A fé pública, e com ela a responsabilidade civil, migraram para as mãos de outros
Por Ayrton Bernardes Carvalho Filho
Na semana em que me despeço da atividade notarial, depois de 30 anos como servidor e Tabelião Substituto, não fiquei surpreso quando li algumas novidades que foram publicadas no Diário Oficial da União do dia 30/04.
Em especial, me refiro a Instrução Normativa n° 60 do Ministério da Economia, e a Medida Provisória 881.
Medida Provisória da Liberdade Econômica (MP) 881/2019, que cria a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e estabelece garantias para o livre mercado e para o amplo exercício da atividade econômica, com objetivo de especialmente os pequenos empreendedores.
Já era esperado que novas medidas fossem tomadas pelo novo governo na tentativa de acelerar a economia e desburocratizar o dia a dia do cidadão, mas essas, a meu ver, também criaram novos serviços, que poderão gerar novas receitas para as classes de contadores, advogados e agentes de registro ICP-Brasil.
A IN 60/2019 equiparou a assinatura manuscrita, ou digital, do contador e do advogado, com a assinatura de um tabelião de notas, detentor de fé pública. O artigo 1º da IN deixou muito claro: O advogado ou o contador da parte interessada poderá declarar a autenticidade de cópias de documentos apresentados a registro, perante às Juntas Comerciais, mediante Declaração de Autenticidade.
A Declaração de Autenticidade assinada digitalmente é mais uma nova modalidade de Autenticação Digital
Já, a MP 881/2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, e alterou significativamente a Lei Federal 12.682/12, lei esta que regula a digitalização e dispõe sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos, nas suas entrelinhas, equiparou a assinatura digital de um Agente de Registro ICP-Brasil, por exemplo, a de outro detentor da fé pública, a do Oficial de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas.
A partir de agora, documentos em papel que passarem por um processo de digitalização e assinatura digital ICP – Brasil, onde se possa constatar em seguida, a sua integridade e autenticidade, poderão ser arquivados e seus originais descartados (dependendo do caso) com plena segurança jurídica. Sim, poderão ser destruídos! E era isso que o mercado desejava, uma lei que respondesse a pergunta: Posso colocar fora meu original, depois de digitalizado, assinado digitalmente e arquivado numa sala cofre de uma Autoridade Certificadora?
Sempre falei, e não é de hoje, que chegaria um dia, aqui no Brasil, que através de leis, ou da tecnologia, outros profissionais também entrariam no mercado para figurarem como terceiras partes de confiança nas relações jurídicas e no meio digital.
Em Portugal, na terra natal de meu avô, desde 2006, advogados, solicitadores, câmaras de comércio e indústria, e as conservatórias autenticam cópias de documentos. Aqui no Brasil, agora é a vez dos contadores, advogados e agentes de registro credenciados da ICP- Brasil.
A fé pública, e com ela a responsabilidade civil, migraram para as mãos de outros
Mas, como falei logo acima, nada me surpreendeu: são “leis de mercado econômico”, como dizia um velho amigo notário, que já não está entre nós.
Agora, o que me surpreendeu mesmo, foi o que eu presenciei, no dia antecedente ao feriado de 1º de maio, destinado ao Dia do Trabalhador, fora dos holofotes da imprensa e não tão distante de uma “garagem” de desenvolvimento de software.
Na sala da diretoria da Autoridade Certificadora Digital Safeweb, diante de uma pequena plateia, dois jovens cientistas de uma promissora startup gaúcha, apresentaram com maestria, a meu ver, o mais novo e disruptivo software de Autenticação Digital desenvolvido para contadores e advogados, e que pode ser utilizado também, por agentes de registro. O software já tem nome: Contadorsigner. E sua versão para advogados, o Advogadosigner.
Mas, não foram somente, o espírito empreendedor dos jovens e a apresentação do software que me surpreenderam. A coragem para responder uma específica pergunta, advinda de um dos diretores daquela Autoridade Certificadora foi a que mais me chamou atenção. “OK. Vamos ficar com o software, mas queremos exclusividade, fechado?”, disse um dos diretores.
Escutei então, a resposta corajosa: “Desculpe-me, até podemos ceder os direitos de uso para vocês, por um terço do valor que ajustamos há poucos minutos, mas vamos tentar a venda fora do Rio Grande do Sul, para outras autoridades certificadoras”.
Viva o empreendedorismo. E o negócio foi fechado.
Resta saber agora, quanto vai custar no livre mercado a nova modalidade de Autenticação Digital e o armazenamento de documentos. E também, se contadores, advogados, agentes de registro e autoridades certificadoras assumirão essas responsabilidades de graça.
Finalizo essa pequena história com o artigo 3º da nova MP 881:
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição:
III – não ter restringida, por qualquer autoridade, sua liberdade de definir o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda no mercado não regulado, ressalvadas as situações de emergência ou de calamidade pública, quando assim declarada pela autoridade competente;
*Ayrton Bernardes Carvalho Filho é Consultor em Certificação Digital, ex-tabelião substituto
Instrução normativa permite a advogados autenticar cópias em registro empresarial
Bolsonaro assina MP que diminui burocracia para startups e pequenos negócios