Entrevistamos Célio Ribeiro, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia em Identificação Digital sobre a iniciativa do Governo em unificar documentos em base digital
CRYPTO ID: Você é com certeza uma das pessoas que mais ativamente participa dos projetos de identificação no Brasil. Vem acompanhando e colaborando há mais de 20 anos com o tema. Tem sido crítico de projetos recentes, por entender que estavam desvirtuando o tema. Ontem, 14 de janeiro, membros do governo federal se reuniram e decidiram retomar a criação de uma base digital que unifique os documentos. O que você acha desse momento? Agora vai?
CÉLIO RIBEIRO: São mais de vinte anos de trabalho, dedicação, empolgação e frustração. Mas, mais que tudo, de esperança. De crença que em algum momento as pessoas certas estariam nos lugares certos. Respondendo a sua pergunta, sim, acho que esse é o momento. Momento único, como chamei em artigo publicado há um ano atrás, em 09 de fevereiro de 2018, o qual sugiro a leitura, e que afirmo que tal momento é agora.
CRYPTO ID: E por que você acha que agora vai?
CÉLIO RIBEIRO: Eu acredito que agora existe o entendimento da abrangência da importância de uma identificação segura. Se enxergou que não estamos falando simplesmente de um objeto para mostrar quem você é. Estamos falando de um sistema de identificação capaz de evitar fraudes de bilhões. De economizar milhões em benefícios sociais para quem não deve receber. De evitar o uso de contas fantasmas e de laranjas. De acabar com a imoralidade de falsos eleitores elegendo políticos corruptos. De dar fim a criminosos se valendo de múltiplas identidades para se esquivar de suas penas ou circularem livremente com outros nomes. E claro, dar segurança, cidadania aos brasileiros de bem.
CRYPTO ID: E por que você acha que agora o entendimento é esse?
CÉLIO RIBEIRO: Por um motivo simples. Pela retomada do poder. Pela demonstração efetiva de que esse é um projeto de Estado, um projeto de governo. Repare, uma reunião com quatro dos mais importantes ministros do executivo. Para mim, ficou claro que outros entes podem e devem participar, mas o assunto é de responsabilidade do governo federal, do poder executivo.
CRYPTO ID: E o que muda com isso?
CÉLIO RIBEIRO: A primeira coisa que muda é a legitimidade. A identificação é competência e responsabilidade do Poder executivo. Seja em nível federal, através do Ministério da Justiça e Segurança pública, seja em nível das unidades da federação, onde compete aos Órgãos de identificação dos estados. No âmbito do executivo federal, deve-se unir forças, entre os Ministérios, para fazer com que o projeto se efetive. Daí a importância da presença inicial de quatro importantes ministros nessa primeira reunião.
CRYPTO ID: Qual sua visão sobre esse Grupo de Trabalho formado?
CÉLIO RIBEIRO: Um projeto dessa importância precisa de fortes alicerces. Isso não é um projeto político. Isso é um projeto de governo, de Estado. A presença desses 4 Ministros demonstra exatamente esses alicerces: A Secretaria Geral da Presidência da República demonstra a efetiva participação do Comandante da nação, da presidência da República. O Ministério da Justiça representa a responsabilidade e legitimidade para conduzir tecnicamente o processo. O Ministério da Ciência e Tecnologia, representa a modernização do processo, e o Ministério da Economia dá o aval e demonstra a necessidade da implantação como uma forma de diminuir despesas e gerar benefícios financeiros para o País.
CRYPTO ID: A presença do Ministério da Economia de forma efetiva, é uma surpresa?
CÉLIO RIBEIRO: Repare que já em seu discurso de posse, o Ministro Paulo Guedes citou o uso da “identidade digital”, como uma das importantes medidas para fazer frente as fraudes na Previdência. Repare na importância disso. Foi o Ministro da Economia falando, ou seja, a visão de que esse processo não é um custo para o Estado e sim um investimento em benefício do País e da sociedade como uma ferramenta para se economizar bilhões em fraude. Isso é o entendimento de algo que estamos pregando há anos. Existem estudos, que apontam que todo o projeto de identificação se paga com poucos meses de economia com as fraudes que serão extintas.
Esse trabalho conjunto é fundamental. Cada um sabe de sua competência e capacidade. É um Grupo de Trabalho. Trabalho em equipe em prol de algo maior.
CRYPTO ID: O Ministro da Ciência e Tecnologia mencionou o trabalho já feito anteriormente. Você acredita que muita coisa vai mudar?
CÉLIO RIBEIRO: O Ministro Pontes foi muito feliz em sua colocação ao mencionar que se deve utilizar o que já foi feito, mas melhorar o que se tem até agora. É assim que deve ser feito. Aproveitar o que presta e descartar o que não serve.
CRYPTO ID: Nesse foco, o que você considera que deve e não deve ser utilizado?
CÉLIO RIBEIRO: Considero fundamental, nesse momento, focar no conceito da solução de identificação. No processo como um todo. Estruturar o que realmente chamamos de identificação digital. Deve-se imediatamente suspender a eficácia do Decreto 9.278/18, que obriga a adoção dos padrões ali contidos a partir de março de 2019. Esse Decreto, em minha opinião, deve ser revisto. Existem carências técnicas e legais. Faltam especificações e regulamentação ao mesmo. Escrevi um artigo semana passada sobre isso. O texto deve ser submetido a quem realmente entende desse assunto. Ao meu ver devem ser ouvidos os técnicos da Polícia Federal, membros do Instituto Nacional de Criminalística – INC/DPF e do Instituto Nacional de Identificação – INI/DPF.
CRYPTO ID: Você falou sobre o que realmente chama de “identificação digital”. Pode esclarecer sobre isso?
CÉLIO RIBEIRO: Existe uma grande confusão que está sendo causada ao se falar sobre identificação. Talvez porque pessoas que não são efetivamente conhecedoras do tema, estavam a frente dos processos. Quando falamos do uso da identificação digital, estamos falando de um robusto processo que envolve várias soluções. Desde a captura de dados biográficos e biométricos, passando por sua verificação trazendo unicidade a mesma, sua conferência em bancos de dados biométricos, para ao final emitir um documento de identidade físico ao qual poderá ter vinculado um documento digital. O documento final é apenas uma parte desse grande processo. É aquilo que realmente se vê. Se toca, se porta. E por isso acaba tendo grande destaque. Mas para esse documento ser eficaz e seguro, toda a estrutura biométrica deve ser montada.
CRYPTO ID: Então vamos falar primeiro dessa estrutura biométrica. Ela já existe?
CÉLIO RIBEIRO: Esses bancos de dados biométricos vêm sendo desenvolvidos e formados há muitos anos. Algumas unidades da federação, acredito que algo em torno de doze das 27, possuem seus bancos de dados automatizados, modernos, através de seus órgãos de identificação. São em sua maioria de excelente qualidade, por ter as biometrias capturadas por profissionais técnicos especializados. A Policia Federal também possui o seu, há vários anos, com essa qualidade. O TSE iniciou a formação do seu banco de dados recentemente, e já possui muitas biometrias armazenadas. Nesse momento é necessário que o pessoal técnico da Polícia Federal possa ter acesso a todos esses bancos de dados biométricos, para verificar a qualidade e padrões utilizados. Não pode ter “caixa preta”. A partir de então, criar o barramento necessário para as conferências e integração dos mesmos.
CRYPTO ID: E quanto aos documentos?
CÉLIO RIBEIRO: Primeiro temos que entender o que são esses documentos. Temos os documentos físicos, que são as cédulas de identidade ou os cartões de identidade. Os documentos físicos podem ser emitidos em base de papel ou base plástica. Podem conter chip e nesse caso chamamos de documento eletrônico.
Esses documentos devem obrigatoriamente possuir especificações técnicas robustas. Itens de segurança de vários níveis. Devem obedecer padrões internacionais, dentre elas a norma ICAO.
Existem também os documentos digitais, que são aqueles utilizados, por exemplo, em smartphones. Esses documentos digitais, são derivados dos documentos físicos e a eles vinculados. Trata-se de uma tecnologia de uso recente e que está sendo aperfeiçoada e obtendo padronizações.
CRYPTO ID: Quanto a esses documentos, já existem modelos definidos?
CÉLIO RIBEIRO: Existiu um trabalho muito importante desenvolvido em conjunto por pessoal especializado da Polícia Federal, através do INC /DPF, do INI/DPF, do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI, com a participação do SERPRO, da Casa da Moeda do Brasil e da Indústria instalada no Brasil, de forma organizada, que criou o modelo do Cartão RIC. Esse modelo foi totalmente regulamentado pela Resolução no. 2/2011 do MJ. Existem, também, os modelos constantes do Decreto 9.278/18, os quais, ao que sei, não tiveram a contribuição ou embasamento dado pelas instituições técnicas da Polícia Federal. Independente dos modelos existentes, o que se deve agora, é analisar o que existe e atualizar tecnologicamente, e de acordo com as necessidades para sua utilização.
CRYPTO ID: E para finalizar, qual sua mensagem final?
CÉLIO RIBEIRO: Acredito que iremos em frente. A retomada desse projeto pelo executivo federal, contará com a colaboração de todos. Das unidades da federação, dos técnicos, da indústria e com certeza dos Poderes Legislativo e Judiciário, que nos limites de suas competências, irão embasar, contribuir e fortalecer esse processo de tamanha importância para o Brasil e para seu povo.
Sistemas de Identificação no Brasil – Momento Único
Paulo Guedes defende identidade digital como recurso ao combate as fraudes