A dificuldade em recolher assinaturas digitalmente trouxe luz a velha discussão do modelo de assinatura digital no Brasil
Por Sérgio Leal
Celebridades digitais, auto-intituladas especialistas no assunto, discorrem publicamente um rosário de descalabros conceituais e propostas sem pé nem cabeça. Por mais desconectados da realidade que sejam tais artigos, eles tiveram o papel de colocar fogo nessa discussão e jogá-la na mídia mainstream.
Podemos começar ouvindo os entusiastas da Blockchain que parecem acreditar que ela seja a resposta para todos os problemas da Humanidade, e propõem seu uso para a coleta de assinaturas em substituição ao mecanismo tradicional de certificado digital ICP-Brasil.
Na sua maioria, essas pessoas ainda não entenderam que a Blockchain é apenas uma implementação do brilhante conceito de DLT (Digital Ledger Technology) e que por consequência será substituída em um período de tempo ainda não determinado.
É um fato que a Blockchain morrerá e será substituída pela geração seguinte de implementações de DLT, sejam elas quais forem. Esse é o ciclo inexorável da obsolescência tecnológica. Algumas pessoas buscam usar o termo Blockchain para se referir a todas as tecnologias de DLT, mesmo que elas não tenham nem ‘block’, nem ‘chain’. Não me parece fazer muito sentido, mas….
De qualquer maneira, olhando a história da Blockchain percebemos que ela obteve tanto sucesso por posicionar-se em um vácuo existente no mundo da tecnologia. Ela não conflita nem substitui absolutamente nada, com exceção das tentativas fracassadas anteriores de ocupar tal espaço. Blockchain e certificados digitais não conflitam, mas complementam-se, pois, estão posicionados de maneira contígua no continua do espectro tecnológico.
A criação de uma assinatura digital requer uma ‘ligação’ muito forte entre a identidade de uma pessoa e uma chave criptográfica, o que consequentemente deve ser feito por algum tipo de ‘autoridade’ com poderes e credibilidade para tal. Esse conceito é o coração do modelo de certificados digitais, e completamente alienígena no Universo Blockchain. Podemos identificar que a Blockchain se posiciona no momento exatamente posterior, ou seja, no uso da chave criptográfica, e não na identificação do seu portador.
Outro ponto é a legislação atual que dá um status especial às assinaturas ICP-Brasil, e a repetida citação do famoso “artigo 10 parágrafo 2” da MP 2200 não tem efeito nenhum para mudar isso e não equipara ninguém ao certificado ICP-Brasil. Não há como esgotar essa discussão aqui e merece um artigo explicativo próprio.
Por fim, devemos registrar que em 18 anos a ICP-Brasil evoluiu muito pouco e continua sendo usada por quase ninguém, sendo sua limitada adoção o elemento fundamental para o nascimento de todas as dificuldades para a proposta registrada no título do artigo. Se ela tivesse sendo usada por todos para tudo, o debate não precisaria existir.
Para que a ICP-Brasil se tornasse um pilar da Sociedade Brasileira, a carteira de identidade e de motorista do cidadão comum deveriam se tornar um cartão contendo um certificado digital, mesmo que o próprio dono nem soubesse disso. Existem muitos modelos de sucesso no mundo na adoção em larga escala dos certificados digitais, mais notadamente na Europa, e que poderiam servir como exemplo para nos ajudar a chegar lá. Mas tenho certeza que não estou dizendo nenhuma novidade para as pessoas desse meio.
Assim, podemos aproveitar a oportunidade da discussão para rever os aspectos reais que impedem a assinatura digital de exercer seu potencial dentro da sociedade brasileira, mas sem cair nas armadilhas das invenções do supostos especialistas que tanto poluem a mídia brasileira e deseducam a população.
Sérgio Leal
Ativista de longa data no meio da criptografia e certificação digital.
Trabalha com criptografia e certificação Digital desde o início da década de 90, tendo ocupado posições de destaque em empresas lideres em seu segmento como Módulo e CertiSign.
Criador do ‘Blue Crystal’: Solução software livre completa de assinatura digital compatível com ICP-Brasil
Criador da ‘ittru’: Primeira solução de certificação digital mobile no mundo.
Bacharel em Ciências da Computação pela UERJ desde 1997.
Certificações:
– Project Management Professional (desde 2007)
– TOGAF 9.1 Certified
– Oracle Certified Expert, Java EE 6 (Web Services Developer, Enterprise JavaBeans Developer)
Sérgio Leal é colunista e membro do conselho editorial do CRYPTO ID.
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