Depois das novas regras impostas a bancos ou meios de pagamento em países da Europa, por meio da entrada do vigor da lei PSD2, os players não-europeus estão começando a enxergar o setor de forma diferente.
*Por Ricardo Taveira
Desde meados de janeiro, a PSD2 obriga todos os bancos europeus a abrirem suas APIs (Application Programming Interface), possibilitando a leitura de dados como os de saldo e extrato e movimentação de contas de clientes por terceiros devidamente autorizados.
Com isso, dá para incorporar serviços básicos bancários como parte de um outro produto ou “app”, da mesma forma que a API de mapas do Google Maps, por exemplo, fornece a estrutura para suportar os aplicativos de transporte. Assim, seria possível construir um Internet Banking multibanco, ou até pagar uma transação de e-commerce debitando diretamente em uma conta bancária sem a necessidade de convênios ou integrações individuais entre bancos e sites. A conta do cliente vira um simples commodity—infraestrutura à serviço de um produto maior e mais rentável de um terceiro.
Se a sua empresa é um banco ou meio de pagamento na Europa, este é o cenário que lhe aguarda caso adote a estratégia errada de Open Banking. E se sua instituição bancária, corretora ou adquirente for brasileira e não europeia, não se engane – essa inovação já aterrissou por aqui.
Dito isso, acreditar que este é único resultado possível, ou que a melhor estratégia é “erguer barreiras” para adiar ao máximo o impacto no seu negócio atual, seria simplificar um movimento que pode trazer enormes benefícios para todos.
A explosão das “fintechs” nos últimos anos, pode estar ligada ao fato de a tecnologia ou experiência de usuário (UX) destas empresas serem superiores às dos bancos—ou pelo fato de elas não possuírem o mesmo fardo regulatório dos players tradicionais. Independentemente das causas, o Open Banking vem para catalisar essa tendência.
Com quase 80% do mercado bancário concentrado na mão de cinco gigantes – com ampla munição para proteger suas posições de mercado – a “guerra fria” entre os players tradicionais e fintechs agora tem o “agente provocador” que faltava para que o conflito se tornasse uma “guerra quente” pela carteira do cliente.
O Open Banking, em tese, permite que o usuário “monte” sua própria plataforma financeira com produtos variados de diversos players, agregados em uma única interface—abrindo para concorrência externa o “mercado fechado” dos grandes bancos, de forma similar ao livre comércio entre países. Vale lembrar aqui então que, em geral, os países que abriram suas economias para o comércio exterior não entraram em conflito armado entre si, mas se especializaram e construíram cadeias de valor multinacionais complexas e eficientes, algo similar ao que é possível entre bancos e fintechs.
E se antes não haviam incentivos para que bancos oferecessem produtos que não fossem “marca própria” em seus “supermercados financeiros”, a diversidade com competência das “barraquinhas” das fintechs, hoje já ameaçam direcionar a atenção do consumidor para longe do supermercado do banco como um todo—o pior resultado possível para players estabelecidos. Mas o open banking pode também ser entendido como a tecnologia que faltava para que bancos adicionassem produtos de terceiros à sua prateleira e manter-se competitivos.
Se essa realidade—de cooperação e competição simultânea entre bancos e fintechs—parece distante, a experiência mais recente na Europa com o PSD2 nos mostra que esse panorama está mais próximo do Brasil do que parece. Afinal, países europeus também possuem uma concentração bancária comparável à brasileira: os cinco maiores bancos da Inglaterra, França e Alemanha também detêm entre 70 e 85% de seus respectivos mercados, com plataformas de tecnologia que em alguns aspectos estão aquém a dos bancos brasileiros, calejados por períodos hiperinflacionários e de rápidas mudanças regulatórias. Então qual foi de fato a estratégia adotada por instituições bancárias europeias diante dessa nova realidade?
Uma pesquisa realizada pela PWC no final de 2017 revelou que 50% dos bancos adotaram uma estratégia pós-Open Banking de não só aproveitar a quebra de barreiras tecnológicas para expandir a distribuição de seus produtos na plataforma de terceiros, mas assim como – pasmem – distribuir o produto de terceiros para sua base existente de clientes mesmo que já possuam serviços similares do próprio banco—algo impensável até pouco tempo nessa indústria.
É natural que a preferência de quem já lidera o mercado seja o status quo. E em um segmento com uma dinamicidade glacial, agravada pela concentração bancária, é compreensível um certo ceticismo sobre o timing do impacto desta mudança no Brasil. A analogia com a Europa perde força, claro, quando lembramos que houve uma imposição regulatória naquele mercado—imposição essa que ainda não há no Brasil. Mas com as notícias mais recentes de que México aprovou sua lei de Open Banking, além de comentários públicos do nosso próprio Banco Central, fique de olho: em breve teremos os primeiros indícios se o Brasil saberá aproveitar o melhor da experiência europeia para a realidade brasileira.
*Ricardo Taveira é CEO da Quanto, fintech pioneira no setor de open banking no Brasil