O presente artigo aborda as questões sobre o monitoramento eletrônico, sobre o uso da tecnologia para controlar a sociedade
Por Elaine Cristina de Oliveira
DireitoNet
O presente artigo, baseado na obra do Professor Dr. Túlio Vianna ora denominada “A era do Controle: introdução crítica ao direito penal cibernético”, datada de 2004 dá ênfase ao tema aqui proposto, com o intuito de transcorrermos sobre o controle exercido pelo Estado na qual somos obrigados a aderi-lo, aos crimes cibernéticos e seu amparo por parte do Direito Penal Brasileiro.
Antes de entrarmos no tema a ser transcorrido, se faz necessário uma breve incursão sobre o advento da informática, pois no mundo cibernético criou-se a necessidade de repensar novos conceitos para o Direito, devido à desmaterialização deste ambiente digital ocorrido através dos meios eletrônicos, o que, comprometeu todo o sistema jurídico, acabando por introduzir várias novas terminologias que fazem parte deste habitat tecnológico.
Assim, mencionamos um rápido conceito do que vem a ser a Internet, trazido por Liliana Minardi Paesani, em sua obra intitulada – Direito e Internet: Liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2003, página 27.
Sob o ponto de vista técnico, a Internet é uma imensa rede que liga elevado número de computadores em todo o planeta. As ligações surgem de várias maneiras: redes telefônicas, cabos e satélites. Sua difusão é levemente semelhante à da rede telefônica. Existe, entretanto, uma radical diferença entre uma rede de computadores e uma rede telefônica: cada computador pode conter e fornecer, a pedido do usuário, uma infinidade de informações que dificilmente seriam obtidas por meio de telefonemas.
Com o advento da Internet, nossa relação com o universo cibernético fica mais propícia e mais frágil, pois o Estado é o detentor da máquina, na qual a usa de certa maneira para nos vigiarmos, vendendo a imagem de segurança e proteção a todos, mesmo que seja uma falsa proteção.
Nesse ínterim, podemos analisar que, quando deparamos com a alta tecnologia disponível aos nossos alcances, não avaliamos o que é ser controlado o tempo todo. Com o intuito de conforto e agilidade eis que surgem os aparatos informatizados para envolvermos com seus brilhos, com seus resultados online, com seu imediatismo, que na verdade nos deixam fascinados.
Não temos sequer a sensação de controle em que vivemos. A sensação de sermos cobaias e de deixarmos ser observados o tempo todo. Desde a nossa concepção ao nosso falecimento somos monitorados, ora vistos pelos olhos humanos, ora pelos olhos das máquinas.
Quando caminhamos pelas ruas, em especial nos grandes centros, lugares onde o fluxo de pessoas e a movimentação financeira é maior somos vigiados por câmeras de monitorações eletrônicas, pela concessionária de trânsito em parceria com a polícia militar, onde temos a sensação de proteção e segurança. Mas, até quando é permitido? Quem fiscaliza aqueles que cuidam das câmeras?
Esse meio de fiscalização, na América Latina, começou com circuitos internos de TV que eram instalados em metrôs ou em concentrações comerciais hoje estão espalhados por todos os lugares. O argumento principal dos defensores do longus oculus estatal é a ausência do direito à privacidade em locais públicos, pois, se alguém pode ser observado por outras tantas pessoas, não haveria por que ter qualquer expectativa de privacidade. A sensação até que pode existir, isso não é ilusão, mas a confrontação da visão eletrônica com a visão humana são de prismas distantes. A primeira é infinita vezes mais complexa do que à segunda. Com os olhos eletrônicos, podemos no meio de uma multidão separar por gêneros, classe, beleza e outros adjetivos a quem você gostaria de observar.
O voyeurismo é uma técnica de observação, porém, devido a sua comparação com o estereótipo sexual, chega ser banalizado e muitas das vezes criticado. Pessoas adeptas a “observar o outro” é tida como perversão, o que não chega a ser o foque deste artigo. Não aquele que observa, mas sim, a quem se observa, como se observa e quando se observa. Às vezes, um simples tropeço em praça pública poderá ser depositado na grande rede de computadores, sendo divulgados por centenas de pessoas em questões de minutos. E aquele que caiu, como fica? Estatelado no chão ou tem alguma esperança em reaver a sua imagem retocada por alguma indenização do Estado? Pois vejamos, partindo da premissa do olhar eletrônico, senão for devidamente usado, poderá ferir a imagem e a honra de alguém que poderá buscar um alívio nos cofres estatais.
Bem observado pelo Professor Túlio Vianna, assim escreve: “As câmeras certamente não filmarão somente crimes e cenas do cotidiano, mas principalmente greves, manifestações políticas e uma série de outras ameaças aos interesses de quem, mais tarde, terá a posse destas fitas e o poder de analisar e julgar as condutas filmadas. Daí para o controle ideológico e a repressão política sob o singelo pretexto de repressão da criminalidade não faltará muito”. (A era do Controle: introdução crítica ao direito penal cibernética , 2004).
A nossa proteção custa caro, chegamos a ponto de escondermos feitos criminosos, buscando a nossa segurança. Trancamos nossas casas, muramos nossas áreas, instalamos grades e câmeras em nossa propriedade tudo para obtermos a nossa tranqüilidade.
Vivenciamos o auge do panóptico cibernético como uma indiscutível ameaça aos direitos humanos, em confronto com o estabelecimento carcerário panóptico imaginado pelo pensador inglês Jeremy Bentham (1748-1832) que o concebeu como uma construção radial, com pavilhões a partir de um centro, comum, de onde se consegue o máximo de controle sobre toda atividade diária do indivíduo, com um mínimo de esforço. Um vigiando centenas de pessoas, bastando apenas um giro da cabeça.
Aproveitamos a oportunidade para explanarmos os breves comentários de Foucault:
‘Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independentemente daquele que o exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores ‘.
Observa-se, pois, que o valor a se pagar pela proteção estatal contra o crime será, em última análise, tornar os locais públicos, ônibus e metrôs um imenso cárcere, onde todos sejam suspeitos de atos criminosos que não ocorreram e, em contrapartida, eternos vigias de seus pensamentos, atos e passos.
Por esta linha de raciocínio, os avanços da informática, a despeito dos avanços tecnológicos alcançados, acarretou na construção de terreno fértil para a criação de condutas criminosas inéditas, somadas às já existentes e descritas no Código Penal Brasileiro. Assim, o computador e o software passaram a ser – ao mesmo tempo – alvo e instrumento da delinqüência cibernética.
Nada obstante a dificuldade de se legislar sobre o Direito Informático, e até mesmo de se interpretar a legislação existente acerca do assunto, sobretudo em razão do dinamismo e da constante mutação da tecnologia, resta-nos incontroverso que os sistemas informatizados, e em especial a internet, não são um território sem lei.
Ao contrário do senso comum, o Brasil possui arcabouço legal satisfatório – apesar de que ainda incompleto – para punir a lesão ou ameaça a direitos daqueles suscetíveis aos crimes cibernéticos, valendo dizer que o crime cibernético, aos olhos da lei criminal, não deixa de ser conduta típica, ilícita e punível, semelhante a todos os outros tipos penais já descritos em nosso ordenamento jurídico.
Aquele que tem sua imagem denegrida, sua intimidade atingida, ou ser vítima de ameaças tem todo o direito de procurar a justiça para ser socorrido e esta, o devido ato de amparar aquele que a necessita, seja qual for à forma de cometimento do crime cibernético, cabe ressaltar que a rapidez da vítima na busca pela atuação judicial ou administrativa competente, é providência que se impõe, na medida em que o desaparecimento dos vestígios da conduta delitiva, ou mesmo do próprio infrator, impossibilitando a apuração de responsabilidades, mostra-se como uma das características principais desta forma de infração à lei penal. Neste universo cibernético a rapidez é peça fundamental para ambos os lados, tanto do ofendido quanto ao ofensor. Há mutações tecnológicas diárias, ainda mais quando o universo em que elas ocorrem é abstrato, impalpável, porém, muitas vezes, verossímil. Assim, somos observados pelos “olhos vivos estatais” e possíveis vítimas de crimes cibernéticos.
Outra forma de sermos controlados é através da identificação biométrica, no qual diz respeito, à identificação é baseada em características únicas do indivíduo, seja através de sua íris, seja através de sua impressão digital. Esse meio de controle já é utilizado em grandes empresas, tendo a identificação por meio da irias como forma tranqüila de usuários do aeroporto de Amsterdã, e, teremos como novidade nas eleições de 2010, a identificação através da biometria digital, onde aproximadamente, um milhão de pessoas em diversas partes do território nacional usará desta forma para ser identificado na hora do pleito.
A identificação por meio da íris tem uma margem de erro mínima, praticamente desconsiderada em relação ao tradicional exame de DNA. Um método seguro, até então, impossível de ser hackeado, porém, para a mente humana, devemos ter cautelas, pois, conforme demonstrado no filme Minority Report (ano 2002), através de uma cirurgia que o personagem principal teve a órbita ocular transplantada, alterando assim suas íris, ele consegue fugir de uma perseguição policial, com sua possível captura. Até então, não temos notícias de ser possível este tipo de operação, somos sabedores dos transplantes de córneas, o que nem sequer chega a tocar na íris, afetando sua cor, seus traços, sua identidade.
Como sabemos, tudo que é feito para o bem, tem sua face para o mal. A agilidade na identificação por meio da biometria poderá ter seu uso de forma perverso da tecnologia, já que a mesma técnica que serve para verificar a identidade de um indivíduo também poderá ser usada para identificar uma infinidade de características físicas, sociais e econômicas relacionadas a ele.
Por exemplo, alguém que já tenha cometido um crime poderá ser facilmente identificado em um aeroporto, se o sistema de reconhecimento por meio da íris estiver interligado a um banco de dados em que constem os cadastros de todos aqueles que já sofreram uma condenação criminal.
Esse método seria totalmente estigmatizante, no qual só iria marginalizar aqueles que já são tidos como excluídos pela sociedade, em especial os egressos do sistema penitenciário no que dificultaria a sua reintegração ao convívio social e seu ingresso no mercado de trabalho, tendo seu passado exposto num banco de dados central, todas suas características pessoais através de m simples reconhecimento através de sua íris.
Com o método de segurança apresentado, penso que os beneficiados seriam as pessoas das classes média alta e alta, e como principal alvo de revistas por policiais, continuaria o mesmo grupo que se encontra hoje: os negros, os moradores de comunidades, os pobres… o que cairia no sistema lombrosiano de sempre: julgar os demais por suas características, imaginando o possível risco que devem trazer para a sociedade, e com isto, excomungá-los do convívio com a sociedade.
Por fim, trataremos do monitoramento eletrônico de condenados, que através de pulseiras eletrônicas e/ou braceletes que imitam um relógio, ambos controlados via satélite tem por finalidade “acompanhar” aquele condenado que estaria cumprindo sua pena no regime aberto.
Para tal escolha, a pessoa irá passar por acompanhamento de alguns profissionais na área forense, como assistente social, psicólogo, defensores dentre outros, que, conforme a triagem este seria avaliado e monitorado, tendo que cumprir o que manda o “contrato” ora firmado com o sistema, deixando de frequentar tais locais, a determinado horário e dia, por exemplo.
Um sistema que ao meu ver, de certa maneira rotula a pessoa, porém, em contrapartida, esvaziaria os presídios. O condenado que prefiro aqui denominá-lo de “o monitorado” se tentasse retirar o bracelete ou ir aos locais e horários proibidos estaria automaticamente cometendo uma falta, que receberia uma advertência e se permanecer, poderia até perder tal forma de cumprimento de pena e voltar para o sistema comum.
Independente de esvaziar os presídios, esta tecnologia parece ser um retrocesso, se comparado com a função do cárcere, à priori, pois sua principal função não é esvaziar somente o cárcere, mas sim, dar um senso de responsabilidade e autodisciplina ao condenado, o que confrontaria com a criminologia, pois um dos inconvenientes da pena é justamente não incentivar essa autodisciplina e essa responsabilidade por parte do condenado, sendo que, o condenado obtendo este controle por si só, este não seria submetido propriamente a um teste de bom comportamento, pois é a constante vigilância que irá impedi-lo de voltar a delinqüir e não a consciência de seguir um dever jurídico que o trará como se fosse um “Redentor”. Deixo claro que não objetivo generalizar a ninguém, mas, vemos que quando damos muitas condições favoráveis aos condenados, a maioria volta a cometer crimes pois não conseguem adequar ao sistema tido como certo.
A vida criminosa parece ser mais fácil, com resultados mais rápidos do que trabalhar honestamente e ganhar o pão com dignidade, apesar da demora, porém, uma velha frase tem razão: “O crime não compensa”.
É válido lembrar que de nada irá adiantar o rastreamento se o Estado não possibilitar ao condenado reais chances de reinserção na sociedade através do trabalho com remuneração digna, o que iria valorizar o lado pessoal e o lado profissional desta pessoa. As penas de prestação de serviços comunitários são superiores a quaisquer sistemas de monitoramento eletrônico, mas, infelizmente nem sempre é aplicada em virtude da gravidade do delito praticado e, nestes casos, inevitável ignorarmos que ser “rastreado” é infinitamente melhor do que a prisão, até mesmo o fato do condenado manter suas atividades cotidianas de trabalho e estudo, evitando assim o isolamento social, baixa na alta estima, sensação de inferioridade, casos de depressão, agressividade, desvio comportamental, ou seja, evitaria os resquícios do cárcere e nenhum benefício trazido de lá.
Assim como a prisão, o monitoramento eletrônico via satélite é uma medida extrema, pois a limitação da privacidade é, em última análise, uma forma de se controlar e limitar indiretamente a liberdade, só sendo aplicável por determinação judicial fundamentada, seja como prisão provisória ou como pena definitiva.
Entretanto, é válido frisar que todo sistema computacional está sujeito a fraudes e, portanto, é bem provável que surjam métodos para burlar o sistema de rastreamento.
Conclui-se que o presente estudo é válido na questão de analisarmos o atual cenário cibernético em que estamos vivendo. Desde “olhos eletrônicos” a guiar e vigiar nossos passos, passando por identificação biométrica, não obstando apenas as nossas digitais como forma de identificação, mas sim, através de nossas íris, tendo como prisma que “os olhos sãos as janelas da alma”, conduzindo assim, nosso cadastro interligado e online aos bancos de dados dos mais específicos registros, com dados pessoais, características físicas até chegarmos ao ponto de sermos monitorados e rastreados pelo sistema Estatal.
Uma vigilância permanente nos ronda, dando-nos a falsa sensação de proteção e segurança, sendo que no fundo, não passamos de meras cobaias daqueles que nos observam e somos verdadeiros expectadores quando temos o poder de vigiar e controlar os outros. O eterno jogo de “gato e rato”, pois se não estamos vigiando, com certeza estamos sendo vigiados, de onde menos esperamos, estamos sendo observados.
No mesmo modo que há crimes no plano real _ e continuará existindo_ há os crimes praticados no “ciberespaço”, local onde ocorrem os crimes cibernéticos ou digitais, sendo estes crimes praticados por meio de tecnologias avançadas, o que vem suscitar algumas fragilidades e avanços da sociedade da era digital diante deste conjunto de fenômenos. A humanidade está vivendo um período de transformação de uma sociedade industrial para uma sociedade da informação, basta adequarmos ao meio e o meio, adequar-se ao momento, desenvolvendo medidas para combater esses novos tipos criminais e manter a sua eterna, constante segurança e seu controle estatal. Parece estranho, mas não há como vivermos sem a segurança estatal, sem as leis, sem seus “olhos” sendo eletrônicos ou não. Seria utópico um mundo perfeito sem crimes, sem leis e sem vigilância.
REFERÊNCIAS
VIANNA, Túlio Lima. A era do Controle: introdução crítica ao direito penal cibernético. Direito e Justiça – Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Vol. XVIII, 2004, Tomo II.
PAESANI, Liliana Minardi: Direito e Internet: Liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2003.
BRASIL. Wikipédia – a enciclopédia livre. Minority Report . Disponível em: . Acesso em: 05 set. 2010.
FERREIRA, Poliana Aroeira Braga Duarte. Impugnação da exatidão do documento eletrônico diante da prova documental no direito brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2010. etronicodianteprova.pdf>.aoosgraduacao
Elaine Cristina de Oliveira, bacharela em Direito pela Faculdade Sudamérica. Pós graduanda em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG.
Fonte: DireitoNet
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