Por Cristina De Luca
Programadores de Blockchain já aparecem em segundo lugar entre os 20 profissionais, cuja procura mais cresceu em 2017 nos EUA.
Só perdem para os profissionais de robótica, segundo dados da Upwork. Os postos de trabalho anunciados para trabalhadores com essas competências mais do que duplicaram este ano. Compreensível. Blockchain é o assunto mais quente do ano, com potencial disruptivo em todos os setores da economia. E não há exagero nessa afirmação.
Perdi as contas da quantidade de eventos realizados nos últimos três meses nos quais o tema esteve presente, com sessões lotadas. Usada para garantir transações confiáveis e seguras, a tecnologia por trás do Blockchain vem revolucionando processos em todas as áreas de negócios em que haja qualquer tipo de transferência de ativos tangíveis ou intangíveis, e promovendo uma nova geração de aplicações suportadas por redes. A Internet inclusive. E eu diria até que principalmente.
Don Tapscott, autor do livro “Blockchain Revolution”, considera o protocolo Blockchain tão revolucionário quanto o TCP-IP, sobre o qual a Internet foi construída.Conversando recentemente com Tadao Takahashi, fundador da RNP, recém eleito para o Hall da Fama da Internet, ouvi dele que, de certa forma, Tapscott tem razão. “Em termos de potencial de distribuição na arquitetura de rede, sim, os dois protocolos se equiparam”, disse Tadao. “Mas para que o Blackchain seja realmente algo revolucionário, será preciso promovê-lo com mais energia”, completou. Principalmente para assegurar que também seja desenvolvido por comunidades abertas e mantidas como um projeto open source, descentralizado, transparente e auditável, e não apenas pelo setor privado, como vem acontecendo até agora.
“Assim como protocolos que permitiram a criação da internet como a conhecemos hoje, como o TCP/IP, a Blockchain é também uma tecnologia livre e aberta, que não pertence a ninguém nem foi patenteada por seus criadores”, escreveu recentemente Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Infelizmente, boa parte das implementações de Blockchain que estamos vendo surgir atualmente não estão sendo criadas em cima de uma rede pública, mas em cima de várias redes privadas. Aproveitando a analogia do TCP-IP, é como se estivéssemos criando várias intranets, em diferentes áreas _ como medicina, agronegócios, finanças, seguros, varejo, governo, etc _ com ou sem nenhuma interligação com a rede pública, a internet. E ainda falta consenso sobre qual deverá ser a grande rede Blockchain pública. Até aqui, a rede aberta Ethereum foi a que mais se aproximou dessa possibilidade.
Particularmente, penso no Blockchain como uma estrutura distribuída que garante veracidade e integridade para registros de transações e informações transmitidos através dela. E que, por isso mesmo, oferece a possibilidade de dispensar intermediários em uma cadeia de valor, simplesmente porque ela torna possível estabelecer consenso em uma rede distribuída sem a necessidade de haver um centralizador. Ou seja, na prática, torna possível saber que um bem que estou comprando é realmente da pessoa que está me vendendo, sem a necessidade de um cartório para intermediar a transação.
A arquitetura de uma rede Blockchain pode se prestar a aplicações ser C2C, como a da rede que suporta o bitcoin, e também B2C ou B2B, conforme explica Bernardo Madeira, da SmartChains. Hoje, vemos muitas aplicações B2B surgindo na economia, em um modelo também e conhecido como “Blockchain permissionado”. Um bom exemplo é uma rede de comercio privada (ou permissionada), na qual os participantes (empresas, sistemas, objetos (IoT), áreas, processos ou até pessoas) se “conhecem”. “O conceito de se conhecer se refere a que o participante e registrado dentro da rede que certifica, identifica, garante a privacidade e a aditabilidade de membro”, explica Madeira.
Já a arquitetura B2C permite transacionar bens de um participante fonte para muitos destinatários. “Aqui Blockchain pode trabalhar no background, podendo se conectando a aplicações consumidas por usuários ou empresas conectadas ao fornecedor. Blockchain poderá ser parte de uma aplicação mobile, um componente dentro de uma aplicação client /server ou até registrando transações provenientes de um browser”, diz Madeira.
Em todos esses casos, o código do Blockchain é apenas uma ferramenta. Para que alcance sua promessa de revolucionar a Internet, como preconiza Don Tapscott, realmente será necessário que todos os agentes que hoje suportam hoje o funcionamento da Internet se reúnam e trabalhem na direção de estabelecer uma governança para uma rede pública, e não regulada. Se partirmos para a regulação da tecnologia estaremos matando 80% de seu potencial. A regulação deveria vir a posteriori e para aplicações específicas. Isso foi praticamente um consenso entre os participantes do debate “Usos e desafios das tecnologias Blockchain“, realizado durante o VII Fórum da Internet no Brasil semanas atrás.
Blockchain foi objeto de dois painéis de debate: além do já mencionado, também outro sobre “Blockchain para interesse público“. Falou-se muito sobre o uso de interesse público da tecnologia e o seu potencial para redefinir relações de confiança em qualquer ponto da sociedade, seja no governo, no setor privado, na academia ou no terceiro setor. Entre os participantes, o próprio Madeira e representantes do Ministério do Planejamento, do BNDES, do Banco do Brasil e da academia.
Entre os diversos assuntos comentados nesses painéis, vale destacar a prova de conceito feita pelo Ministério do Planejamento para gestão de identidade, com o objetivo de desburocratizar e minimizar o risco de fraude na prestação de serviço público. Permitir o estabelecimento identidades digitais online facilitará enormemente a ideia de governo eletrônico, mas também tem potencial para dar aos cidadãos poder total para a gestão de sua identidade e de seus dados pessoais.
Como o governo brasileiro tem encarado o Blockchain hoje?
Nesse momento, o governo brasileiro caracteriza o Blockchain como três coisas:
1 – Base para criação de criptomoedas, e portanto passível de regulação pelo Banco Central;
2 – Uma oferta inicial de moedas, do inglês Initial Coin Offering (ICO), e portanto passível de regulação pela Comissão de Valores Mobiliários;
3 – E um token para a implementação de um processo de negócio dentro de uma rede Blockchain (uma dessas intranets, segundo a analogia qua usei).
Não vi ninguém nessas mesas de debate, nem no governo brasileiro, tratando da possibilidade de existência de um Blockchain público, usado em todo o mundo, como é usado hoje o TCP-IP. Será que chegaremos lá?
Nem tampouco sobre iniciativas de regulação para outras aplicações, além do setor financeiro, como a área médica. Ou no campo dos contratos inteligentes, que talvez dispense uma regulação específica.
Madeira foi o único a falar sobre a necessidade de interoperabilidade entre os muitos Blockchains permissionados, por exemplo. Também acredita em um mundo no qual Blockchain e Internet das coisas sejam indissociáveis. Vale ler o artigo “Internet of Things & Blockchain – Inteligência e Comunicação para o Presente e o Futuro“.
Aplicações práticas
No Brasil, ainda são poucas as aplicações práticas da tecnologia. O aplicativo Mudamos, abordado por Gabriel Aleixo, do ITS-Rio, é um bom exemplo de uso público do Bloackchain. “O app é como se fosse a caneta que o cidadão pode usar digitalmente documentos de apoio a projetos de lei de iniciativa popular, oferecendo alguns dados pessoais que são necessários para construir a assinatura, como título de eleitor, CPF, etc, para que haja validade da assinatura do ponto de vista legal”, comenta. “E o Blockchain é uma peça pequena do Mudamos, usado só na camada de confiança, para armazenar todas as assinaturas em uma base de dados pública, acessível, transparente e imutável e permitir ao cidadão conferir que sua assinatura corresponde ao projeto que ele apoia”, completa o pesquisador. “Blockchain, nesse contexto, é uma forma de gravar as informações na pedra”, afirma Aleixo.
No BNDES, uma equipe do programa de open innovation do banco, o IdeaLab, estuda possibilidades de uso de Blackchain como forma de dar transparência para as ações da instituição e de implantação dos chamados contratos inteligentes, auto executáveis, como os de transferência de dinheiro. Uma prova de conceito de um crypto token foi apresentada aos superintendentes agora em novembro. Significa que nos próximos meses o BNDES estará testando essa aplicação do Blockchain, inicialmente para prover hpertransparência para os gastos do Fundo Amazônia, que destinará R$ 200 milhões para até cinco projetos de recuperação da cobertura vegetal na área da Amazônia Legal. O piloto de Blockchain precisa entregar algum resultado em até seis meses.
“A gente brinca no banco que Blockchain é uma megaonda, um tsunami, e a gente não uqre que ela quebre na nossa cabeça. Para isso, nós precisamos surfá-la. Nossas projeções é que 10% do PIB passarão por redes Blockchain em 2027”, comenta Vanessa Almeida, do BNDES.
A Welight é outro bom exemplo de Blockchain para uso social. Nascida em 2016, a startup cria soluções para que pessoas e empresas se tornem agentes de transformação, simplificando os meios para que apoiem financeiramente instituições com reconhecido trabalho social e ambiental. Os usuários escolhem as causas com que mais se identificam e passam a gerar doações para elas a partir de suas compras online. A plataforma direciona 15% do valor da compra para as organizações participantes, que por sua vez são auditadas pela Welight para saber se os recursos estão sendo bem investidos. As 30 instituições apoiadas hoje são avaliadas segundo critérios como grau de impacto, credibilidade, gestão e inovação. A empresa tem usado Blockchain para registrar todas as operações que passam pelos seus sistemas. E pretende usar a tecnologia também na medição do impacto das ações das ONGs apoiadas, de forma a dar mais transparência para todo o processo.
Fonte: Blog Porta 23
SOBRE A AUTORA
Cristina De Luca é jornalista especializada em ambiente de producão multiplataforma. Hoje trabalha como colunista de tecnologia da Rádio CBN e editor-at-large das publicacões do grupo IDG no Brasil. Foi diretora da área de conteúdo do portal Terra; editora-executiva da área de conteúdo da Globo.com; e editoras executiva da unidade de Novos Meios da Infoglobo, responsável pela criacão e implantacão do Globo Online. Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro, é ganhadora do Prêmio Comunique-se em 2005, 2010 e 2014 na categoria Jornalista de Tecnologia.
SOBRE O BLOG
Este blog, cujo nome faz referência à porta do protocolo Telnet, que é o protocolo de comunicação por texto sem criptografia, traz as informações mais relevantes sobre a economia digital.
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