhoras eletrônicas de imóveis (incluindo arresto, sequestro e conversão de arresto em penhora).
Com os intuitos de melhorar a prestação dos serviços públicos delegados e de auxiliar os cartórios de registro de imóveis a alcançar novos patamares de excelência na prestação desses serviços, surgiu o Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, instituído pela Medida Provisória nº 759, de 22/12/2016 (Artigo 54), convertida na Lei nº 13.465, de 11/7/2017 (Artigo 76), tendo como Agente Regulador a Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O ONR convergiu os esforços de todos os registradores de imóveis do país para o desenvolvimento de ambicioso projeto que inclui:
[1º] a interconexão dos cartórios de registro de imóveis dos estados e do Distrito Federal em uma rede acessível de ponto único na internet, para promover o intercâmbio de informações entre as serventias com o Poder Judiciário, a Administração Pública, o mercado e público em geral;
[2º] a implantação do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI) em todas as serventias do território nacional;
[3º] a adoção do Código Nacional de Matrícula (CNM) como forma unívoca de identificação de cada imóvel, e de simplificação de acesso ao registro em face da concentração de atos na matrícula imobiliária;
[4º] a inclusão digital das serventias de pequeno porte financeiro, ou localizadas em áreas sem infraestrutura adequada, tais como problemas de fornecimento contínuo de energia elétrica, de bandas de internet etc.; e,
[5º] a padronização de procedimentos registrais e a segurança da informação.
O Next Cloud SAS fornece um ambiente dedicado com exclusividade por serventia, onde cada serventia tem projeto e compartimento únicos localizados no território brasileiro. Essa infraestrutura é composta por Bucket no Cloud Storage e NoSQL DataBase como serviço, com recursos de gerenciamento e monitoramento para que o oficial ou seu técnico de confiança possa configurar o acesso aos dados dos quais é o controlador [1], para atender aos requisitos específicos da aplicação. O Saec/ONR tem permissão de acesso restrito a leitura e somente mediante utilização da API.
*Bucket é um serviço de contêiner para armazenamento de objetos (imagens das matrículas do Livro 2 – Registro Geral) em um compartimento dentro de um Object Storage.
*NoSQL DataBase infraestrutura em nuvem oferecida como serviço onde, serão mantidos e atualizados pela serventia os dados a serem utilizados para pesquisa, quais sejam: nome, CPF, CNPJ e número de matrículas relacionadas (Indicador Pessoal Simplificado – IPS) [2].
*API (Application Programming Interface) pode ser definida como um conjunto de padrões que permite a construção de aplicativos, interconectando aplicações, proporcionando uma troca de informações de forma segura.
É importante salientar que os dados trafegados entre as APIs, serão criptografados pelo protocolo HTTPS.
Ficará a cargo de cada oficial de registro de imóveis conceder, alterar ou revogar acesso aos seus dados, diretamente no Console do Google Cloud Plataform, inclusive, ao Saec/ONR.
O Next Cloud SAS é uma ferramenta que dá poder, autonomia e recursos de gerenciamento para o oficial organizar e configurar o acesso aos dados da serventia a seu cargo, atendendo requisitos legais e normativos vigentes.
O Next Cloud SAS é a antecipação da próxima grande inovação de todo o ecossistema de registro de imóveis, que está sendo vista, como essencial, sua migração para computação em nuvem.
[1] Lei nº 13.709/2018, Art. 5º. Para os fins desta Lei, considera-se: … VI – controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais.
[2] Oportunamente serão agregados dados simplificados do Indicador Real e do valor da transação para composição do Mapa do Registro de Imóveis do Brasil (Mapa de Negócios e Circunscrições), bem como outros backpus de dados da serventia.
Flauzilino Araújo dos Santos é 1º oficial de registro de imóveis de São Paulo (SP) e presidente do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico (ONR).
Fonte: Revista Conjur Jurídico
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