Desde 2000, todos os brasileiros votam em urnas eletrônicas, mas por falta de recursos, as eleições municipais de 2016 serão manuais e não com voto eletrônico.
A informação de que o contingenciamento de gastos impedirá a realização das eleições por meio eletrônico foi publicada no Diário Oficial da União dia 30 de novembro.
Por meio de nota, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que mais de R$ 428 milhões deixarão de ser repassados para a Justiça Eleitoral, “o que prejudica a compra e manutenção de equipamentos necessários para as eleições de 2016”.
“O impacto maior reflete no processo de aquisição de urnas eletrônicas, com licitação já em curso e imprescindível contratação até o fim do mês de dezembro, com o comprometimento de uma despesa estimada em Duzentos milões de reais”, acrescentou a nota do TSE.
Segundo o TSE, a demora ou a não conclusão do procedimento licitatório causará “dano irreversível e irreparável” à Justiça Eleitoral, já que as urnas que estão sendo licitadas têm prazo certo para que estejam em produção nos cartórios eleitorais.
“O contingenciamento imposto à Justiça Eleitoral inviabilizará as eleições de 2016 por meio eletrônico”, diz o texto da Portaria Conjunta número 3, assinada pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandosvki; do Tribunal Superior Eleitoral, Dias Toffoli; do Tribunal Superior do Trabalho, Antonio José de Barros Levenhagen; do Superior Tribunal Militar, William de Oliveira Barros; do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Getúlio de Moraes Olveira; e pela presidenta em exercício do Superior Tribunal de Justiça, Laurita Vaz.
De acordo com a portaria, os órgãos do Poder Judiciário da União sofreram contingenciamento de R$ 1,74 bilhão.
O anúncio de que as eleições não serão feitas por urnas eletrônicas em 2016 tem causado furor nas redes sociais desde o anúncio dia 30. O termo “Eleições 2016” foi um dos assuntos mais comentados, alcançando os Trending Topics do Twitter nesta tarde.
E o que dizem os especialista em Segurança da Informação?
Vitória do voto impresso não exclui a necessidade urgente de implantação da biometria
A nova exigência do voto impresso no sistema eleitoral eletrônico, que passa a valer a partir de 2018, representará um avanço para a confiabilidade do processo, em termos de rastreabilidade, mas não exclui a necessidade de se implantar o tão adiado sistema biométrico.
Esta avaliação é do especialista em segurança da informação Rodrigo Fragola, que há vários anos vem defendendo o aprimoramento do modelo de urnas digitais nos fóruns de discussão do setor de segurança.
Rodrigo Fragola lembra que a inclusão da biometria – anunciada com alarde em 2006 pelas autoridades – vem sendo continuamente adiada sem uma justificativa clara.
[blockquote style=”2″]“Depois da euforia inicial, ao primeiro sinal de problemas (como o aumento das filas e falhas de operação pelos mesários), a perspectiva de adoção da biometria ganhou subitamente o status de um eterno teste de campo, sem a devida escala”.[/blockquote]
Na visão do executivo, a confiabilidade eleitoral exige que o modelo eletrônico ofereça não apenas a auditoria técnica, através dos códigos digitais armazenados na urna e transferidos para o computador do TSE.
[blockquote style=”2″]É preciso que haja elementos físicos relacionados ao voto, passíveis de serem conferidos por qualquer cidadão comum, e é aí que entram o registro biométrico e a impressão do voto”, assinala.[/blockquote]
A opinião de Fragola é compartilhada por outros especialistas, como o advogado Adriano Mendes, do Escritório Assis e Mendes, para quem tanto a adoção da biometria quanto a do voto impresso ajuda a fortalecer a confiabilidade da votação, embora necessite ser analisada com o máximo cuidado, em função de novos riscos que agrega ao lado dos pontos positivos.
[blockquote style=”2″]As autoridades brasileiras ainda precisam mostrar como garantir a privacidade e uso legalmente restrito da identificação biométrica do cidadão. Também há várias vulnerabilidades técnicas a serem resolvidas para se garantir a inviolabilidade desse sistema, mas o reforço na identificação do eleitor, em tese, traz bons benefícios”, explica o advogado.[/blockquote]
Além de reforçar a necessidade de se estabelecer uma agenda clara para a discussão e a adoção da identificação biométrica de todos os eleitores, Adriano Mendes chama a atenção para o risco, ainda existente, de algum retrocesso legal referente à impressão do voto. Segundo ele, mesmo após a vitória do novo modelo no congresso (por 56 votos a cinco no Senado e por 360 a 50 na Câmara), é possível que venham ocorrer ações para a reversão da exigência junto ao STF, o que mantém a questão sob suspense.
Novo Voto de Cabresto é “Lenda Urbana”
De acordo com o professor de computação da Unicamp, Diego Aranha, a forte resistência à impressão do voto acontece, em parte, devido a um índice baixo de informação ao público sobre o funcionamento do sistema. Alimenta-se, segundo ele, a “lenda urbana” de que a impressão possa representar o retorno ao voto de cabresto.
[blockquote style=”2″]Esta é uma hipótese descartada, já que, no modelo a ser usado no Brasil, o eleitor apenas confere a versão em papel do seu voto, através de um visor transparente, e este segue por meio mecânico para uma urna física, sem qualquer contato manual”, comenta Aranha.[/blockquote]
O professor acrescenta ser necessário também combater a crença – incentivada até pelas autoridades – na dita “inexpugnabilidade” da atual urna eletrônica brasileira. Ele menciona, a propósito, as diversas provas de campo que já demonstraram ser possível identificar o elo entre o eleitor e seu voto, a partir da comparação de sequências do mapa de votação com os registros eletrônicos da urna.
De fato, em testes públicos de segurança realizados sobre a urna atual – e nos quais o professor Aranha teve participação direta como representante da UnB em 2012 – esta possibilidade de vinculação do voto ao eleitor ficou amplamente comprovada, ao lado de várias outras vulnerabilidades da urna eletrônica.
Entre estas, está a utilização de uma única chave criptográfica para a cifração de todas as urnas (o que é comparado pelo relatório do teste com a aplicação de uma única chave mestra para os mais de 500 mil “cadeados”, que seriam as urnas do TCE).
O relatório cita ainda o uso de algoritmos obsoletos – já não recomendados para uso há pelo menos seis anos – e uma abordagem de segurança quase que exclusivamente focada na proteção contra atacantes externos, o que deixa as urnas atuais muito suscetíveis à violação por funcionários do TSE ou pessoas terceirizadas com acesso direto ao software ou aos equipamentos.
Caso venha realmente a se confirmar, a aplicação do voto impresso trará a oportunidade para a revisão de toda a estrutura de lastro do processo de votação, sem que seja necessário jogar o legado tecnológico para a obsolescência. A impressão irá garantir, além disso, um nível de confiabilidade incomensuravelmente maior para o processo eleitoral brasileiro, ao ampliar a rastreabilidade.
Adicionalmente, poderá abrir a possibilidade de uma contingência na apuração, em casos de extravio do arquivo eletrônico do voto.
Na visão do advogado Adriano Mendes, a combinação de voto eletrônico, biometria e registro impresso levará mais segurança ao cidadão e, em última instância, ajudará a melhorar o quadro atual de descrédito em relação à classe política.
[blockquote style=”2″]“Sem dúvida, a forma híbrida, e com mais instrumentos de checagem, é a mais equânime e de melhores resultados. Cabe à sociedade debater os pontos vulneráveis, para que eles sejam devidamente cercados, e definir um marco regulatório compatível com o emprego desses novos modelos”, assinala Adriano Mendes.[/blockquote]
Rodrigo Fragola pondera que a identificação biométrica não exige necessariamente o emprego da biometria eletrônica. Ele cita exemplos de países como o Paraguai, o Chile e a Venezuela, onde a simples tomada da digital por carimbo químico (que identifica o indivíduo e cria uma mancha de difícil remoção em seu dedo no dia da eleição) tem sido suficiente para garantir maior fidelidade ao princípio “um eleitor, um voto”.
[blockquote style=”2″]É claro que a biometria inteligente se coaduna muito melhor com os padrões de rastreabilidade do modelo eletrônico+impresso, mas a prioridade do TSE deveria ser a de não depender exclusivamente de um registro convencional em papel, como o Título de Eleitor ou a Identidade. Afinal, trata-se de um documento lastreado exclusivamente em uma tomada fotográfica bastante fácil de ser fraudada e, quase sempre, distante da realidade física atual do portador”, completa Fragola.[/blockquote]
Rodrigo Fragola preside a Aker Security Solutions, uma das primeiras empresas em segurança da informação com tecnologia brasileira, fundada em 1997 e participa de diversos órgãos da comunidade digital, sendo também Vice-presidente de Segurança do Sinfor (Sindicato da Indústria da Informação do DF) e Diretor Adjunto de Segurança e Defesa da Associação Brasileira de Software (Assespro-DF).
Diego Aranha é professor doutor do Instituto de Computação da Unicamp e um dos mais ativos críticos do sistema de votação em uso no Brasil.
O advogado Adriano Mendes é especialista em direito digital, atuando também em fusões & aquisições e consultoria tributária. Foi professor de Ética, Direito e Legislação e atualmente é membro efetivo da Comissão de Ciência e Tecnologia da OAB/SP.