Revolução do blockchain vai transformar a maneira como os negócios são feitos
Nesta entrevista, o consultor canadense explica por que a tecnologia que sustenta a criptomoeda tem potencial para revolucionar a economia mundial | por Rik Kirkland
A ruptura representada pela tecnologia trará tanto oportunidades como ameaças… A realidade avança mais rápido do que a projeção. A primeira corporação autônoma (DAO), baseada em blockchain, já nasceu: o DAOhub
No início dos anos 1990, a mídia era centralizada, controlada por forças poderosas e com receptores passivos. A nova mídia, a web, é, ao contrário, altamente distribuída; todo mundo é participante, não receptor inerte. Essa incrível neutralidade tem o potencial de criar uma sociedade muito mais igualitária e próspera, onde todos possam compartilhar a riqueza que produzem. Muitas coisas boas vêm acontecendo de fato, mas, em geral, os benefícios da era digital são assimétricos, pertencem a uma pequena porção de empresas que transformam os dados em lucros ou a governos poderosos que utilizam esses dados para nos espionar.
E se houvesse uma internet de segunda geração que permitisse a troca de valor verdadeira, peer-to-peer? Don Tapscott, que há 35 anos estuda a era digital, acaba de lançar com seu filho, Alex, o livro Blockchain Revolution: How the Technology Behind Bitcoin Is Changing Money, Business, and the World, que trata da tecnologia que, acredita ele, viabilizará esse compartilhamento de valor entre todos. Segundo Tapscott, o blockchain poderá facilitar a colaboração e o rastreamento de todos os tipos de transações e interações, oferecendo uma privacidade genuína e tornando-se “uma plataforma para a verdade e a confiança.
O blockchain é um banco de dados de distribuição livre que usa criptografia de última geração. Ele pode mudar tudo o que fazemos, porque não precisaremos mais de fiadores. Se hoje, quando vamos enviar dinheiro a alguém, temos de passar por um banco, uma operadora de cartão ou um órgão governamental que autentique quem somos e quem é nosso receptor, poderemos fazer operações diretamente com base em um protocolo de confiança provido pelo blockchain.
Quando Satoshi Nakamoto criou o protocolo bitcoin [leia reportagem a respeito na HSM Management nº 116], o gênio da tecnologia mais uma vez saiu de sua lâmpada. A internet pode estar nascendo de novo, como mostram os principais trechos desta entrevista de Tapscott, editada em tópicos.
No blockchain, constrói-se confiança com a colaboração em massa e com códigos inteligentes
Como funciona
“O blockchain é basicamente um banco de dados distribuído por milhões de computadores que utiliza criptografia de ultima geração. É livre, o que significa que qualquer um pode mudar o código subjacente e ver o que está acontecendo ali, e realmente direto, pois não exige intermediários poderosos nas transações.
Esse banco de dados pode registrar qualquer tipo de informação estruturada, não apenas quem pagou a quem, mas também quem se casou com quem, quem possui qual terra ou que lâmpada usou energia de qual fonte. Isso faz com que seja adequado à internet das coisas, porque será preciso estabelecer trilhões de transações em tempo real entre objetos, algo que as instituições financeiras, por exemplo, não conseguirão fazer.
O blockchain é algo impossível de hackear e, por isso, tem sido considerado uma plataforma para a verdade e para a confiança. Suas implicações são surpreendentes, não só para a indústria de serviços financeiros, como para quase todos os aspectos da sociedade.
Para mim, o blockchain é a maior inovação da história da ciência da computação. Refiro-me à ideia de uma base de dados distribuída, na qual a confiança é estabelecida por meio da colaboração em massa e por códigos inteligentes, em vez de precisar de uma instituição poderosa que faça a autenticação e o acordo.
Se eu lhe devo US$ 20 e fazemos a transação para que eu lhe pague, isso será autenticado por uma grande comunidade de ‘mineradores’, pessoas que têm um poderoso recurso de computação. Só para falar do bitcoin, que é o maior dos blockchains hoje, alguns estimam que toda a capacidade de processamento do Google equivaleria a 5% do poder da capacidade de processamento do bitcoin.
Como os mineradores conseguem autenticar a transação? Cada um deles é incentivado a se tornar o primeiro a descobrir a verdade, e esta, uma vez descoberta, se torna evidência para todo mundo. Quando o minerador descobre a verdade, ele recebe dinheiro em bitcoins.
Essa plataforma resolve o enorme ‘problema de cobrança dupla’. Sabe como? Para eu conseguir enviar os mesmos US$ 20 para outra pessoa (ou pegar o dinheiro de volta), teria de tentar hackear o que o minerador recebeu, e isso não é possível, porque há um bloqueio de 10 minutos. Também há um bloqueio de 10 minutos no minerador antes dele, no outro, no outro, e assim por diante. Há bloqueios em cadeia. Como o blockchain envolve um sem-número de computadores de mineradores, cometer fraude fica praticamente inviável.
Esse banco de dados distribuído nos permite ter um registro fiel e imutável de tudo e não depende de um país porque está espalhado pelo mundo inteiro.”
Mudanças
A indústria de serviços financeiros pode viver grandes transformações. Na pesquisa para o Blockchain Revolution, identificamos oito coisas que essa indústria faz: movimenta dinheiro, armazena dinheiro, empresta dinheiro, troca dinheiro, atesta dinheiro, e assim por diante. E tudo isso pode ser modificado com o blockchain.
O mesmo vale para qualquer indústria. Um exemplo é a música. É um desastre, pelo menos do ponto de vista dos artistas. Eles costumavam ter a maior parte de seu valor tomado por grandes selos e, hoje, as empresas de tecnologia ficam com a parte do leão.
Agora, imagine se a nova indústria da música fosse um aplicativo distribuído no blockchain em que eu, como compositor, pudesse postar minhas músicas com um contrato inteligente especificando a forma de uso. Eu diria: ” Essa música é grátis para você ouvir agora, mas, se quiser usá-la em seu filme ou como toque de seu celular, tem de me pagar x, e um contrato inteligente me garantirá o pagamento.
Não é ficção. Imogem Heap, cantora e compositora brilhante do Reino Unido com recorde de vendas, está participando da criação da Mycelia e trabalha com uma empresa incrível chamada Consensus Systems, que atua no mundo todo, de desenvolvedores de blockchain que usam a plataforma Ethereum; Ethereum é um blockchain. Ela já postou sua primeira música na internet e espero que muitos grandes artistas venham a fazer isso.”
O que pode sair errado
“Não sou futurista. Acredito que o futuro não deve ser previsto – é algo a ser alcançado.
No entanto, identificamos dez obstáculos e os analisamos detalhadamente em nossa pesquisa. Um deles é a energia consumida para o blockchain funcionar, que é gigantesca; outro, a possibilidade de essa tecnologia ser o novo exterminador de empregos.
Os maiores problemas talvez tenham a ver com governança. Diferentemente da internet, que é um ecossistema de governança sofisticado, o universo de blockchain e moedas digitais é selvagem como o Velho Oeste norte-americano, um lugar de imprudência, caos e calamidade, ou seja, pode matar se não encontrarmos uma liderança que una e crie organizações equivalentes às que temos para a governança da internet.
Para esta, temos a Internet Engineering Task Force e o W3C Consortium, que desenvolvem padrões para a rede. Contamos também com o Internet Governance Forum, que cria políticas para governos. E há a Internet Society, que é um grupo de apoio. Temos a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), rede operacional que apenas entrega os nomes de domínio. Há uma estrutura e um processo para descobrir as coisas.
Agora, precisamos disso para o blockchain. Eu tenho esperanças de que isso aconteça.”
2 bilhões de pessoas vão entrar no sistema financeiro global
O que está em curso e o que falta acontecer
“Para mim, é como se estivéssemos novamente nos anos 1990 [quando a internet começou a se popularizar]. Temos os investidores mais inteligentes, os programadores mais inteligentes, os executivos mais inteligentes, as pessoas em bancos mais inteligentes, o governo mais inteligente e os empresários mais inteligentes trabalhando nisso. Isso sempre é sinal de que algo grande está acontecendo. Em 2015, US$ 1 bilhão foi gasto em investimentos na área e consigo ver o poder das aplicações baseadas em blockchain: vão intervir positivamente em muita coisa.
Tenho muita esperança. Em vez de simplesmente redistribuir a riqueza, talvez possamos mudar o modo como é distribuída. Imagine todas essas pessoas que carregam um supercomputador no bolso [o smartphone] e estão conectadas a uma rede, mas não têm uma conta no banco porque possuem apenas alguns porcos e galinhas. Essa é a conta bancária delas. Haveria 2 bilhões de pessoas entrando no sistema financeiro global.
Calcula-se que 70% de todos os donos de terras não têm um título registrado que comprove a propriedade e podem perdê-las a qualquer momento. Imagine poder mudar isso.
Imagine um mundo em que a ajuda filantrópica não fosse consumida pela burocracia, mas chegasse diretamente ao beneficiário sob um contrato inteligente. Ou então um blockchain de Airbnb, que faria cada proprietário de imóvel ficar com o lucro, em vez do dono do aplicativo. Isso tudo tem a ver com o valor que vai para os criadores de valor e não para forças poderosas que hoje capturam.
Imagine usar a internet e poder proteger a privacidade, um direito humano fundamental e a base de uma sociedade livre. Está tremendamente mal informado quem diz que a privacidade morreu. Basta que cada um de nós tenha a própria identidade em uma caixa-preta no blockchain. Quando fizermos uma transação, será a caixa-preta que proverá as informações necessárias para concretizá-la e que coletará dados, e ninguém terá acesso a ela. Manteremos nossos dados e apenas se quisermos os venderemos para lucrar com isso.
Sei que ainda não conseguimos fazer essas coisas, mas estou convencido de que, com o blockchain, poderemos fazê-las. Sinceramente, nunca vi uma tecnologia com tanto potencial para a humanidade.
Saiba mais sobre Don Tapscott
Quem é: Consultor canadense especializado em estratégia corporativa, transformação organizacional e o papel da tecnologia nos negócios e na sociedade e professor da Rotman School of Management, da University of Toronto.
Seus livros: É autor de 15 livros sobre tecnologia e negócios, entre eles o best-seller mundial Wikinomics: Como a Colaboração em Massa Pode Mudar o Seu Negócio.
É autor ou co-autor de 13 livros sobre a aplicação de novas tecnologias na dinâmica de condução de negócios. Sua obra mais recente é “Grown Up Digital”, ou em português, “A Hora da Geração Digital”, lançado em outubro de 2008 na América do Norte e na Europa, e em junho de 2010 no Brasil. Com sua empresa, nGenera, Tapscott realizou uma pesquisa com cerca de dez mil jovens, conduzindo entrevistas que resultariam no livro “A Hora da Geração Digital”, que aborda temas como: Sete maneiras de atrair e mobilizar jovens talentos; Como o cérebro da Geração Internet processa informações; Sete diretrizes para que os educadores utilizem o potencial da Geração Internet; Como criar filhos 2.0: não há lugar como o novo lar; Como os jovens e a internet estão transformando a democracia; além de Facebook, Barack Obama, Youtube, MySpace, entre outros. A obra precede o best-seller Wikinomics: How Mass Collaboration Changes Everything, escrito em conjunto com Anthony Williams e publicada nos EUA e na Europa em dezembro de 2006 e no Brasil em julho de 2007, sob o título Wikinomics: Como a Colaboração em Massa Pode Mudar o seu Negócio.
Fonte: Experience.hsm