No início de 2025, quando a Salesforce anunciou a demissão de cerca de 4 mil profissionais de atendimento ao cliente, o movimento foi apresentado como um passo natural da transformação digital.
Por Regina Tupinambá

À época, a liderança sustentou que sistemas de inteligência artificial permitiriam operar com mais eficiência, escala e menos pessoas. A mensagem era clara: a tecnologia havia amadurecido o suficiente para substituir o trabalho humano em larga escala.
Meses depois, o discurso mudou
Ainda no final de 2025, a própria Salesforce passou a reconhecer publicamente que foi “confiante demais”. Os sistemas automatizados falharam justamente onde o atendimento deixa de ser processo e passa a ser relação: lidar com exceções, interpretar contextos ambíguos, resolver situações críticas e construir confiança.
O efeito foi imediato e mensurável: queda na qualidade do serviço, aumento de reclamações e a necessidade de reintroduzir supervisão humana contínua, elevando a carga de trabalho das equipes remanescentes.
Esse reconhecimento não é trivial. Ele marca uma mudança temporal importante no debate sobre IA. Saímos do entusiasmo inicial, passamos pela fase de implementação acelerada e chegamos ao momento da cobrança — quando os impactos reais começam a aparecer.
Agora, esse mesmo ciclo começa a se repetir no marketing
O arrependimento público da Salesforce após substituir milhares de profissionais por sistemas de IA não é um caso isolado.
Ele dialoga diretamente com outro movimento que ganha força nos bastidores das grandes corporações: a pressão crescente sobre as áreas de marketing e comunicação para justificar investimentos em inteligência artificial com cortes reais de custos — e, principalmente, de pessoas.
Dados recentes mostram que quase metade dos executivos de marketing de grandes empresas já espera demissões nos próximos meses, impulsionadas pela promessa de eficiência da IA.
O discurso se repete: automatizar, escalar, reduzir. Mas a pergunta que começa a ecoar no mercado é incômoda e necessária: não estaremos diante de mais um tiro no pé?
Eficiência sem encantamento não constrói marca
O marketing corporativo parece reviver um erro clássico: confundir eficiência operacional com construção de valor. Assim como no atendimento ao cliente da Salesforce, a automação avança bem sobre tarefas repetitivas, análises quantitativas e produção em volume. O problema surge quando essa lógica é aplicada indistintamente a atividades cujo núcleo não é eficiência, mas significado, emoção e conexão humana.
E aqui o mercado costuma cometer uma simplificação perigosa: colocar tudo no mesmo saco.
Marketing, comunicação e publicidade não são a mesma coisa — embora se complementem.
De forma simplificada, mas honesta:
Profissionais de marketing, em sua maioria, têm formação mais próxima da administração. Estudam mercado, comportamento do consumidor, dados, pricing, canais, ROI, funil e estratégia de crescimento.
Profissionais de publicidade e comunicação são os responsáveis por traduzir essa estratégia em narrativa, linguagem, imagem e emoção. São eles que encantam, provocam, criam símbolos culturais e constroem memória de marca.
Quando empresas substituem indiscriminadamente equipes criativas por IA generativa, partem do pressuposto de que criar é apenas combinar palavras, imagens ou vídeos. Não é. Criar é interpretar o espírito do tempo, ler tensões sociais, captar sentimentos difusos e transformá-los em histórias que fazem sentido para pessoas reais.
As IAs estão preparadas para emocionar?
A pergunta central não é se a IA consegue gerar peças publicitárias. Ela consegue — e cada vez melhor. A pergunta correta é outra: ela está preparada para gerar publicidade que emociona, que cria pertencimento e que permanece na memória coletiva?
As campanhas mais marcantes do último ano ajudam a responder.
Mesmo em um cenário altamente tecnológico, as ações que mais mobilizaram o público tiveram algo em comum: humanidade explícita.
Campanhas que falaram sobre autoestima, inclusão, superação, pertencimento ou identidade — muitas vezes com narrativas imperfeitas, silenciosas ou emocionalmente desconfortáveis — seguiram sendo as mais lembradas. Não porque eram tecnicamente impecáveis, mas porque tocaram em experiências humanas profundas.
Essas campanhas não nasceram de prompts bem escritos, mas de escuta, repertório cultural, vivência e sensibilidade. Elementos que, até aqui, nenhuma IA demonstrou possuir de forma autônoma.
O mesmo erro, agora no marketing?
O movimento descrito em um artigo recente do Wall Street Journal lembra, em muitos aspectos, o caso Salesforce.
A artigo conta que executivos pressionados por promessas de economia precisam “fazer a conta fechar”. A IA vira o argumento técnico para decisões que, no fundo, são financeiras. O risco é repetir o ciclo: cortar pessoas, perder qualidade, comprometer a relação com o público e depois gastar ainda mais para reparar danos invisíveis no curto prazo.
Não é coincidência que muitas empresas estejam reduzindo agências, eliminando redatores, produtores de vídeo e criativos — justamente os profissionais responsáveis por diferenciar marcas em mercados saturados.
O resultado pode ser um oceano de conteúdos corretos, eficientes e… indiferentes.
IA como apoio, não como substituição
Assim como no campo da confiança digital, da identidade e da segurança, o marketing vive um ponto de inflexão semelhante. Automatizar sem governança, sem critério e sem clareza sobre o papel humano enfraquece o próprio objetivo da transformação. A IA é extraordinária para apoiar:
análise de dados, personalização em escala, testes A/B, otimização de mídia, ganho de produtividade operacional. Mas a decisão criativa, o olhar simbólico e a responsabilidade emocional continuam sendo humanas.
No fim, a reflexão que fica é a mesma para tecnologia ou comunicação: não se constrói confiança — nem marca — apenas com eficiência.
Empresas que tratarem a criatividade como custo tendem a descobrir, tarde demais, que ela era um ativo estratégico. E, como já mostrou a Salesforce, quando essa conta chega, o valor perdido costuma ser maior do que a economia prometida.

REGINA TUPINAMBÁ | CCO – Chief Content Officer – Crypto ID. Publicitária formada pela PUC Rio. Como publicitária atuou em empresas nacionais e internacionais atendendo marcas de grande renome. Em 1999, migrou sua atuação para empresas do universo de segurança digital onde passou ser a principal executiva das áreas comercial e marketing em uma Autoridade Certificadora Brasileira. Acompanhou a criação da AC Raiz da ICP-Brasil e participou diretamente da implementação e homologação de inúmeras Autoridades Certificadoras. Foi, também, responsável pelo desenvolvimento do mercado de SSL no Brasil. É CEO da Insania Publicidade e como CCO do Portal Crypto ID dirige a área de conteúdo do Portal desde 2014. Acesse seu LinkedIn.
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