Dando seguimento à série Assinaturas Eletrônicas e a Lei 14.382/2022, hoje encerramos o ciclo enfrentando o disposto nos §2º do art. 4º e art. 9º
Por Sérgio Jacomino
Provimento CNJ 94/2020
Dando seguimento à série Assinaturas Eletrônicas e a Lei 14.382/2022, hoje encerramos o ciclo enfrentando o disposto nos §2º do art. 4º e art. 9º, ambos do Provimento CN-CNJ 94/2020.
As questões aqui agitadas guardam estreita relação com o tema central dos artigos anteriores: autenticidade e integridade dos títulos apresentados a registro.
Os ditos dispositivos do Provimento 94/2020, baixado no auge da pandemia, em circunstâncias excepcionais – o que de certo modo justificava a solução ali alvitrada –, poderão ser reapreciados pela Corregedoria Nacional de Justiça, razão pela qual apresentamos as breves linhas que se seguem, feitas com o objetivo de colaborar com os debates públicos[1].
Comecemos pelo §2º do art. 4º do dito ato normativo. O dispositivo aponta para uma espécie de documento eletrônico que agora nos interessa:
“consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5º do Decreto nº 10.278, de 18 de março de 2020”.
Pois bem, vamos examinar as referências que serviram de base para o dito dispositivo normativo. Reza o artigo 5º do Decreto 10.278/2020:
“Artigo 5º O documento digitalizado destinado a se equiparar a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno deverá:
I – ser assinado digitalmente com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, de modo a garantir a autoria da digitalização e a integridade do documento e de seus metadados;
À parte a redação do inciso I, suficientemente clara, vimos que a exegese do art. 5º deve ser iluminada pelo disposto no art. 18 da própria lei regulamentada (Lei 13.874/2019), como já destacado anteriormente[2].
Ademais, poder-se-ia argumentar – e com boas razões –, que o conjunto normativo não se aplicaria às atividades registrais imobiliárias, mas tão-somente àquelas relacionadas ao trato do cidadão com a administração pública, em suas relações e interesses pessoais em face do próprio Estado (e mesmo estritamente, entre os privados – art. 2º do Decreto 10.278/2020).
Sabe-se que as declarações constantes de documentos assinados “presumem-se verdadeiras em relação aos signatários” (art. 219 do CC e art. 408 do CPC), de modo que a tendência verificada na supressão de reconhecimento de firmas nos documentos apresentados perante a administração pública ganha novo impulso com esta regulação[3].
Entretanto, a presunção de autoria daquele que digitalizou o título não alcança obviamente os subscritores do instrumento, já que as hipóteses ventiladas no conjunto legal e regulamentar visam a estabelecer canais de interação direta entre o próprio cidadão e a administração pública no marco da governança digital. Trata-se da relação eminentemente pessoal, estabelecida entre o cidadão e o Estado.
O documento, assim digitalizado, poderá ser, segundo a regra, equiparado a documento físico “para todos os efeitos legais” (art. 5º). Entretanto, note-se, neste dispositivo, que a oração anterior se articula com a conjunção “e”, ligando-a a outro período, qual seja: “comprovação de qualquer ato perante pessoa jurídica de direito público interno” – vale dizer: União, Estados, Distrito Federal e Territórios, além dos Municípios, autarquias, associações públicas e as demais entidades de caráter público criadas por lei (art. 41 do CC).
É evidente que a norma se preordena à veiculação de interesses próprios e individuais de cidadãos perante a administração pública (art. 9º do Decreto Federal 9.094 2017).
Apresentante x interessado
Dependendo da interpretação aventada nos dispositivos do provimento citado, seria possível entender que os documentos privados, assinados com certificados digitais da ICP-Br por quem os digitaliza, nos termos dos dispositivos supra indicados, poderiam ser encaminhados ao Registro de Imóveis por intermédio do e-Protocolo e fundamentar a inscrição sucessiva nos livros de registro.
Entretanto, não se pode mais do que isso: mero encaminhamento, apresentação, porte, endereçamento, por meio de sistemas de mensageria (message broker) do SERP.
É cediço que qualquer pessoa pode apresentar os documentos a registro e provocar a inscrição (Art. 217 da LRP)[4]. Contudo, não se vislumbre aqui uma espécie de mandato que vincula o autor material do documento (ou o mero portador) àquele a quem se reputa e qualifica como parte do negócio jurídico.
Calha uma distinção que igualmente se tornou clássica no Direito e que diferencia o autor do documento do autor do fato documentado – ato material e o ato jurídico da formação do documento[5].
O autor da digitalização não se liga necessária e intrinsecamente, por vínculos jurídicos, aos autores do documento.
O autor da digitalização assumiria, nos meios digitais, quando muito, o papel de mero apresentante do título, como ocorre nos casos ordinários e tradicionais em que alguém apresenta uma escritura pública em papel para registro. Não se deve esquecer que o art. 6º da Lei 14.382/2022 alude a “interessado” na provocação do registro.
A figura do mero apresentante sempre mereceu severas críticas da doutrina[6]. Não é o caso de elencar aqui, neste opúsculo, as razões que motivaram as objeções históricas.
Destacamos, por todos, FLAUZILINO ARAÚJO DOS SANTOS, que apanhou o estado das discussões na vigência da LRP. Distinguindo interessado de apresentante (ou portador), dirá:
“Interessado, na dicção da Lei de Registros Públicos, não se confunde com o apresentante ou portador. Eles podem ser qualquer pessoa que esteja de posse do título, ao passo que interessado é aquele que direta ou indiretamente tenha legítimo interesse no movimento ou mutação do registro, o que deverá ser cabalmente demonstrado”[7].
É evidente que a figura do mero apresentante (art. 217 da LRP) não se confunde com a de partes ou de interessados no registro (inc. II do art. 13 da LRP c.c. art. 6º da Lei 14.382/2022).
O apresentante pode postar nas plataformas digitais quaisquer títulos, portando-os como quem os conduz e apresenta no balcão dos cartórios, identificando-se nos meios eletrônicos unicamente para fins de protocolização e fixação de responsabilidade pela entrega dos documentos, pagamento de depósito prévio etc.[8].
AFRÂNIO DE CARVALHO sustentava que a provocação do registro deve ser feita pelo interessado. Em vez de “aludir a qualquer interessado”, diz, “a nova Lei do Registro declara que a inscrição pode ser provocada por qualquer pessoa, o que não é exato, bastando, para comprová-lo, lembrar a inscrição da hipoteca legal ou da judicial”[9].
Entretanto, consente que o art. 217 da LRP teria mantido “a prática tradicional, facilitadora dos negócios imobiliários, em que não se exige sequer que o interessado formule expressamente o requerimento de inscrição, pois o ofício do Registro de Imóveis se satisfaz com o requerimento tácito decorrente da apresentação do título inscritível. A apresentação do título subentende ou implica o requerimento de inscrição”[10].
Entretanto, tudo isto não significa que se tenha ultrapassado a questão fulcral que é a determinação da autoria e integridade do título apresentado a registro.
É simplesmente inconcebível, como se buscou consagrar na Lei 14.382/2022, que se entenda que a mera apresentação de documentos assinados digitalmente pelo apresentante possa, ipso facto, declarar a integridade do título portado e a autoria das partes intervenientes, seja no instrumento original, seja no representante digital[11]. É isto que se depreende da conjugação do inc. III do § 1º c.c § 4º do art. 6º da Lei 14.382/2022[12].
A regra do Decreto nº 10.278/2020 se aplica à equiparação dos documentos digitalizados aos físicos, mas não chega ao ponto de conferir autenticidade ao documento físico convertido digitalmente – salvo quando apresentado ao agente público, que o confere e atesta, para os devidos fins e sob sua responsabilidade (art. 9º do Decreto Federal 9.094/2017).
Graficamente, é possível vislumbrar que são coisas distintas: (a) ato de digitalização e (b) atos de comprovação de validade, autenticidade, integridade do documento digitalizado. Aquele que digitalizou o documento, na mor parte das vezes, não será o autor do documento original digitalizado[13].
O apresentante atua numa camada exógena do documento que é apresentado a registro, não o tornando, ipso facto, instrumento hábil para promover a mutação jurídica tão só por sua heterodoxa “autenticação”.
Nada impede, aliás, que qualquer pessoa possa declarar, sob as penas da lei, que tal fato ou ato vincula-se a tal ou qual pessoa, imputando, sob as penas da lei, suposta autoria ou afiançando a integridade de um documento qualquer.
Os documentos privados são matéria de prova casual, não são instrumentos aparelhados para se consubstanciarem em prova pré-constituída, razão singela pela qual nunca foram admitidos a registro.
Um exemplo pode ilustrar muito bem o que se busca demonstrar. Voltemos nossos olhos ao mundo tangível dos documentos ordinários, materializados em papel.
Seria possível admitir-se que uma mera cópia de um instrumento privado de compra e venda e alienação fiduciária, por exemplo, fosse “autenticado” pelo portador que o apresentasse no balcão do cartório? Este documento seria registrado? É evidente que o bom senso responderia que não.
Esta aberração, consistente em elevar qualquer privado à condição de verdadeiro notário na função de autenticação de documentos privados e no reconhecimento de suas firmas[14], foi inacreditavelmente assimilada na reforma da Lei 14.382/2022.
No Registro de Títulos e Documentos (RTD), hoje reconformado a mero birô de arquivamento de documentos, suprimiu-se o reconhecimento de firmas e a comprovação de autenticidade e integridade dos documentos privados submetidos a registro (§ 2º do art. 130 da LRP).
A autenticação e certificação de validade e integridade agora cabe “exclusivamente ao apresentante”. Vale reproduzir o texto legal tão só pela perplexidade que suscita em todos nós:
“§ 2º O registro de títulos e documentos não exigirá reconhecimento de firma, cabendo exclusivamente ao apresentante a responsabilidade pela autenticidade das assinaturas constantes em documento particular”.
O mesmo ocorre no Registro de Imóveis (§ 4º do art. 6º da Lei 14.382/2022), com a diferença que no caput se aluda a “interessado”.
Nesta especialidade, não custa repisar, o sistema de título e modo exige que o título, conjugado com o modo, seja apto a produzir os efeitos de mutação jurídico-real; além disso, deve ser válido e eficaz.
Os instrumentos particulares admitidos a registro são aqueles autorizados em lei, assinados pelas partes, dispensados as testemunhas e o reconhecimento de firmas somente “quando se tratar de atos praticados por instituições financeiras que atuem com crédito imobiliário, autorizadas a celebrar instrumentos particulares com caráter de escritura pública” (inc. II do art. 221 da LRP).
A barafunda se instaura quando não se distinguem mais, com a clareza necessária, termos como título (formal e material), instrumento, escritura, documento e extrato, ou apresentante, interessado, usuário – e a Lei 14.382/2022 nada mais fez que magnificar esta confusão histórica.
É da tradição do Direito brasileiro considerar que os instrumentos registráveis ostentam “força orgânica, quer sejam considerados da substância do ato [escrituras públicas], quer sejam considerados prova pré-constituída, visto que, por si mesmos, são motores de ação”, como observou de modo claro e preciso JOÃO MENDES DE ALMEIDA JR.[15].
Instrumento, pois, “é a forma especial, dotada de força orgânica para realizar ou tornar exequível um ato jurídico; documento é a forma escrita apenas dotada de relativa força probante, contribuindo para a verificação dos fatos”[16].
Para o Registro de Imóveis a tradição sempre exigiu, em regra, a lavratura por tabeliães de atos solenes, formais (ad solemnitatem) para a instrumentalização de atos e negócios jurídicos que tenham por objeto a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis (art. 108 do CC).
A escritura pública é, assim, essencial à própria validade dos negócios jurídicos, seu caráter é de instituto de direito material – não processual[17].
Os instrumentos particulares notarizados (inc. II do art. 221 da LRP) são aparelhados como prova pré-constituída. Entretanto, os demais (extratos, contratos “autenticados” por privados, p. ex.) não passarão de meros documentos que eventualmente podem fazer prova da existência do negócio jurídico no processo judicial (ad probationem tantum).
Em síntese, documento é gênero, título é espécie; o primeiro representa prova meramente casual; o segundo dá existência – ou ao ato (escritura pública – forma dat esse rei[18]) ou conforma a prova pré-constituída[19]. Já extrato e documentos autenticados não passam de meros documentos.
Levando-se o raciocínio até o limite, haveremos de concordar que, se não há título autêntico (escritura pública), ou prova pré-constituída, preenchidas as formalidades legais – por não estar devidamente aparelhado com um instrumento hábil à inscrição –, segue-se daí que este registro “público” será perfeitamente equiparável a entidades privadas pararregistrais, já que o título (e de modo revérbero o próprio registro) estarão, ambos, na dependência de eventual apreciação judicial ex post, sempre e quando houver qualquer impugnação[20].
Desclassifica-se o chamado “registro de direitos”, anteparo institucional preventivo de conflitos, que se vê progressivamente convertido em meros repositórios de extratos digitais, em tudo afeiçoados a cadastros administrativos ou a birôs de informação privada.
Poderemos ter dado início à new age dos Registros Públicos brasileiros: registros por mera indicação, notice registration, como preconizado pela UNCITRAL[21].
Na emenda oferecida pelo Dep. ELI CORRÊA FILHO, na tramitação da MP 1.085/2021, o deputado reproduz o pensamento do Prof. ARMANDO ROVAI, com o qual buscava justificar a apresentação da emenda. Comungamos das ideias do ilustre professor:
“No modelo proposto, o cartório registraria apenas resumos digitais apresentados unilateralmente, por um interessado ou qualquer uma das partes. O cartório não mais verificaria a correção jurídica do contrato que transfere a propriedade das famílias brasileiras.
Podemos adiantar as consequências dessa proposta. Primeiro, os registradores não serão mais responsáveis pela correção dos atos de registro. A responsabilidade civil e criminal passará dos cartórios para a pessoa que apresentar o resumo digital ao registro de imóveis.
Se alguém perder sua propriedade por um erro do resumo digital somente poderá́ demandar judicialmente o apresentante desse resumo, seja este uma instituição financeira ou um particular qualquer. O cartório já não terá́ mais nada a ver com isso.
Segundo, a porta do registro de imóveis estará́ aberta para recepcionar todo o tipo de fraudes. Qualquer apresentante poderá modificar a situação jurídica alheia ou própria mediante simples apresentação de resumo eletrônico.
O Brasil será́ o paraíso para aqueles interessados em sumir com os próprios bens do alcance de credores ou dos estelionatários interessados em vender os bens alheios. Os cartórios, que no modelo atual impedem que fraudes ocorram, estarão impedidos de cumprir sua função institucional.
Para os proprietários, credores e compradores essa proposta cria risco e diminui a segurança. O Custo Brasil aumentará com o fim da análise jurídica dos contratos pelos registradores, piorando ainda mais o ambiente de negócios.
Economias desenvolvidas, como Alemanha, Inglaterra e Espanha, contam com registros de direitos, como o que temos hoje no Brasil há́ mais de um século. Nesses países é justamente a análise jurídica dos registradores que garante a confiança e a certeza na contratação sobre direitos imobiliários”[22].
Além disso, neste cenário de precarização do Registro de Imóveis, advinham-se os riscos inerentes à gestão e manipulação de dados de caráter pessoal e patrimonial sob a cura de entes privados.
Este mister o Estado sempre confiou a agentes especialmente delegados, como os notários e registradores – não a entidades registradoras privadas, nem a birôs de informação – como a Central Nacional de Gravames (CNG), que se orienta a modelos que pouco a pouco vão desfigurando o sistema registral pátrio[23].
O Registro de Imóveis proclama a situação jurídica dos bens e de seus titulares, não é um mero repositório de dados.
Uma cópia de cópia não gera um original
Visto com bastante atenção, o representante digital (digital surrogate), previsto no Decreto 10.278/2020, originado de eventual instrumento registrável, não deixará de ser, afinal, mero documento, portanto prova eventual.
Uma coisa que representa outra, mas sem a virtude de produzir os mesmos efeitos que o ordenamento prevê – seja como forma essencial ou como prova pré-constituída em ordem a promover a mutação jurídico-real pela inscrição. Uma mera cópia de original (ou cópia) que, obviamente, não se torna, ela mesma, um original.
A reforma da LRP aniquila as presunções legais que repousam nos pré-requisitos do título formal admitido a registro – seja a escritura pública, seja o instrumento particular, nos termos do inc. II do art. 221 da LRP.
Dessa forma, tal como deverá ocorrer com a definição acerca da possibilidade de utilização de assinaturas eletrônicas avançadas para atos relativos a bens imóveis, caberá também ao CNJ prover a segurança jurídica e econômica do mercado imobiliário como um todo, regulamentando, com cautela e prudência, a polêmica figura dos extratos eletrônicos.
Sirva-nos de consolo este fato: a Lei proporcionou, ao menos, a possibilidade de uma regulamentação mais adequada e consentânea com o tradicional sistema registral pátrio ao estabelecer que caberá à Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ disciplinar o extrato eletrônico previsto no art. 6º da Lei e os “tipos de documentos que poderão ser recepcionados dessa forma” (inc. VII do art. 7º).
Além disso, a mesma Corregedoria Nacional, atuando sob as balizas consagradas na legislação que trata das assinaturas eletrônicas, deverá exigir rigorosa especificação dos “padrões tecnológicos de escrituração, indexação, publicidade, segurança, redundância e conservação de atos registrais, de recepção e comprovação de autoria e integridade dos documentos eletrônicos (inc. III do art. 7º da Lei 14.382/2022).
Decreto 10.278/2022 – padrões técnicos
O § 2º do art. 4º do Provimento CN-CNJ 94/2020 alude aos “padrões técnicos” estabelecidos no art. 5º do Decreto nº 10.278/2020, in verbis:
“Consideram-se títulos digitalizados com padrões técnicos aqueles que forem digitalizados de conformidade com os critérios estabelecidos no art. 5º do Decreto nº 10.278, de 18 de março de 2020”.
O referido decreto serviu de base para o ato normativo, como se depreende de todo o articulado. Entretanto, como já se referiu anteriormente, sua aplicação demanda a observância de certos requisitos relacionados com o tema da gestão documental.
Devem ser definidos, previamente, os padrões técnicos de digitalização dos documentos. Assim, em atenção ao art. 5º do Decreto nº 10.278/2020 o CONARQ baixou a Resolução 48, de 10 de novembro de 2021, estabelecendo diretrizes e orientações quanto aos procedimentos técnicos a serem observados no processo de digitalização de documentos públicos ou privados.
Admito que seja o Decreto 10.2788/2020 para justificar e fundamentar o processo de digitalização, tais diretrizes se aplicam aos documentos digitalizados e apresentados para registro nos cartórios. Em linhas muito gerais, os requisitos são os seguintes[24]:
– plano de classificação de documento arquivísticos (PCDA) e tabela de temporalidade de documentos arquivísticos (TTDA);
– regras de acesso e procedimentos de tratamento de informações com restrição de acesso;
– sistema informatizado que atenda a requisitos arquivísticos de gestão de documentos;
– repositório digital confiável que permita a manutenção/preservação do representante digital desde sua captura pelo sistema informatizado de gestão, pelo tempo necessário.
Estes são os pré-requisitos básicos para os procedimentos relacionados com a digitalização dos documentos, porém há muitos outros, todos muito bem especificados nas Diretrizes já referidas.
Deve-se destacar que os documentos de preservação permanente das serventias extrajudiciais, mesmo após a sua digitalização – com a geração do representante digital – estes documentos devem ser mantidos em arquivos perenes nos cartórios (art. 26 e seguintes da LRP cc. art. 46 da Lei 8.935/1993, cc. art. 13 do Decreto 1.799/1996, no caso da microfilmagem). Sobre a conservação dos documentos de preservação permanente digitalizados, diz o CONARQ:
“Outra questão que deve ser observada, em todos os fluxos, é a digitalização dos documentos considerados permanentes nas TTDAs [tabela de temporalidade de documentos arquivísticos] da instituição produtora. Como disposto no Decreto nº 10.278/2020, embora possam ser digitalizados, visando, por exemplo, viabilizar a produção e a tramitação de seu representante digital, seus originais não podem ser descartados”[25].
Como já salientado anteriormente (parte II deste estudo), o Provimento CN-CNJ 50/2015[26] estabeleceu uma tabela de temporalidade decalcada da que foi adotada no Estado do Rio de Janeiro.
Entretanto, não era possível estabelecer uma TTDA (tabela temporalidade de documentos arquivísticos) sem que houvesse, precedentemente, a elaboração de um plano de classificação de documento arquivísticos (PCDA) e sem que se tivesse previsto a criação de um repositório confiável[27].
O ato normativo desconsiderou as peculiaridades dos estados e teve pouca repercussão nos cartórios e corregedorias estaduais. A matéria urge ser reapreciada pela Corregedoria Nacional de Justiça.
Em suma, os cartórios historicamente preservaram os documentos que serviram, ao longo de muitos séculos, para retratar a sociedade e dar um testemunho fidedigno da própria formação da última Flor do Lácio[28].
Causa perplexidade que se tenha admitido o acolhimento de documentos digitalizados sem escrupulosa qualificação da autoria e integridade, sem a observância de critérios técnicos adequados e sem que se tenha estabelecido um padrão de classificação e conservação em repositórios eletrônicos confiáveis.
Falsidade X autenticidade
A propósito dos problemas que poderão advir de documentos falsos apresentados pela plataforma eletrônica, o art. 9º do Provimento CNJ 94/2020 previu as providências que deverão ser tomadas pelo Oficial nestes casos. Diz a norma:
Art. 9º. O oficial do Registro de Imóveis, se suspeitar da falsidade do título, poderá exigir a apresentação do original e, em caso de dúvida, poderá requerer ao Juiz, na forma da lei, as providências que forem cabíveis para esclarecimento do fato.
A norma alude a falsidade do título. Notemos que estamos lidando com o representante digital do título (digital surrogate) e as questões aqui apontados ganham relevância.
Em relação ao original digitalizado, sabemos que, em regra, nas hipóteses em que seja apresentado um título qualquer ao Registro de Imóveis, o Oficial não pode penetrar no âmago do contrato e perquirir acerca da ocorrência de eventual falsidade do instrumento, mormente quando revestido das formalidades legais[29].
Os vícios e defeitos intrínsecos dos títulos passam, em regra, ao largo do escrutínio registral[30]. As nulidades ou anulabilidades do título (não do registro – art. 214 da LRP) devem ser declaradas em ação própria (art. 216 da LRP).
A nulidade do título, que repercute no registro, diz AFRÂNIO DE CARVALHO, “é muito mais frequente do que a do registro em si, porque esta se confina no âmbito necessariamente restrito dos defeitos formais do assento, ligados à inobservância de formalidades essenciais da inscrição”[31].
Voltemos agora ao representante digital. Tirante as situações em que a falsidade se perceba ictu oculi (selos de reconhecimento de firmas adulterados e com rasuras, ocorrência de entrelinhas[32], ou em face de fatos que se revelam objetivamente (notificação de falso, selos extraviados, furtados etc.), ou nos casos de notícia direta de falsidade de ato de autenticação notarial ou de reconhecimento de firma, ou da própria escritura pública, em suma, nos casos em que a falsidade vem evidenciada por elementos objetivos, o registro deve ser desde logo obstado[33].
O risco de que o falso venha fulminar a eficácia do registro, admite-se o bloqueio da matrícula (§ 3º do art. 214 da LRP).
É clássica a distinção entre documentos inautênticos e falsos. O CPC diferencia as hipóteses. Dizem NERY & NERY:
“O CPC diferencia as hipóteses de questionamento da autenticidade do documento e de arguição de falsidade. O documento é dito autêntico quando, por si mesmo, faz autoridade de prova ou de solenidade, por expressar a observância das formalidades a que estava sujeito, exceção feita aos casos em que a autenticidade é presumida, como no reconhecimento de firma […]. Portanto, questionar a autenticidade do documento significa questionar a sua capacidade de produção de efeitos no mundo fático, pela não observância de uma dessas formalidades ou por não se encaixar numa das possibilidades de autenticidade presumida. Já a falsidade consiste na falta de fé do documento – mesmo que, formalmente, possua requisitos de autenticidade –, em razão de não correspondência entre o que ocorreu no mundo fático e o que consta do documento (p. ex., no instrumento público, a letra da certidão não é de nenhum dos serventuários, a assinatura não é a do declarante; no instrumento particular, é incluído aumento no que não foi assinado ou se aproveitou o branco da pequena parte da linha do documento para se apor não ou ou”.[34].
Os vícios intrínsecos do negócio jurídico não mobilizam a cognição registral a ponto de impedir o acesso do título ou desencadear uma dilação probatória – que a rigor não compete ao registrador in suo ordine. A falsidade não impede que o documento exista e que se revista, na aparência, de todos os requisitos legais.
Os instrumentos particulares sempre convocam o registrador a proceder a um exame minucioso, averiguando o preenchimento dos requisitos legais.
Na verdade, cingindo-se o exame do título, em regra, a seus aspectos extrínsecos, a segurança da autoria e fidedignidade acaba por repousar na sua confirmação por meios idôneos – como a origem notarial do título, pelo reconhecimento das firmas do instrumento particular, ou pelo emprego de assinaturas qualificadas no instrumento privado.
Retomemos o argumento. “Suspeitando” o oficial do Registro de Imóveis da “falsidade” do título, “poderá exigir a apresentação do original”. Entretanto, esta disposição normativa não é livre de certas dificuldades. Vamos lançar um ligeiro olhar sobre elas.
Apresentação do título original – representação ao juízo competente
A oração indica que o título apresentado não terá sido o original, mas um representante digital (inc. V, § 1º e § 2º do art. 4º do Provimento).
O paradoxal é que a falsidade pode estar inoculada no próprio original do título e, por óbvio, a apresentação do digital surrogate à Serventia, pela plataforma das centrais, não o expungirá dos defeitos que eventualmente inquinavam o original.
É o clássico caso de um registro de título falso no RTD; a certidão dele extraída não escoimará o título de suas eventuais nódoas. A presunção de que o representante digital produza os mesmos efeitos jurídicos que o original é matéria probatória[35].
Diz norma, que, na hipótese de ocorrência de suspeita de falsidade, o registrador poderá encaminhar o título ao juiz competente e requerer, na forma da lei, as providências que forem cabíveis.
Entretanto, nota JOSÉ MARCELO TOSSI SILVA, a denegação do acesso deve basear-se em elementos objetivos, com a indicação precisa dos motivos que ensejaram a recusa.
Assim, ao recusar o ingresso, “deverá o Oficial de Registro indicar as razões para suspeitar da falsidade, experimentando, portanto, os riscos de eventual representação fundada na imputação de falsidade sem razão que a suportasse”. E segue:
“Observo que a qualificação não pode ter como fundamento simplesmente o prudente critério do Oficial para aceitar, ou não, títulos que abstratamente podem ser considerados iguais, somente com fundamento na origem de quem os digitalizou e encaminhou (isso considerando que o extrato será instruído com cópia do contrato digitalizado feita por quem o encaminhou para registro, ou será apresentado diretamente o contrato digitalizado e assinado eletronicamente por terceiro)”.
A qualificação deve ser fundada no exame de legalidade que não admite a recusa de título sem elemento objetivo, feita somente pela prudência do Oficial em afastar risco de responder por danos se o registro causar prejuízo ao titular do direito real que foi transmitido ou alterado, ou do ônus que foi extinto.
Além disso, o procedimento de qualificação previsto na Lei nº 6.015/73 não se coaduna com o pedido de providências, ao Juiz, para esclarecimento dos fatos, e não é o Juiz Corregedor que deve analisar esses esclarecimentos, exceto em caso de suscitação de dúvida decorrente da recusa do registro”[36].
Os títulos originados de instituições financeiras, como já se disse alhures (parte I), escoram-se na segurança econômica e tecnológica. Entretanto, a expressão que encontramos no caput do art. 6º da Lei 14.382/2022 é deveras perturbadora: “registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos”. Não há qualquer distinção. O mesmo MARCELO TOSSI nos adverte:
“Por fim, a referência a atos e negócios jurídicos contida no art. 6º da Lei nº 14.382/2022 deve ser entendida como ampla, abrangendo os títulos destinados ao cancelamento de ônus incidente sobre imóveis, incluídas hipotecas e alienações fiduciárias, cabendo, em relação às cópias digitalizadas e assinadas eletronicamente por terceiros, que não o emitente da declaração de quitação, o que foi acima comentado, ressalvada a hipótese de digitalização do documento em papel com posterior assinatura eletrônica por quem fez a declaração de quitação, porque equivaleria, na prática, a título natodigital”[37].
Não só isso, mas o art. 6º da Reforma não discrimina que tipo de títulos – sejam privados ou públicos – que poderão ser encaminhados ao Registro de Imóveis por meio de extratos.
Vale tudo, instrumentos particulares e públicos, tudo calha na expressão “fatos, atos e negócios jurídicos”, excetuando-se o encaminhamento do instrumento nos casos do inc. IV, incluído pela MP 1.162/2023.
Considerações finais
Muito já foi dito sobre esta assombrosa viragem paradigmática, e vale aqui repisar: a verificação de autenticidade dos documentos passa, inexoravelmente, pela definição da autoria e integridade dos títulos registráveis, e estas ligam-se, umbilicalmente, à higidez de todo o sistema de segurança jurídica registral que foi construído ao longo de mais de uma centúria.
Para não deixar passar a oportunidade, quero explicitar que se compreende, perfeitamente, as razões que acabaram por provocar este tsunami legislativo – à parte a azeitada atuação interessada de setores do mercado, da banca e do próprio governo, que produziram slogans propagados ad nauseam.
Parece-nos necessário fazer constância deste fato, a fim de afastar qualquer insinuação de cainofobia ou apego irracional a praxes obsoletas do processo registral.
A reforma da LRP era mesmo necessária, pois ela havia completado mais de quarenta anos de vigência e o mundo, no interregno, transformara-se completamente.
Entretanto, a via eleita não foi acertada, nem a mais adequada, nem a mais perita. Somente agora, alguns de nós progressivamente nos damos conta de que a MP 1.085/2021 foi uma iniciativa extemporânea e que atropelou, pela precipitação e açodamento, o andamento de reformas importantíssimas que estavam em curso no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça.
A aziaga tramitação do projeto de conversão acabou por nos revelar a inacreditável falta de rigor sistemático da proposta que recebeu nada menos do que 667 emendas (316 na Câmara e 351 no Senado). Parafraseando um famoso cronista decimonômico, assistimos a tudo isto “bestializados, atônitos, surpresos, sem conhecer o que significava”[38].
Uma reforma tão importante consumou-se por meio de uma blitzkrieg, “relatório relâmpago”, que a tantos cegou e desorientou[39].
Finalizo esta série concedendo que já não se vê muito sentido em insistir na agitação de temas a respeito de tudo aquilo que não foi, mas que bem poderia ter sido; afinal, a lei está em vigor e a tarefa de todos nós, agora, há de ser a busca de harmonização e coordenação – pela via doutrinária, regulamentar e jurisprudencial – das disposições legais rebarbativas, integrando-as, como seja possível, no grande sistema do Direito Civil, material e formal.
Especialmente a doutrina registral tem, diante de si, a tarefa hercúlea, verdadeiro genus admirabile, que é dar um sentido de orientação sistemática à reforma.
A empresa poderá soar a muitos ociosa nesta quadra de tempos líquidos e bárbaros. Entretanto, é o que temos como desafio posto aos homens de boa vontade.
[1] O dito Provimento CNJ 94/2020 teve o seu prazo de vigência indeterminado, nos termos do art. 1º do Provimento CNJ 90/2022. No dia 23/2/2023, o Corregedor Nacional de Justiça, Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, baixou a Portaria 15/2023 criando o Grupo de Trabalho encarregado da elaboração de estudos e propostas destinadas à consolidação dos provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça relativos ao foro extrajudicial.
[2] JACOMINO. Sérgio. Assinaturas Eletrônicas e a Lei 14.382/2022 – parte II – Breves anotações e sugestões para sua regulamentação. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 2023.
[3] A tendência de deformalização é longeva. Vide Decreto Federal 63.166, de 26/8/1968 (art. 1º). Ele seria revogado pelo Decreto Federal 6.932, de 11/9/2009. Mais recentemente, o Decreto 9.094, de 17/7/2017 dispôs: “Art. 9º Exceto se existir dúvida fundada quanto à autenticidade ou previsão legal, fica dispensado o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos no País e destinados a fazer prova junto a órgãos e entidades do Poder Executivo federal” (os grifos não são originais).
[4] Não é o caso de explorar neste momento um aspecto assaz interessante – a revelar o açodamento da reforma da LRP que poderia, a bom momento, curar a lei das imperfeições denunciadas ao longo do tempo.
O art. 6º da Lei 14.382/2022 (além de outros dispositivos) alude a “interessados”, sugerindo a necessidade de legitimação para provocação da inscrição, revocando o princípio de rogação (inc. II do art. 3º da LRP). Sabemos que o art. 217 da mesma lei reza que “qualquer pessoa” poderá provocar o registro ou a averbação. RICARDO DIP sustenta que, em relação ao art. 217 da LRP, lex dixit magis quam voluit.
Diz ele, “a construção qualquer pessoa está por qualquer interessado”, consoante justifica em voto convergente proferido na Ap. Civ. 1090261-29.2016.8.26.0100, São Paulo, j. 15/8/2017, Dje 30/8/2017, Rel. Des. PEREIRA CALÇAS. Acesso. Voltaremos ao tema.
[5] CARNELUTTI. Francesco. La Prova Civile. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1992, 144, n. 36.
[6] CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 18ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.29, n. 19.
[7] SANTOS. Flauzilino Araújo dos. Princípio da legalidade e registro de imóveis. Boletim do Irib em Revista, n. 318, set./out. 2004, p. 28.
[8] Cfr. art. 2º do Provimento CNJ 61/2017, de 17/10/2017, Dje 18/10/2017, Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. Acesso
[9] CARVALHO. Afrânio. Registro de Imóveis. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, pp. 326-7. Outra hipótese sempre lembrada é o art. 218 da LRP. Nesse caso de alienações a título gracioso, o legítimo interesse é do “transferente”.
[10] CARVALHO. Afrânio de. Op. cit., p. 329.
[11] Representante digital (Digital Surrogate) é a “representação em formato digital de um documento originalmente não digital. É uma forma de diferenciá-lo do documento de arquivo natodigital”.
A definição se acha em Glossário – Documentos Arquivísticos Digitais. Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ. Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos – CTDE, 2020, 8ª rev.
[12] A derrubada do veto oposto ao inc. III, § 1º, do art. 6º da Lei 14.382/2022 fez renascer uma situação heterodoxa.
O instrumento contratual, pareado com o extrato registral, poderá ser apresentado em cópia simples pelo próprio interessado (sic). Esta figura se confunde com a do apresentante (art. 194 da LRP), com “usuário” (art. 206-A da LRP. Para comentários mais detalhados, confira: JACOMINO. Sérgio. SERP – havia uma pedra no caminho. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 2023.
Acesso. Após a publicação do artigo supra, o Executivo baixou a MP 1.162/2022 incluindo o inc. IV no § 1º do art. 6º da Lei 14.382/2022. As mudanças não resolveram totalmente o problema apontado por nós. V. JACOMINO. Sérgio.
Assinaturas eletrônicas e a lei 14.382/2022 – Parte I – Breves anotações e sugestões para sua regulamentação. São Paulo: Migalhas Notariais e Registrais, 2023. Acesso
[13] Esta hipótese somente seria passível de consideração quando as próprias partes (e testemunhas instrumentárias) que firmaram o documento original assinem digitalmente (ICP-BR) o representante digital. Dar-se-ia uma elevação intermediática passível de ser apreciada como originalidade do representante digital. Nem se poderá qualificar de “representante” digital do original.
[14] Vide incisos IV e V do art. 7º da Lei 8.935/1994.
[15] ALMEIDA JR. João Mendes de. Direito Judiciário Brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1940, p. 203, n. IV.
[16] ALMEIDA JR. João Mendes de. Op. cit. p. 194.
[17] ALVES. J. C. M. Os requisitos da escritura pública no direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1978, n. 73, pp. 229-247. Acesso
[18] “A fôrma é a realidade que dá á matéria o ser e a operação; uma se distingue mas não se separa da outra; e, assim, se diz não só que “a fôrma dá o ser á cousa” — forma dat esse rei, — mas também se diz que a forma é a substancia em acto”. ALMEIDA JR. João Mendes de. Op. cit. p. 114.
[19] AMARAL SANTOS. Moacyr. Prova Judiciária no Cível e Comercial. Vol. IV, 3ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1966, p. 68.
[20] JACOMINO. Sérgio. MP 1.085/2021 – O vinho novo e a água chilra. São Paulo: Observatório do Registro, 2022, acesso
[21] UNCITRAL – Legislative Guide on Secured Transactions. New York: UN, 2010, p. 151, n. 12.
[22] Emenda 71 do Dep. ELI CORRÊA NETO. Vide artigo do mesmo Prof. ARMANDO ROVAI Risco de Insegurança Jurídica no Crédito na edição de 10/11/2021 do Jornal Valor Econômico.
[23] V. ABELHA. André. CHALHUB. Melhim. VITALE. Olivar. Org. Sistema eletrônico de registros públicos: Lei 14.382, de 27 de junho de 2022 comentada e comparada. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 27, n. 4, passim.
[24] V. Diretrizes para a Digitalização de Documentos de Arquivo nos Termos do Decreto n. 10.278/2020. In Câmara Técnica Consultiva do CONARQ sobre a técnica e os requisitos para a digitalização de documentos. Rio de Janeiro: CONARQ, 2021, p. 9.
[25] CONARQ. Diretrizes Para a Digitalização de Documentos de Arquivo nos Termos do Decreto nº 10.278/2020. Rio de Janeiro: Câmara Técnica Consultiva do CONARQ sobre a técnica e os requisitos para a digitalização de documentos, 2021, p. 11. Vide ainda a Resolução CONARQ, 31, de 28 de abril de 2010, que dispõe sobre a adoção das Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes
[26] Provimento CN-CNJ 50/2015 de 28/9/2015 (Dje 29/9/2015), baixado pela Min. NANCY ANDRIGHI.
[27] V. JACOMINO. Sérgio. CRUZ. Nataly. Gestão documental no Registro de Imóveis – A reforma da LRP pela Lei 14.382/2022. Revista de Direito Imobiliário, Vol. 93, jul. dez. 2022, passim.
[28] Tive o gosto de editar um texto excelente do Prof. ANTÓNIO EMILIANO – O conceito de “latim bárbaro” na tradição filológica portuguesa. São Paulo: IRIB/RT, RDI n. 68, 2010, pp. 103-137.
Baseado nos antigos arquivos notariais portugueses, o autor buscou demonstrar que o latim notarial (ou tabeliônico) não era, de fato, latim, mas uma forma arcaica de um português vivo. Esta pesquisa somente se tornou possível pela preservação das antigas escrituras públicas pelos tabeliados portugueses.
[29] “Inexistindo irregularidade na qualificação feita pelo Registrador, que se dá mediante exame extrínseco do título, descabe perseguir questões subjacentes à sua constituição”.
Processo CG 0003779-04.2015.8.26.0562, Santos, decisão de 23/1/2023, Dje 2/2/2023, Corregedor Geral, des. FERNANDO ANTÔNIO TORRES GARCIA. Acesso.
[30] Quando se verifica o vício intrínseco do título (e não do registro em si considerado), inviável o cancelamento administrativo do registro. A matéria é objeto de apreciação jurisdicional nas vias ordinárias. Processo CG 103.669/2008, São Paulo, decisão de 27/1/2009, DJ 5/3/2009, Des. Ruy Pereira Camilo. Acesso.
[31] CARVALHO. Afrânio. Retificação de Registro. In RDI 13, 1984, p. 17. Vide Ap. Civ. 9000002-65.2012.8.26.0624, Tatuí, j. 11/2/2014, DJ 5/5/2014, Des. ELLIOT AKEL, acesso. Neste aresto há indicação de inúmeros precedentes.
[32] V. Ap. Civ. 21.764-0/0, São Paulo, j. 9/12/1994, Dje 17/1/1995, rel. des. ANTÔNIO CARLOS ALVES BRAGA. Acesso.
[33] Assim já decidiu a Eg. Corregedoria Geral de Justiça de SP. Em face da notícia de falsidade do ato de reconhecimento de firma, o ingresso do título no fólio real restaria vedado.
“Ora, realmente, em atenção ao art. 221, II, da Lei nº 6.015/1973, o reconhecimento de firma da caucionante é indispensável para o ato registral intencionado, motivo pelo qual, comprometida a autenticidade da subscrição do título, era de rigor, de fato, recusar a pretendida averbação, em prestígio da segurança jurídica”.
Processo 1086883-02.2015.8.26.0100, São Paulo, decisão de 9/12/2016, Dje 23/1/2017, des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS. Acesso.
[34] V. NERY. Nelson. NERY Rosa Maria de Andrade. CPC Comentado. 17ª ed. 2019, p. 1.058, nota 16, comentários ao art. 436. Neste artigo, há, de fato, o discrímen entre as hipóteses de impugnação da autenticidade dos documentos (inc. II) e a suscitação de sua falsidade, com ou sem deflagração do incidente de arguição de falsidade (inc. III).
[35] É clássica a lição de CARVALHO SANTOS: Ao comentar a presunção de que a certidão do RTD teria o mesmo valor probante que o original, o civilista averbou que a “certidão poderá merecer fé que houve o registo do documento, mas nunca que o documento é verdadeiro e para os devidos efeitos do registo é que a sua certidão não pode merecer fé”.
CARVALHO SANTOS. J. M. Código Civil Brasileiro Interpretado. Vol. III, 14ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991, p. 190. No mesmo sentido: SERPA LOPES. M. M. de. Tratado. Vol. II, 4ª. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 113. AZEVEDO MARQUES qualificaria de “monstruosidade” considerar, de modo absoluto, que a certidão expedida pelo RTD possa ostentar o mesmo valor probante que todo e qualquer original ali registrado: de outro modo resultaria que “qualquer documento falso, uma vez registrado, tornar-se-ia válido e provado!”. RT 70/297, maio de 1929.
A jurisprudência é longeva e tradicional: Ag. Pet. 230.213, Franco da Rocha, j. 4/10/1974, Rel. MÁRCIO MARTINS FERREIRA. Acesso.
[36] SILVA. José Marcelo Tossi. Breves notas sobre a Lei 14.382/2022. 2022, mim.
[37] Op. cit. Loc. cit.
[38] Deliciosa paráfrase de ARISTIDES LOBO: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”. A famosa sentença foi por ele cunhada a propósito da proclamação da república, expressa na própria tarde de 15/11/1889 (edição do dia 18/11 do Diário Popular, coluna Cartas do Rio). Vide FGV-DOC, acesso.
[39] “Já era noite quando o Ofício 196/2022 do Senado chegou à Câmara e o Relator, Deputado Isnaldo Bulhões Jr., apresentou prontamente o relatório relâmpago (Parecer Preliminar de Plenário 3) votando pelo acolhimento das alterações promovidas pelo Senado”.
Tratou-se de verdadeira tour de force empreendida por alguns setores do Governo Federal, aliados a grupos interessados e até mesmo de alguns registradores.
A expressão é bastante reveladora e integra a apresentação encomiástica que se fez do diploma legal em ABELHA. André. CHALHUB. Melhim. VITALE. Olivar. Org. Op. cit. nota 22, p. XVII.
Antes de inovar tão gravemente a ordem jurídica, teria sido possível aprofundar os temas mais sensíveis, convocar juristas e registradores experientes, promover audiências públicas, convocar especialistas do Brasil e do exterior (IPRA-Cinder, IberoReg, CENOR-Coimbra etc.), além da recolha das excelentes ideias reveladas e bem provadas na POC realizada pelo NEAR-lab – Laboratório do Núcleo de Estudos Avançados do Registro de Imóveis eletrônico.
Sobre o autor
Sérgio Jacomino, Quinto Oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo. Presidente do NEAR – Núcleo de Estudos Avançados do SREI
SERP – havia uma pedra no caminho. Por Sérgio Jacomino
Registro em tempo de crise I e II por Sergio Jacomino
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