Encontrado em uma mina abandonada na Alemanha, equipamento foi reconstruído e fica em exibição na sede de empresa brasileira de tecnologia
Por Thiago Tanji | Revista Galileu
Às 4h45 da manhã do dia 1º de setembro de 1939 tropas polonesas começavam a sofrer um ataque fulminante de seus vizinhos alemães.
Com assombro, o mundo presenciava a máquina de guerra de Adolf Hitler em ação por meio da Blitzkrieg, ou “guerra-relâmpago”: ataques liderados por bombardeios aéreos e pelas divisões blindadas avançavam pelo território da Polônia de modo rápido e devastador.
Em pouco menos de um mês, no dia 28 de setembro, a capital Varsóvia cairia diante das forças nazistas.
Após anos de tentativas frustradas de utilizar a diplomacia para frear o ultranacionalismo racista da Alemanha, França e Reino Unido responderiam à invasão alemã com uma declaração de guerra.
Era o início da Segunda Guerra Mundial, o conflito mais devastador da história da humanidade, responsável por ao menos 70 milhões de mortos durante quase seis anos de batalhas travadas em diferentes regiões do planeta.
Durante praticamente dois anos, as Forças Armadas alemãs pareciam invencíveis, conquistando praticamente todos os territórios da Europa Ocidental (com exceção do Reino Unido e dos países que se mantiveram neutros, Espanha, Portugal e Suécia) e avançando pelas nações do Leste Europeu — incluindo largas extensões da União Soviética.
Além do poderio bélico desenvolvido pela Alemanha após a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, os nazistas também planejaram uma sólida rede de comunicações para garantir a superioridade de suas tropas nos campos de batalha.
E um dos maiores trunfos para que suas operações ocorressem em sigilo se devia à uma caixa de madeira portátil com pouco mais de cinco quilos, repleta de teclas e rotores: a máquina Enigma era o pesadelo das Forças Aliadas, que não eram capazes de quebrar a criptografia das mensagens transmitidas entre os comandos militares nazistas.
Décadas após o fim dos horrores do conflito, os equipamentos envolvidos na Segunda Guerra Mundial deixaram de ser causadores de mortes e destruição para tornarem-se itens que despertam curiosidade e interesse.
É o caso da Enigma: até hoje, estudantes de Engenharia e de Tecnologia são introduzidos ao conceito de funcionamento da máquina, considerada capaz de produzir criptografia extremamente avançada para os padrões da época.
Até hoje, muitos interessados em seguir carreiras que envolvem segurança da informação são desafiados a quebrar os códigos da Enigma, que foi patenteada em 1918 pelo engenheiro alemão Arthur Scherbius e utilizada inicialmente para fins civis.
Um desses aficionados é o engenheiro Evandro Hora, que desde 2000 é um dos sócios da Tempest, empresa fundada no Recife que desenvolve sistemas de segurança digital e oferece consultorias para companhias de diferentes países.
Dono de uma biblioteca com livros de história militar e apaixonado pelo desenvolvimento da criptografia, ele considerava a Enigma como o “estado da arte” de seus objetos de interesse.
Em 2017, Hora teve a oportunidade de transformar em realidade o sonho de ter uma máquina dessas para chamar de sua.
Junto dos sócios-fundadores da Tempest, Hora descobriu que um engenheiro aposentado alemão que vive na cidade de Stuttgart é um especialista em realizar a manutenção de Enigmas, vendendo equipamentos que são reconstruídos com as características exatas de fabricação.
A encomenda pode demorar anos, já que é necessário encontrar antigas máquinas fora de operação.
Após muita espera, o brasileiro soube que um equipamento fora encontrado e estaria pronto para ser comprado após um período de restauro que demora meses.
“Ela foi achada no noroeste da Alemanha, no Vale do Ruhr, dentro de uma mina e estava escondida com outros materiais militares. Foram fazer uma obra e encontraram a máquina”, afirma Hora.
Apesar de toda a empolgação ao saber que a Enigma estaria pronta, os sócios da Tempest se depararam com um pequeno problema burocrático: como realizar a importação de um equipamento que poderia se enquadrar tanto como uma obra de artesanato quanto como um dispositivo de processamento de dados?
A melhor solução foi buscar a Enigma da Alemanha e realizar o pagamento das tarifas alfandegárias ao desembarcar no Brasil com a máquina de criptografia a tiracolo.
Hora foi o enviado para realizar a viagem, que não ocorreu sem alguns percalços: ele passou quase seis horas no aeroporto de Lisboa precisando explicar qual era a finalidade do equipamento.
“Como precisava declarar a saída do equipamento da Europa, o fiscal me perguntou do que se tratava a máquina. E eu disse: ‘olha é a máquina que o alemão usa na guerra´. Tive de entrar na Wikipédia e mostrar as fotos da Enigma, que foi usado em um conflito, mas na década de 1940″, relembra aos risos.
A aventura não saiu barata: a máquina foi vendida por 50 mil euros, sendo gastos mais 25 mil euros para as devidas obrigações fiscais — na atual cotação da moeda, os valores atuais giram em torno de R$ 342 mil. Ainda assim, os donos da Tempest não se arrependem do investimento, realizado com capital próprio de cada sócio.
“Nós apresentamos a Enigma em nossas conferências, é sempre um sucesso. Eu digo que é como você ser dono de uma agência que vende Ferraris, mas tem em sua loja um Ford Modelo T [automóvel fabricado no início do século 20 que revolucionou a indústria]: isso serve para a gente se inspirar”, explica Hora.
Ao retirar com todo o cuidado a Enigma de uma caixa destinada ao transporte do equipamento, Hora não mede tempo ao explicar os detalhes do funcionamento da máquina de criptografia.
E, de fato, o trabalho de restauro impressiona tanto quanto a tecnologia envolvida para que as mensagens transmitidas na guerra não fossem decifradas pelos Aliados.
A máquina é composta de 26 teclas com os sinais do alfabeto: quando uma delas é pressionada, uma letra acende em um painel que fica logo acima do teclado. Em outras palavras, se a letra A fosse teclada, ela poderia se “transformar” em Z com a criptografia.
O segredo para que as combinações se tornassem quase impossíveis de ser quebradas estava na composição de três rotores do equipamento, junto de fios que serviam para alterar as posições das letras: diariamente, a ordem dos rotores e suas informações eram modificadas pelo comando alemão.
Transmitidas por sinal de rádio, as mensagens chegavam a um outro operador da Enigma, que tinha as mesmas posições definidas que o remetente. Assim, mesmo que as forças inimigas interceptassem o sinal de rádio, a mensagem não tinha sentido algum.
De acordo com os cálculos dos Aliados, existiam ao menos 1.054.560 combinações diferentes que seriam possíveis de serem realizadas com a Enigma.
Ou seja: seriam necessários anos para desembaralhar uma mensagem que poderia significar a vida ou a morte de milhares de soldados em um único dia.
A tarefa hercúlea de decifrar o segredo da Enigma só seria possível com a criação de um equipamento igualmente genial e que, definitivamente, alterou a história da humanidade.
Durante o esforço de guerra, os britânicos convocaram milhares de cientistas que deveriam criar uma tecnologia capaz de superar as comunicações nazistas: Alan Turing chefiava a equipe e foi o responsável por criar o modelo computacional que é a base das máquinas que usamos ainda hoje.
“Foi preciso inventar o computador para conseguir quebrar a Enigma”, explica .
De acordo com o engenheiro, a criptografia desenvolvida pelos alemães foi desvendada por conta de erros que a maior parte da população ainda comete em ambientes virtuais. “Algumas vezes se usava senhas fáceis ou se reutilizava senhas: além disso, Turing identificou algumas fraquezas, como o fato de que uma letra nunca é cifrada como ela própria”, diz.
Assim, ao realizar comparações de mensagens similares (como os boletins de tempo) e longos textos que possuíam muitos caracteres, era possível diminuir as possibilidades de combinações.
Graças à automação gerada pelo computador, as probabilidades eram calculadas e conseguiam ser decifradas em poucos instantes.
Foi a virada contra a aparente invencibilidade tecnológica dos nazistas. Ao receber as informações secretas alemãs, era possível prever ataques de submarinos contra embarcações das Forças Aliadas e saber antecipadamente onde as tropas inimigas estariam posicionadas antes de uma batalha.
De acordo com especialistas militares, o feito de Turing e a equipe de cientistas foi responsável por encurtar a guerra em alguns anos.
Ao que se sabe, apenas uma outra máquina Enigma reside no Brasil e está exposta no museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.
O exemplar que pertence aos donos da Tempest, entretanto, percorre o país durante eventos realizados pela empresa, aproximando estudantes e jovens profissionais de uma das relíquias da história da segurança da informação.
Para o resto das pessoas, fica a lembrança de uma máquina quase infalível, mas que, pelo bem da humanidade, teve o seu segredo quebrado.
Fonte: Revista Galileu
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