A natureza escassa dos NFTs resulta em um senso de comunidade, isso porque sua aquisição funciona como uma “identificação premium”
Por Ruy Fortini
Cada inovação tecnológica que surge é acompanhada com curiosidade e, ironicamente, com ceticismo. Tal comportamento não é novo e no decorrer da história já teve quem olhou com descaso para o automóvel, que não visse futuro para os celulares e sentenciasse um fim fracassado para as televisões. Esses apontamentos podem soar um pouco absurdos agora, mas hoje, há quem olhe com incredulidade para tendências como a web3, metaverso e NFT, por exemplo. De mãos dadas à descrença, há a clássica preocupação com as interações humanas, sobre como a frieza dos códigos binários substituirá as experiências do mundo real.
Enquanto há quem argumente que a tecnologia torna as pessoas mais distantes, individualistas e frias, penso que a inovação tem o potencial de fazer justamente o contrário. Claro que o surgimento de novas tecnologias requer senso crítico e responsabilidade, mas gosto de olhar o copo meio cheio, de ver as possibilidades que podemos criar com tais ferramentas. E as aplicações são muitas, nas mais diversas áreas. Pensemos no terceiro setor, por exemplo.
Hoje, é possível conhecer causas e instituições do mundo todo, é viável reunir assinaturas de todos os continentes e eleger voluntários de hemisférios opostos. A conectividade e o ativismo online já são uma realidade, mas agora estamos diante de uma nova tecnologia: o NFT. Apesar do conceito ser bem recente, muitas organizações filantrópicas já estão se beneficiando com as vantagens dos NFTs. E o mais curioso é que essa tendência tem relação com um conceito quase antropológico da humanidade: a necessidade de fazer parte de uma comunidade.
Somos animais sociáveis e o pertencimento aos nichos e grupos é muito importante para nós. Curiosamente, a natureza escassa dos NFTs resulta em um senso de comunidade, isso porque a aquisição de um token não-fungível funciona como uma “identificação premium”, uma distinção que indica que aquele indivíduo pertence a um grupo seleto.
Tal engajamento já vem sendo usado por marcas, mas também pode ser de bom uso para instituições. Imagine a possibilidade de criar comunidades engajadas e ativas em determinadas, ou até em todas, causas sociais? A oportunidade de que as pessoas usem os seus tokens para participarem ativamente de ONGs e opinarem sobre o uso de verbas e novos projetos? A viabilidade de mobilizar até mesmo empresas e personalidades como embaixadores?
Hoje, milhões de dólares já foram destinados para doação através da venda de NFTs beneficentes. No Brasil, tal movimento ainda é muito recente e os principais cases até o momento são os projetos Cachorro Caramelo e Impact Women NFT, por exemplo.
Ao pensar no futuro, ouso teorizar que é uma questão de tempo para que a cultura de doação seja “atualizada”, não só pelas novas possibilidades de suporte tecnológico, mas também por causa das novas gerações de doadores. Segundo a edição mais recente do estudo “Um Retrato da Doação no Brasil”, os adultos mais jovens são os mais propensos a acreditar no impacto positivo das organizações da sociedade civil (OSCs); juventude essa que está familiarizada a doar em vaquinhas online, por PIX e até QR codes, formatos impulsionados pelas transmissões de lives na pandemia; não tardará muito para se acostumarem com a filantropia de NFTs.
Sendo assim, reconheço que ainda estamos em um período experimental de tal tecnologia (no momento empírico de testar, errar e acertar), mas é inegável a importância da aproximação entre a cultura de inovação e a filantropia. Acredito que, em tal mistura, há muito o explorar, agregar e otimizar; as duas áreas podem mutuamente se ajudar e melhorar. Na equação, todos saem ganhando: a tecnologia se torna mais democrática e inclusiva enquanto o terceiro setor potencializa sua eficiência e capilaridade.
Sobre o autor
Ruy Fortini é fundador e CEO da Doare, fintech de doações online que oferece soluções para organizações filantrópicas. Formado em Administração pela PUC do Rio de Janeiro, o executivo já passou por empresas como Outra Coisa e Sirius Interativa. Além disso, antes de criar a Doare, o empreendedor fundou a Thinkr e a Riobuzz Produções. Com tais experiências no currículo, Ruy foi um dos mentores do Desafio Brasil SEBRAE, em 2013.
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