CGI.br por Coriolano Almeida Camargo e Marcelo Crespo
A exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, a internet no Brasil também surgiu no meio acadêmico, quando na década de 1980 alguns pesquisadores brasileiros começaram a se organizar e interagir com o governo em busca da formação de uma rede que interligasse as universidades. Aliados a representantes da sociedade civil, demonstravam a necessidade de se conectarem por meio do protocolo TCP/IP.
Na prática, no entanto, a internet surgiu quando a Fundação de Pesquisas do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Laboratório Nacional de Computação Científica (unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação localizada no Rio de Janeiro) se ligaram a instituições de pesquisa nos Estados Unidos.
Não muito tempo depois o governo criou a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), que era ligada ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com o intuito de disseminar o uso da Internet para fins educacionais e sociais. Foi assim que surgiu o primeiro backbone brasileiro, isto é, a “espinha dorsal” que nada mais é que a rede principal pela qual os dados de todos os clientes da Internet passam.
Embora não haja números seguros, estima-se que haviam aproximadamente quatrocentas instituições interligadas no país em 1995, com um número próximo a cinquenta ou sessenta mil usuários, primordialmente voltados ao meio acadêmico.
Foi somente em 1995 que os ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia lançaram o projeto de implantar no país uma rede global abrangendo outros usos que não o acadêmico. Por tal razão a estrutura da Rede Nacional de Pesquisa foi expandida e reconfigurada. O funcionamento da Internet comercialmente considerada foi noticiado na mídia. Naquela época a Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL ainda era estatal e iniciava testes com a internet.
Nesta mesma época o governo decidiu criar o Comitê Gestor da Internet para que estivesse envolvido diretamente nas decisões referentes à implantação, à administração e ao uso da internet no país. Oficialmente foi em 31 de maio de 1995 que a portaria interministerial 147 criava o Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br.
O CGI.br é uma entidade multissetorial evitando-se que a internet nacional ficar nas mãos apenas do governo, do setor privado ou de pesquisadores. Trata-se de um modelo de governança bastante pesquisado e admirado internacionalmente.
O CGI.br foi pioneiro em modelo de governança da internet, tendo sido criado até mesmo ante da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers – Icann, que é uma ONG sem fins lucrativos estabelecida na Califórnia “responsável pela alocação do espaço de endereços de Protocolos da Internet (IP), pela atribuição de identificadores de protocolos, pela administração do sistema de domínios de primeiro nível, tanto genéricos (gTLDs) quanto com códigos de países (ccTLDs), e também pelas funções de gerenciamento do sistema de servidores-raiz”. Inicialmente estes serviços foram desempenhados pela internet Assigned Numbers Authority – IANA em uma parceria do governo dos Estados Unidos. Agora a ICANN desempenha a função da IANA.
Ao CGI.br cabe estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no Brasil, bem como diretrizes para a execução do registro de Nomes de Domínio, alocação de Endereço IP e a administração do domínio “.br”. Além disso, promove estudos faz recomendações para a segurança da Internet, propondo, ainda, programas de pesquisa e desenvolvimento que permitam a manutenção do nível de qualidade técnica e inovação no uso da internet. Veja aqui seu decreto regulamentador.
Uma das principais movimentações do CGI.br quando da sua criação foi entender que era preciso criar uma estrutura para o “.br” ampliando os aconselhamentos, que inicialmente advinham em maior número da área acadêmica. Então se ampliou a multissetoridade. Com isso vieram novas ideias e se pode concluir que os domínios “.br” deveriam ser cobrados vez que, se fosse mantida a gratuidade, seria preciso que a gestão da Internet dependesse de recursos públicos, o que acarretaria a burocracia pública. Por isso decidiu-se que os domínios “.br” seriam cobrados mediante paga anual. O “.br” passou a se autosustentar e ganhou fôlego com o tempo, permitindo que que o CGI.br produzisse cartilhas e pudesse compilar dados e fazer estatísticas.
O CGI tem e teve papel fundamental no sentido de coordenar as ações, gerar conscientização a respeito de problemas e conduzir ações conjuntas de governo, empresas e área acadêmica, o que permitiu, por exemplo, que o Brasil se tornasse um exemplo mundial de combate ao spam, o que se fez mediante decisão técnica de fechar a porta 25. Os governos de outros países teriam dificuldade de providenciar uma solução como esta.
Além disso, o CGI.br teve grande importância para que adviesse o marco civil da internet, que decorreu, inicialmente, do seu decálogo somado ao envolvimento do Ronaldo Lemos e do Ministério da Justiça, que entenderam que era o momento de transformar parte daquilo em uma lei principiológica. O processo de criação do marco civil foi bastante participativo, com discussões públicas e contribuições da sociedade civil.
Mais atualmente o CGI.br emitiu a resolução CGI.br/RES/2015/013 tecendo críticas ao Projeto de lei 215/2015 e seus apensos (PL 1547/2015 e PL 1589/2015), os quais tivemos a oportunidade de comentar em um texto na semana passada. Nesta resolução o CGI.br declara que o projeto em comento subverte “os princípios e conceitos fundamentais da internet, nos termos definidos pelo decálogo do CGI.br e consagrados no marco civil da internet, ao modificar o escopo da lei 12.965/2014 propondo estabelecer práticas que podem ameaçar a liberdade de expressão, a privacidade dos cidadãos e os direitos humanos em nome da vigilância, bem como desequilibrar o papel de todos os atores da sociedade envolvidos no debate, além de, como pretende o PL 1589/2015, alterar redação do artigo 21 da lei 12965/2014 para equivocadamente imputar responsabilidade ao provedor de conexão por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”.
Além de realizar as críticas, o CGI.br também trouxe recomendações.
O Comitê Gestor da Internet no Brasil decide, em relação ao ambiente legal e normativo relativo à internet no Brasil, recomendar que:
“a) Seja pautado pela garantia de proteção aos direitos básicos dos cidadãos tal como expressos na Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, entre eles o direito à privacidade e à liberdade de expressão, cláusulas pétreas na Constituição Federal do Brasil e um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
b) Observe e promova o caráter transparente, colaborativo e democrático, com ampla participação de todas as esferas do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica, que pautaram a criação e a adoção da lei 12.965/2014, inclusive por isso transformando-a em paradigma internacional para a regulação da internet.
c) Preserve o espírito da lei 12.965/2014, assegurando os direitos e garantias constitucionais aí inseridas, sobretudo a liberdade da expressão, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, a inviolabilidade e o sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet e de suas comunicações armazenadas, salvo por ordem judicial em estrita observância ao devido processo legal nos termos da Constituição Federal, sob o risco de aumentarem as possibilidades de vazamento, abuso e uso político de dados de terceiros.
d) Preserve, principalmente, o equilíbrio, alcançado com a lei 12.965/2014, entre: (i) a liberdade de expressão e a proteção à privacidade e aos dados pessoais; (ii) as atividades relacionadas à persecução criminal e o combate a ilícitos na Internet, bem como a própria dinâmica da internet como espaço de colaboração; (iii) a inimputabilidade dos provedores de conexão por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros; e (iv) a inimputabilidade dos provedores de aplicações por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, sendo que os provedores de aplicação somente poderão ser responsabilizados civilmente se, após ordem judicial específica, não tomarem as providências no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, nos termos da seção III, capítulo III, da lei 12.965/2014.
e) Não trate a internet de forma distinta de outros ambientes de interação social, o que poderia gerar redundâncias ou conflitos desnecessários no âmbito do Direito Penal brasileiro e,
f) Leve em conta a natureza internacional e globalmente distribuída da internet e seja, assim, estruturado como parte integrante do ecossistema complexo de governança mundial da rede”.
Nota-se, assim, a evidente importância do CGI.br na proteção da boa governança da internet no Brasil.
Eis, portanto, uma breve história da internet e do CGI.br no Brasil.
Coriolano Almeida Camargo e Marcelo Crespo
Coriolano Almeida Camargo é doutor em Direito pela Fadisp e Mestre em Direito na Sociedade da informação pela FMU. Conselheiro Estadual da OAB/SP. Presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de SP.Marcelo Crespo é advogado especialista em Direito Criminal, Digital e Compliance. Doutor e mestre em Direito Penal pela USP. Especialista em Direito Penal e em Segurança da Informação pela Universidade de Salamanca. Professor Titular em Processo Penal na Faculdade de Direito de Sorocaba/SP. Professor nos cursos de pós-graduação em Direito e Processo Penal e no MBA em Direito Eletrônico, ambos da EPD – Escola Paulista de Direito. Coordenador do MBA em Compliance da EPD – Escola Paulista de Direito. Membro Consultor da Comissão de Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP.
Fonte: Migalhas
Direito Digit@luizriccettoneto
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