Quando você olha para uma pessoa, em questão de segundos, seu cérebro realiza milhares de cálculos por meio de sinapses e libera vários hormônios para que você consiga entender melhor aquilo que a expressão facial, o tom de voz ou a linguagem corporal dessa pessoa está querendo lhe dizer.
Por Gustavo Fosse
Pode parecer algo simples saber se uma pessoa está feliz ou com raiva, até porque desde criança conseguimos identificar e expressar pelo menos as cinco emoções básicas —raiva, nojo, tristeza, alegria e medo.
Além disso, quando crescemos, conseguimos identificar também estados afetivos mais complexos, como a simulação de um sorriso, mesmo estando triste. Essas emoções podem ser percebidas sem nos darmos conta de como esse processamento de informação funciona.
No entanto, entender como a leitura das expressões é feita não é uma tarefa fácil.
O campo da tecnologia que se propõe a desvendar toda essa complexidade é a computação afetiva, uma aplicação da inteligência artificial (IA).
Juntando várias áreas, como engenharia, psicologia, ciências cognitivas e computação, ela tenta compreender o estado afetivo de uma pessoa, traduzindo-o para modelos computacionais, de modo a permitir que as máquinas consigam identificar, interpretar, medir e, até mesmo, “sentir” emoções.
Parece ficção científica, não é mesmo? O cinema, com frequência, traz narrativas de máquinas e sistemas capazes de entender e até expressar emoções —por exemplo, no filme Her (2013), o personagem principal, o escritor solitário Theodore, desenvolve uma relação de amor especial com o novo sistema operacional do seu computador. Mas a IA não está só no cinema, ela está realmente evoluindo muito rapidamente.
Vários modelos novos estão sendo testados e alguns já conseguem interpretar e reagir às emoções básicas com boa acurácia. O Laboratório de Computação Afetiva do Massachusetts Institute of Technology, o Media Lab do MIT, uma referência na área, possui vários projetos que mostram o quanto essa tecnologia já está palpável.
Os atuais avanços na computação afetiva já dão sinais de que ela irá levar o uso da inteligência artificial para mais campos. Daqui a alguns anos, ela vai fazer parte da vida de praticamente qualquer indivíduo, revolucionando a forma como as pessoas interagem com os serviços digitais. Esses avanços possibilitarão entender melhor o estado afetivo de uma pessoa para que possam ser oferecidos serviços mais personalizados, com proatividade e menos situações de estresse.
No sistema financeiro, a computação afetiva pode ser aplicada à construção de bots com características mais humanas e, com isso, diminuir a sensação de estranhamento na interação e melhorar a aceitação pelos clientes. Além disso, no segmento bancário, onde a concorrência é bastante acirrada, um atendimento personalizado é muito importante, afinal os produtos oferecidos por todos os players são muito parecidos, e o cliente precisa de um diferencial para manter sua fidelidade àquela instituição.
Uma empresa que conhece seu cliente estará mais apta para atendê-lo, não só por ter o produto certo, mas por identificar a necessidade do seu cliente e ser capaz de abordá-lo no momento certo, com o produto certo.
Por exemplo, ao saber que um cliente está passando por um problema familiar, como um divórcio, o bot, sendo capaz de perceber a delicadeza do momento, poderia concluir que talvez não fosse o momento adequado para ofertar certos tipos de produtos e, inclusive, mudar a forma de comunicação com o cliente. Quem sabe, utilizando um tom de voz diferente ou palavras que demostrem maior sensibilidade e empatia, permitindo uma relação de confiança entre a empresa e o cliente.
Considerando os benefícios potenciais que essa tecnologia pode proporcionar, é importante que as organizações estejam antenadas quanto aos avanços da computação afetiva, no sentido de adquirir know-how técnico e redesenho dos modelos de atendimento. Cada empresa deve fazer uma análise de como está hoje e se questionar:
- Em qual nível de maturidade, em relação à IA, a empresa se encontra?
- Como o seu bot é avaliado pelos clientes?
- Quais problemas podem ser resolvidos por meio da automatização?
Analisar esses pontos é importante para decidir onde se pretende estar daqui a cinco, dez anos e delinear a melhor estratégia para tirar proveito da IA para seu modelo de negócio.
Tendo bem claro onde é preciso aprimorar e onde se pretende chegar, o próximo passo é agir. Para isso, é preciso unir forças com a academia e parceiros que possam ajudar a empresa a atingir seus objetivos mais rapidamente. Por meio de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, as instituições podem aproveitar o que já se tem na área de computação afetiva e concentrar mais esforços em prever como ela vai avançar e adaptar o futuro às necessidades da empresa. Isso traz inúmeras oportunidades e coloca a instituição numa posição de vanguarda mercadológica.
Apesar de todos os benefícios e da importância da computação afetiva, temos que pensar também em aspectos que geram certa preocupação. Por exemplo, não seria perigoso permitir que máquinas entendam e reajam às emoções como os humanos? Será que chegaremos ao ponto de ter uma revolução dos robôs, como previsto por Isaac Asimov? Bem, dar poder às máquinas pode ser muito útil, mas é necessário pensar também nos perigos, de forma a evitá-los.
Atualmente, no Brasil, a nova lei de dados, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPDP), traz avanços para o melhor uso de dados, gerando orientações de como as empresas podem e devem usar dados autorizados por seus clientes. Mas, quando se trata de computação afetiva, estamos falando de dados mais íntimos, de sentimentos, estados de humor, de coisas que nem mesmo nós entendemos e que, muitas vezes, não queremos que outros saibam. É preciso pensar seriamente nisso, em como esses dados serão usados e até que ponto seria ético utilizá-los, mesmo que seja para um bom fim, como, por exemplo, para prevenir doenças como depressão e transtornos de ansiedade.
O cliente precisa estar plenamente ciente de quais dados ele está fornecendo e o que está sendo feito com essas informações, de forma que ele possa decidir o que realmente deseja compartilhar. Dessa forma, as empresas precisam definir parâmetros claros que possam ser entendidos por seus clientes.
Ainda pensando em como a inteligência artificial vai utilizar os dados e como ela será capaz de tomar decisões, quanta liberdade daremos a uma máquina e até onde queremos que ela chegue? Será que uma máquina conseguirá tomar decisões de acordo com os princípios e as regras da empresa, mesmo treinando com dados de todos os tipos? Como desvendar o que uma máquina aprende?
Muito se tem discutido sobre a importância de ter regras claras para que se possa entender toda a lógica por de trás de uma decisão de uma máquina, mas nem sempre é possível explicar as decisões tomadas por ela. Por isso, para saber qual modelo usar e como usá-lo, existem fatores que precisam ser avaliados.
Será que usar modelos que possam ser interpretados —como, por exemplo, modelos caixa branca (fáceis de interpretar como árvores de decisões)— poderia impedir o avanço da inteligência artificial? Afinal, se ela for treinada apenas por dados escolhidos baseados em nossos critérios e levando em conta os nossos pesos, isso pode impedi-la de propor soluções mais assertivas, que sejam diferentes do nosso ponto de vista.
Por outro lado, a dificuldade de interpretação e de transparência da IA, principalmente em modelos caixa preta (difíceis de interpretar como, por exemplo, redes neurais), é um grande problema. Por exemplo, como uma empresa pode explicar por que um crédito foi negado para um cliente baseando-se nesse tipo de modelo? Pensando nos riscos e nas oportunidades, precisamos chegar a um equilíbrio entre ter um modelo com boa assertividade, mas que possa ser explicável ou pelo menos avaliado.
Encerro este artigo com uma conclusão um tanto óbvia: precisamos nos preparar para o futuro.
Oportunidades e desafios não faltam com os avanços da inteligência artificial e de aplicações como a computação afetiva, mas é preciso ter uma estratégia clara do desenho do negócio e um retrato fiel das capacidades técnicas, buscando fazer os investimentos certos. Estou convicto de que as empresas que se envolverem e tirarem o melhor proveito de tecnologias como essas serão as mais bem preparadas para lidar com as demandas dos clientes do futuro.
Gustavo Fosse é diretor de Tecnologia do Banco do Brasil. Iniciou sua carreira como menor aprendiz em setembro de 1986. De seus 33 anos de Banco do Brasil, 27 foram dedicados à tecnologia, em que atuou como gerente-geral na Unidade de Engenharia e Construção, gerente-geral na Unidade de Integração Tecnológica de Bancos, gerente-executivo na Gerência de Canais, e gerente-executivo na Gerência de Sistemas de Negócios da Diretoria de Tecnologia. Fosse é graduado em administração de sistemas de informação, pós-graduado nas áreas de Governança de TI e de Consultoria Financeira e Mercado de Capitais, diretor Setorial de Tecnologia e Automação Bancária da FEBRABAN, titular no Comitê de Tecnologia da BrasilPrev, membro do Conselho Deliberativo da Cassi e membro do Conselho Administrativo da BBTS.
Fonte: noomis.febraban
Entrevista exclusiva com Gustavo Fosse, Diretor de Tecnologia do Banco do Brasil