Depois de quase dois anos de discussões, paralisações e negociações, foi aprovada, no plenário da Câmara a redação final do PL 1775/2015, que cria a ICN, Identidade Civil Nacional.
Entrevistamos, Célio Ribeiro, especialista em projetos de identificação, presidente executivo da Abrid.
CRYPTOID: O que você acha sobre o texto do PL 1775/2015 aprovado na Camara na sessão plenária desse dia 21/02?
CR: Não acredito que nesse momento, devemos nos ater ao texto propriamente dito. Esse é o básico. A partir de agora, virão os ajustes, os aprimoramentos, e principalmente a participação técnica através dos grupos técnicos, como previsto no PL. Por isso o que devemos fazer agora é comemorar o andamento do projeto.
CRYPTOID: O que se deve comemorar?
CR: Primeiro, a conclusão de uma primeira fase importante no legislativo. Ainda terá que passar pelo Senado. É o início de um processo que traz para o cidadão brasileiro a esperança de ver uma melhora no sistema atual.
Segundo, a percepção, a tempo, da importância do RIC-Registro de Identidade Civil, e sua NÃO revogação. O RIC, Lei em vigor, devidamente regulamentada e em compasso de espera, teve sua concepção puramente técnica, através de trabalho conjunto de várias Instituições públicas, sob a liderança do Ministério da Justiça através da Polícia Federal.
CRYPTO ID: Poderia explicar melhor essa sua visão? A ICN não anula e substitui o RIC?
CR: De forma alguma. São dois projetos com concepções diferentes. Apesar do nome de ICN- Identidade Civil Nacional, que veio como substituto ao nome RCN – Registro Civil Nacional, para atender a uma preocupação dos Cartórios de Registro Civil, vejo o ICN como um sistema de formação, gerenciamento e consulta a Banco de dados, a partir de uma base central – a do TSE, com possível utilização e integração com outras bases, como as estaduais dos Órgãos de Identificação, por exemplo.
O RIC, diferentemente trata da identificação em sua essência. É um projeto técnico de identificação que parte de bases estaduais, através de trabalho feito por especialistas profissionais da área de identificação na captura, obtenção e armazenamento dos dados biométricos e biográficos dos indivíduos, para a partir de então, integrar entre si.
CRYPTOID: Mas teremos dois processos então?
CR: Não. Temos passos a seguir. Precisamos entender o que se andou até aqui e o que temos que andar ainda. A ICN sequer nasceu. Está em gestação. Tem um período de formação para acontecer e torcemos para que vingue, que dê certo. Mas são várias etapas e desafios a vencer. Existem pontos polêmicos que devem ser e, quero crer, serão esclarecidos.
Por isso defendemos desde o início que o RIC não deveria ser revogado. Por que revogar uma lei, com tamanho conteúdo técnico nesse momento? Em que o RIC impede a ICN? Não faria sentido. O RIC é um convênio entre estados e governo federal. Se tudo correr bem com a ICN, ótimo! Vamos em frente com a ICN e aproveitamos o que pudermos dos investimentos feitos no processo do RIC. Mas e se não caminhar como desejado? Se teria revogado uma Lei e jogado 20 anos de trabalho fora.
CRYPTOID: Quais os cenários então?
CR: Na minha opinião são 3 os cenários possíveis
1 – A ICN se firma não só como um projeto de administração de banco de dados, mas também como um projeto de identificação civil, em trabalho conjuntos com os órgão de identificação dos estados e Distrito Federal. Nesse cenário, o RIC não irá prosperar e os convênios não serão firmados. A Identificação será feita através da ICN.
2 – A ICN se firma apenas como um projeto de administração de banco de dados, sem conseguir prosperar na específica área de identificação civil. Nesse contexto, os estados poderão se modernizar com a implementação do RIC através dos Convênios a serem firmados com o governo federal e poderão se abastecer com os dados do Banco de dados do TSE além de contribuir também com o fortalecimento desse Banco de dados.
3 – A ICN não vinga. Não consegue passar pelos desafios e possíveis temas polêmicos. Nessa situação, o RIC poderá entrar em vigor a qualquer momento. Através dos trabalhos feitos e refeitos por equipes coordenadas pelo MJ através da Policia Federal, com participação também do ITI – Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, autarquia vinculada à Casa Civil da Presidência da República, além de outras Instituições públicas, acredito que em pouco tempo os estados e o DF, os quais participaram pró e ativamente no projeto através de seus órgãos de identificação, possam dar prosseguimento ao seus processos de modernização através das assinaturas dos Convênios.
CRYPTOID: Então a retirada do artigo que revogava o RIC do texto final do PL foi muito importante para o País?
CR: Sem dúvida. Foi uma decisão inteligente do Sr. Relator que ouviu e atendeu à aqueles que atuam nesse segmento, e que há anos acompanham e lutam por um sistema de identificação forte e seguro para o País. Repare que em todo o Relatório apresentado, a importância da manutenção do RIC foi demonstrada. O Sr. Relator deixou isso claro em vários momentos de seu relatório, qualificando a manutenção da Lei do RIC como uma das premissas básicas para a ICN.
São projetos distintos que devem se cooperar. O objetivo deve ser único – o de modernizar nosso sistema de identificação. Isso é que devemos perseguir. O tempo e/ou os percalços irão nos mostrar o melhor caminho a ser seguido.
CRYPTOID: Existem alguns temas polêmicos, como a utilização por particulares dos dados. Como você enxerga isso?
CR: Durante todo o processo de entendimento e convencimento do PL, desde 2015 esse tema vem sendo debatido. O texto aprovado, veda a comercialização desses dados. Isso é básico. Em hipótese alguma pode ser diferente. Porém permite a conferencia de dados por particulares, com obtenção de receita ao TSE. Sim, isso é polêmico e deve ser tratado com muito cuidado. Acredito que o comitê a ser criado irá regulamentar esse ponto de forma bastante definida, pois uma falha nesse ponto pode significar a morte do projeto. Tenho a convicção de que as pessoas envolvidas possuem total capacidade de entendimento e responsabilidade sobre esse tema.
CRYPTOID: Você citou um comitê. Qual a composição desse comitê? Qual sua opinião?
CR: O texto aprovado prevê um Comitê formado por 9 integrantes : 3 representantes do poder executivo federal, 3 representantes do TSE, 2 representantes do legislativo (1 da Camara e 1 do Senado) e 1 representante do Conselho Nacional de Justiça.
Não me sinto confortável em opinar sobre a composição. Isso não cabe a mim. Mas acredito que seja de suma importância a inclusão dentre esses representantes de pessoas técnicas e conhecedoras da área de identificação. Tenho certeza que em todos esses grupos existem pessoas capazes e competentes. Também existe a figura dos grupos técnicos que poderão auxiliar o Comitê. Acredito que membros de Instituições como a Polícia Federal e o ITI devam participar ativamente desse processo.
CRYPTOID: O texto traz especificamente a Casa da Moeda como empresa responsável para fazer a impressão do DIN – Documento de Identificação Nacional. Isso é legal?
CR: Não cabe a mim dizer se é ou não legal. Acredito que isso ainda será tema de análise e discussão no Senado Federal. Porém, independente da legalidade, acredito na capacidade da Casa da Moeda em gerir um processo como esse. Acredito que a CMB será capaz de construir um entendimento técnico com a indústria especializada de identificação instalada no Brasil e vencer esse desafio.
Temos cerca de 150.000.000 de eleitores e só conseguiremos identificar esses cidadãos com um documento confiável se realizarmos um trabalho conjunto e bem administrado.
CRYPTOID: Como fica a situação de outros documentos emitidos por entidades de classes? O texto aprovado diz que esses documentos devem seguir os requisitos de biometria e de fotografia conforme o padrão utilizado no DIN…
CR: Esse assunto pode ser polêmico. Ou não. Precisamos entender o que se quer dizer com padrão de biometria.
Me permita voltar na história… O RIC ficou engavetado por vários anos, e por vários motivos. Porém, ele só conseguiu voltar a ser uma realidade no momento em que se alterou um artigo da Lei, onde dizia que o RIC revogava os demais documentos de identificação. Lógico que esse erro não irá ocorrer novamente, seria burrice.
Inicialmente há que se esclarecer que fotografia é uma forma de biometria. Então há uma possível redundância no texto.
Entidades de classe, emitem seu documentos com base em Leis especificas devidamente regulamentadas. Tais entidades emitem seus documentos embasados em documentos de identidade oficial apresentados pelos profissionais. Não cabe a essas entidades a identificação civil dos profissionais. Elas emitem um documento oficial que designa que aquele profissional possui aquele atributo. A identificação como pessoa já foi feita anteriormente por órgão oficial de identificação.
Portanto, Não é feita uma identificação biométrica. No máximo uma conferencia biométrica. Fica aí a dica, se for para ser simples…
CRYPTOID: E agora? Quais os próximos passos?
CR: Agora esse texto irá para o Senado Federal. Acredito que lá será o primeiro local para aperfeiçoamento de algumas questões. Depois à sanção do Presidente com ou sem vetos.
A partir daí, de uma forma ou de outra, com o nome e cenário que for, devemos dar as mãos e trabalhar para a implantação de um processo de identificação sério, moderno e seguro que possa garantir o mais básico e essencial dos direitos, a nossa identificação unívoca e inequívoca.
[toggles title=”Projeto de Lei 1775/2015″]A Comissão Especial da Câmara que discuti o Projeto de Lei 1775/2015 em que propõe a criação do Registro Civil Nacional – RCN e exclui a emenda 13 que revogava a Lei 9454/97 – Lei do RIC.
PLENÁRIO ( PLEN ) – 15:00 Sessão Deliberativa Extraordinária Votação em turno único.
Aprovado o Substitutivo apresentado pelo Relator da Comissão Especial, ressalvados os destaques.
Em consequência, ficam prejudicadas a proposição inicial e os Projetos de Lei apensados.
Aprovadas as Emendas de n°s 14, 15, 16 e 17, com favoráveis. Rejeitadas as Emendas 1 a 7 e 9 a 13, com pareceres contrários.
Retirada a Emenda n° 8. Votação do Parágrafo único do art. 4º do Substitutivo apresentado ao PL 1775/15, objeto do Destaque para votação em separado da Bancada do PROS – DTQ 9. Mantido o texto.
Votação da Redação Final.
Aprovada a Redação Final assinada pelo Relator, Dep. Julio Lopes (PP-RJ).
A Matéria vai ao Senado Federal. (PL 1.775-B/2015).
Acompanhe aqui! [/toggles]