O artigo 107 do Código Civil afirma que “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”, portanto, será o Whatsapp apenas o instrumento de manifestação da vontade, problema surge quanto a demonstração inequívoca de sua autoria e autenticidade.
Por William Ramos
O contrato enquanto manifestação de vontade e como instrumento
É corriqueiro presumir que o contrato para ter valor jurídico careceria da assinatura de duas testemunhas, referindo-se, em verdade, ao título executivo consistente no “documento particular assinado pelo devedor e por 2 testemunhas”, previsto no inciso III, do artigo 784 do CPC, o que é um tremendo engano.
Inicialmente cumpre-nos fazer uma breve distinção entre contrato e instrumento contratual, pois não se confundem. Contrato é o encontro ou a manifestação de vontade. Ao passo que instrumento é meio físico onde contem esta manifestação de vontade, ou seja, é o meio pelo qual a parte irá comprovar aquilo que foi verbalizado.
Nomen iuris dos contratos
Nesse sentido, prescreve o artigo 107 do CC que “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir” que, cumulado com artigo 425 do mesmo diploma, onde prevê que “é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”, ratificam o princípio da liberdade contratual, que, em todo o caso, deverá ser exercida “nos limites da função social do contrato” (art. 421 CC).
Feita esta breve digressão, resta concluir que sim, os contratos celebrados via WhatsApp são válidos, na medida em que o contrato consiste na manifestação de vontades expressa de maneira livre e consciente pelas partes, funcionado o aplicativo WhatsApp apenas como instrumento ou meio físico hábil a comprovar aquilo que foi acordado.
Contudo, não se pode esquecer que embora seja válido o contrato celebrado via WhatsApp, este funcionará como mero instrumento de prova a ser utilizado, em caso de inadimplemento, em uma possível ação de conhecimento que discutirá a existência daquela relação negocial e as consequências decorrentes do inadimplemento.
Não estando incluso, destarte, no rol dos títulos executivos extrajudiciais previstos no artigo 784 do CPC, que pressupõe que o título consubstancia uma obrigação certa, líquida e exigível, prescindo, destarte de uma ação de cognição ampla, como a de conhecimento.
Por fim, por concebermos o contrato celebrado via WhatsApp como meio de prova hábil a comprovar a manifestação de vontade, cabe relembrar a regra do artigo 369 do CPC, segundo o qual “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”.
Da problemática
Assim, problema surge quando há impugnação quanto a autenticidade da prova, mais especificamente quando esta prova de diálogo se apresenta por meio de capturas de telas (print screens), pois ao efetuar uma captura de tela, obtém-se uma fotografia, que, a priori, é insuscetível de aferição de autenticidade, haja vista que impossível identificar a origem das mensagens (ausência de rastreabilidade).
O CPC de 2015 trata da matéria ao prever no artigo 422, §1º, que “as fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia.”
Assim, logo se vê a dificuldade de comprovar e garantir a autenticidade, integridade e a validade jurídica de uma captura de tela desconectada do meio físico donde foi produzida, até mesmo porquê a realização de perícia não seria nas fotografias apresentadas, mas sim no aparelho eletrônico que produziu a fotografia ou captura de tela.
Destarte, solução alternativa seria a apresentação das cópias, acompanhadas do respectivo aparelho eletrônico que gerou a imagem perante o escrivão judicial, que após conferir a autenticidade e integridade, conferiria fé pública a imagem, nos termos do artigo 424 do CPC, ou ainda, a produção prévia de uma ata notarial, ata lavrada por tabelião competente, nos termos do artigo 384 do CPC.
Documentos assinados eletronicamente
A possibilidade de assinatura eletrônica dos documentos não é tão recente assim, ela apareceu pela primeira vez em 24 de agosto de 2001, com a MP 2.200-2, de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicada pouco antes da publicação da emenda constitucional 32 de 11 de setembro de 2001 que tornou obrigatória a submissão das MPs à apreciação do CN sob pena perda sua eficácia por decurso de prazo.
A MP 2.200-2/01 instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, dispondo em seu artigo 10 que “consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta MP”, fixando em seu §1º, a presunção de veracidade das declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.
Contudo, a regulamentação da assinatura eletrônica ocorreu por meio da lei 14.063 de 23 de setembro de 2020, adotando-se como conceito de assinatura eletrônica “os dados em formato eletrônico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrônico e que são utilizados pelo signatário para assinar, observados os níveis de assinaturas apropriados para os atos previstos nesta lei”.
Segundo o artigo 4º da lei 14.063/20, as assinaturas eletrônicas são classificadas em: I – assinatura eletrônica simples; assinatura eletrônica avançada: a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento; e assinatura eletrônica qualificada: a que utiliza certificado digital, nos termos do § 1º do art. 10 da MP 2.200-2, de 24 de agosto de 2001.
Segundo o §1º do artigo 4º da referida Lei, esta classificação expressa “o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, e a assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade a partir de suas normas, de seus padrões e de seus procedimentos específicos.
Da inovação do CPC
Por fim, vale mencionar a “inovação” trazida pela lei 14.620/23, que introduziu no CPCl o §4º, ao artigo 784, segundo o qual: “Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura.”
O artigo 784 traz consigo um rol de documentos que foram eleitos pelo legislador como títulos executivos extrajudiciais. Com a adição do §4º ao artigo 784, o legislador optou por dispensar a presença de duas testemunhas como requisito de constituição do título executivo previsto no inciso III do referido artigo, qual seja, “o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas”.
William Ramos – Advogado sócio-funfador do Escritório Ramos & Valadão Sociedade de Advogados, Mestrando em Direito e que há 8 anos atua ajudando empresas a evitar riscos e reduzir as chances de perder dinheiro.
Fonte: Migalhas
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