Nossa experiência demonstra que, apesar dos desafios, assinar contratos e outros documentos utilizando assinatura digital é totalmente viável
Por Guilherme Silva Freitas, exclusivo para o CryptoID
Não é fácil inovar no mundo jurídico. As pessoas são exageradamente tradicionalistas, complexas e engravatadas, exatamente o oposto do ambiente digital. Apaixonado que sou pela inovação tecnológica, sempre acompanhei de perto os avanços que podem facilitar e desmistificar a atuação do advogado, especialmente no ambiente corporativo.
E foi a partir dos complexos fluxos de contratação estabelecidos nas grandes empresas que resolvemos implementar um processo inovador no departamento jurídico da FCA (Fiat Chrysler Brasil): contratos elaborados e assinados em ambiente 100% digital.
Inicialmente pensado para agilizar e dar mais segurança ao processo de contratação de serviços, o projeto ganhou força e visibilidade, tornando-se um exemplo de sustentabilidade e respeito aos recursos naturais, valores marcantes da FCA no mundo.
Mas não foi fácil. Durante o percurso é natural passar por certa resistência, alguns entraves tecnológicos e ajustes em normas internas. Após longos (porém gratificantes) dez meses de muito trabalho, finalmente alcançamos nosso primeiro objetivo: implementar um fluxo de assinaturas e emitir o primeiro contrato totalmente digital (sem utilização de papel e usando certificado digital ICP-Brasil).
Enquanto nos preparamos para os próximos desafios, organizamos abaixo algumas dicas para aqueles que pretendem implementar um sistema similar em seus respectivos ambientes de negócio.
-
Dê segurança à organização
Em processos disruptivos com uso de tecnologias inovadoras, segurança jurídica é fundamental. Gaste um tempo entendendo as principais áreas afetadas pelo projeto, envolva as pessoas e busque respostas eficazes e objetivas para as inseguranças que certamente vão surgir. Perguntas como “podemos usar o contrato digital numa eventual fiscalização do Ministério Público do Trabalho?” devem ser respondidas tecnicamente, dando o conforto necessário à organização.
Um bom caminho é treinar. Infelizmente as pessoas não sabem que o Brasil possui um ambiente jurídico muito seguro para a utilização de assinatura digital. E neste caso, a falta de conhecimento é fatal para um projeto tão inovador. Treine, engaje e lidere a mudança. Lembre-se que a grande maioria vai preferir a zona de conforto do velho “papel e caneta”.
Ao final do processo, busque uma legal opinion de um bom escritório especializado. Mesmo que você não a utilize, será fundamental neste processo de conforto.
-
Trabalhe com números
Não há dúvidas de que um processo eletrônico, sistêmico e totalmente digital será mais ágil e seguro que um fluxo normal que utiliza vias físicas, memorandos internos e cadernos de protocolo. Mas não se engane, esta premissa não será suficiente.
Trabalhe sempre com números e métricas. Calcule o tempo, o custo e as ineficiências que certamente encontrará em seu processo atual (“as is”) e compare com os ganhos que sua organização teria com o fluxo digital (“to be”). Não se apegue somente aos custos com impressões. Eles são muito importantes mas você ficará impressionado com as outras eficiências que podem ser geradas com a simplificação e a automação dos fluxos.
O primeiro “contrato 100% digital” da FCA foi assinado em apenas três dias (pelo departamento jurídico, testemunhas e procuradores).
-
Escolha bem seu parceiro tecnológico
Quando se desenvolve um processo inovador, é natural encontrarmos contratempos. Mas quando a lógica é mudar um conceito, uma forma de enxergar um processo, eventuais falhas ou incompatibilidade de sistemas podem ser fatais.
Já existem diversos players no mercado capazes de estruturar ferramentas para administrar o fluxo de gestão e assinatura de documentos digitalmente. Infelizmente, por se tratar de uma solução nova, ainda pouco utilizada pelas empresas, o contato nem sempre é rápido e eficaz.
Uma dica importante é iniciar as tratativas comerciais baseadas em premissas técnicas muito bem definidas e alinhadas. Avalie todos os aspectos e envolva as equipes de TI bem antes de nomear o fornecedor. Além de problemas simples como instalação de drivers e atualização de navegadores, podem surgir graves incompatibilidades técnicas relacionadas a normas internas de segurança da informação.
Somente contrate seu fornecedor se estiver tudo testado e validado tecnicamente. Teste, teste e teste. Não coloque a ferramenta no ar sem entender (e ajustar) todas as dificuldades do sistema. E lembre-se: a solução precisa ser mais amigável do que simplesmente assinar um papel utilizando caneta.
-
Envolva seus fornecedores
Os fornecedores envolvidos no fluxo precisam saber com antecedência que sua empresa está implantando um projeto de assinatura digital de contratos. Quando você estiver pronto para implementar a ferramenta, prepare um comunicado formal a todos os fornecedores, informando sobre o novo fluxo de assinaturas, as vantagens agregadas ao processo e, principalmente, os requisitos técnicos exigidos pelo sistema (drivers, navegadores, suporte técnico e etc…).
Uma vantagem da assinatura digital é que o sistema pode ser acessado por meio do e-CNPJ, certificado digital que toda pessoa jurídica regular no Brasil possui. Portanto, fique tranquilo, seu projeto não demandará gastos e grandes adaptações para que seus fornecedores possam assinar seus contratos digitalmente.
-
Estabeleça um foco
Durante o projeto de “digitalização” do fluxo de emissão e assinatura de contratos, será natural pensar em ganhos e eficiências geradas em outros processos que ainda utilizam papel. É normal, mas agregar todos eles certamente vai atrapalhar o seu desenvolvimento.
Defina, organize e desenvolva a assinatura de contratos como foco e monitore os demais fluxos impactados. Depois de concluir e implementar a ferramenta com sucesso, replique a lógica para outros processos, como emissão de notificações, procurações e atos societários. Pense várias vezes antes de usar papel novamente.
-
Seja persistente
Diante de tantos desafios você provavelmente vai pensar em desistir. Eu acredito que esta seja uma das principais razões (juntamente com a falta de conhecimento) pelas quais a utilização de assinatura digital de contratos seja ainda incipiente no Brasil, quase irrelevante, restrita principalmente a bancos e seguradoras. Muitos pensam em estruturar algo semelhante mas não concluem (ou sequer iniciam) depois de enfrentarem alguma resistência.
Nossa experiência demonstra que, apesar dos desafios, assinar contratos e outros documentos utilizando assinatura digital é totalmente viável (e seguro).
Então, mãos à obra e boa sorte!
Guilherme Freitas (@gfreitas22)
É apaixonado por tecnologia e inovação. Bacharel em Direito e especialista em Direito Tributário, atua desde 2006 em departamentos jurídicos de grandes corporações. Desde 2012 é responsável pela área de contratos da FCA (Fiat Chrysler Brasil), empresa que utiliza fluxo de assinatura digital de documentos.