Reconhecimento facial para pagar contas, fazer saques e operações pelo celular deverá ser realidade no dia a dia dos bancos brasileiros em até dois anos
Vai “encarar”?
Por Claudia Rolli | Revista Febraban
Prepare-se para tirar uma selfie ao pagar contas, fazer saques ou transferências pelo celular, na agência ou no terminal de atendimento. Já usada em aeroportos internacionais, no check-in de companhias aéreas e em serviços do mundo digital, a biometria facial deve incorporar-se ao dia a dia das instituições financeiras no prazo de um a dois anos, segundo previsão de representantes do setor. O objetivo é combinar segurança e proteção, conveniência e agilidade.
A tecnologia de reconhecimento facial poderá, em breve, permitir até a troca de mensagens entre clientes e bancos no momento de realização de operações, e avança em ritmo acelerado. Há cinco anos, um quarto do mercado de biometria era concentrado em autenticação de face e de voz. Há dois anos, essa participação subiu para um terço, calcula oBiometrics Research Group, principal fonte de análises e pesquisas sobre o setor.
Nos Estados Unidos, a tecnologia é usada até por igrejas para identificar quem são seus seguidores. No Reino Unido, varejistas usam o sistema para detectar turistas que furtam objetos e souvenires em viagens – osshoplifters, crime fácil de cometer e difícil de combater. Na China, a biometria facial é usada para identificar motoristas em treinamento, permitir acesso a atrações turísticas e até comprar com apenas um sorriso, como relatou a revista “The Economist” em edição recente sobre o tema.
No Brasil, a Gol começou há pouco a usar o serviço Selfie Check-in , que permite aos passageiros de voos nacionais e internacionais fazer ocheck-in no app da companhia, com uma selfie.
A tecnologia da biometria facial deve se popularizar ainda mais a partir de novembro. Nessa data, a Apple começará a vender seu novo iPhone, o modelo X, sem o tradicional botão home, acionado pelo Touch ID, e com reconhecimento do rosto, pelo Face ID, para desbloquear a tela inicial.
Como o maior volume de transações bancárias é feito pelo mobile, o setor financeiro tende a ser um dos grandes beneficiários do uso da autenticação do rosto em smartphones. “O próprio hardware do cliente ajuda na adoção da tecnologia”, diz Adriano Volpini, diretor setorial da Comissão de Prevenção a Fraudes da FEBRABAN, ao lembrar a disseminação das câmeras em celulares e tablets, que facilita ainda mais o uso da nova solução biométrica.
[blockquote style=”2″] O que eu tenho, senhas, tokens, o fraudador se esforça para ter acesso; o que eu sou, minha identidade facial, ninguém consegue fraudar” — Adriano Volpini, diretor setorial da FEBRABAN[/blockquote]
A segurança e o combate preventivo de fraudes também incentivam a difusão da tecnologia entre as instituições financeiras. “O que eu tenho, senhas,tokens, o fraudador se esforça para ter acesso; o que eu sou, minha identidade facial, ninguém consegue fraudar”, explica o executivo.
Como toda nova tecnologia adotada tem uma curva e um período de aprendizado, o prazo de um a dois anos é considerado o mais provável para que a biometria facial “pegue” no setor. Mas tudo também depende do “apetite” de cada organização, avalia o diretor da FEBRABAN.
A adesão a essa forma de autenticação ganha ainda mais impulso com soluções que as empresas de tecnologia de pagamento e cartão de crédito, como Visa e Mastercard, usam em suas parcerias com as instituições financeiras.
O banco Neon e a Visa lançaram, em maio, uma solução que permite aos clientes autenticar compras online por meio de selfies, quando o processo de verificação é solicitado pelo estabelecimento comercial.
A biometria facial já é usada por quase 60% dos 250 mil clientes. Outros 32% usam a senha numérica e 9%, a biometria digital. Quando a pessoa abre a conta no banco, ela envia foto de documentos, cadastra uma senha numérica, sua impressão digital e envia uma selfie, que é armazenada no banco de dados do Neon de forma criptografada. É essa imagem já cadastrada no banco que é conferida com a foto enviada para autenticar a operação.
Para evitar fraudes, a selfie precisa ser tirada no mesmo momento da confirmação da compra e a pessoa deve piscar – uma exigência extra para verificar que o portador do cartão está presente no instante da autenticação. O uso dessa tecnologia está limitado, em uma primeira etapa, aos casos em que o varejista entenda ser necessário fazer uma verificação adicional de segurança na operação.
A biometria facial é, definitivamente, um dos métodos mais seguros de autenticação, diz Alessandro Rabelo, diretor-executivo de Produtos da Visa do Brasil: 80 pontos da face do usuário são identificados, para validar a operação no sistema dos clientes do Neon. “É como se o cliente usasse uma senha de 80 dígitos em vez da senha tradicional, em média, com quatro a seis dígitos”, diz Rabelo. Desde o lançamento dessa forma de autenticação dos clientes do Neon, ele afirma que não houve problemas reportados de tentativas de fraude.
[blockquote style=”2″]É como se o cliente usasse uma senha de 80 dígitos em vez da senha tradicional, em média com quatro a seis dígitos” — Alessandro Rabelo, da Visa do Brasil[/blockquote]
Na ocasião do lançamento da solução, Pedro Conrade, CEO do Neon, ressaltou que uma das preocupações é não deixar a tecnologia sobrepor-se à simplicidade do uso: “buscamos sempre entregar soluções eficientes sem deixar de ser simples para os clientes”, diz ele. “Ajudamos a criar uma forma de gerar ainda mais segurança para compras online, de forma intuitiva e prática para quem está na outra ponta”.
Pedro Conrade, CEO do Neon, e Percival Jatobá, vice-presidente de Produtos da Visa do Brasil, usam celulares para fazer selfies na ocasião do lançamento de solução de reconhecimento facial para autenticar compras online
Inspiração
Além de atrair a atenção de bancos estrangeiros, a solução criada para o Neon movimentou o setor e deve servir de modelo para outras instituições. “As conversas estão avançadas, com ao menos quatros emissores. São inovações semelhantes [ao Neon], mas adaptadas às necessidades desses bancos”, diz o executivo da Visa, sem detalhar o que são e para quem são “as novidades que virão por aí”.
Desde o final do ano passado, a Mastercard, empresa de tecnologia que atua no mercado de pagamentos, também testa no Brasil aIdentity Check Mobile, tecnologia baseada em biometria e reconhecimento facial para verificar a identidade do portador do cartão e simplificar as compras online.
[blockquote style=”2″]A solução já existe em 14 países. O dono do cartão não precisa mais guardar senhas, o que agiliza a experiência da compra digital e aumenta a segurança”, diz Valério Murta, vice-presidente de Produtos e Soluções da Mastercard Brasil e Cone Sul.[/blockquote]
Aumentar o nível de segurança é mais do que necessário quando se considera que 61% dos brasileiros não mudam as senhas regularmente ao acessarem contas online e sites públicos, segundo pesquisa feita pela Mastercard.
A empresa também estuda e desenvolve outras formas inovadoras de autenticação das transações. Até pelo coração. “Em alguns países, já está em piloto a identificação por meio da sequência cardíaca, para ser usada em dispositivos wearables (os vestíveis, como pulseiras, relógios)”, diz o VP. “A impressão digital pela frequência do coração é uma identidade única.”
A Mastercard também lançou um cartão biométrico que combina a tecnologia do chip com impressões digitais. O produto, que já está em teste em um banco e numa rede de supermercados na África do Sul, deve chegar no futuro ao Brasil.
Após habilitar o cartão biométrico da instituição financeira e registrar a impressão digital, esse registro é transformado em um modelo digital criptografado e armazenado no cartão. Ao pagar uma compra em uma loja física, o cartão biométrico funciona como qualquer outro com chip: “É só inserir o cartão no terminal de um revendedor, enquanto coloca o dedo no sensor. A impressão digital é comparada com o modelo e, se a biometria corresponder, a transação é aprovada. Isso tudo sem o cartão nunca ter saído da mão do consumidor.”
Perdas ao setor
Os investimentos feitos pelo setor financeiro para obter sistemas mais eficientes de autenticação nas transações têm um motivo: a cada US$ 100 transacionados no mundo, US$ 0,06 são perdidos com fraudes, segundo dados globais da Visa.
A biometria, de uma forma geral, é considerada uma medida eficaz para combater fraudes na indústria de pagamentos e reduzir perdas financeiras para clientes e bancos.
A autenticação por impressão digital, por exemplo, já consegue barrar entre 70% e 80% das tentativas de fraude possíveis no setor financeiro. “Nos bancos de varejo, de uma forma geral, diria que estamos mais próximos dos 80%”, diz Volpini, da FEBRABAN.
O executivo compara a evolução da biometria ao avanço nas tecnologias de um método de segurança bem mais simples: a chave. “Você tem diferentes tipos chaves (biometria), desde aquela antiga, de uma caixinha de música, até uma chave tetra, que hoje seria a biometria por fingerprint”, afirma. “Diria que o reconhecimento facial é uma chave que está além da tetra, é ainda mais segura; mas ainda estamos em busca (de aperfeiçoamento, no setor financeiro)”, explica Volpini.
A adoção de novas tecnologias também é estimulada pelo ambiente mais atento em relação às fraudes, que impulsiona o desenvolvimento de novas tecnologias, inclusive as soluções de biometria facial. “Temos no Brasil um nível de conhecimento sobre a fraude e uma necessidade de tecnologia que desenvolve muito as soluções, justamente porque é necessário proteger mais o cliente”, completa Volpini.
A Stefanini Rafael, empresa que surgiu da coligação da Stefanini com a Rafael, da área de soluções avançadas de Inteligência e deCyber Defense (tecnologias militares adaptadas à área civil), já testa com três bancos uma solução apresentada durante o Ciab FEBRABAN deste ano de reconhecimento facial.
“É uma solução com grande nível de precisão e que considera a identificação facial analisando até os vasos sanguíneos dos olhos”, diz Breno Barros, diretor de Inovação & Negócio Digital da Stefanini.
Continue a leitura direto no site da Revista Febraban | Edição 71
Combate sem trégua às fraudes eletrônicas
Entre as novas tecnologias na mira do setor bancário para os próximos anos, a biometria tem posição de destaque.