O fenômeno de geração de notícias falsas no mundo digital é explicado por especialistas em evento que tem a inovação como mote
Fofocas, mentiras e boatos eram maneiras “artesanais” de se espalhar notícias falsas. Geralmente tinham “perna curta”, o natural desvelo da falsidade e do mendaz.
A tecnologia tornou essa prática muito mais complexa. A manipulação, agora anônima, do que se divulga na internet também ganhou nome pomposo, americanizado, fake news. “É tão antigo quanto a fala, quanto a linguagem”, esclarece o advogado Gustavo Carvalho, um dos palestrantes convidados da QuartaTec desta quarta-feira, 21.
O advogado esclarece que os princípios constitucionais, em seu artigo 5º, asseguram a livre manifestação, comunicação e informação. “São garantias e direitos da democracia. É o mais importante de todos os princípios e o mais sensível, porque todos os demais decorrem dele, sendo a técnica da ponderação o bem maior, que concilia todos esses princípios.” Assim, a produção de notícias na internet é de livre exercício, mas é preciso também, segundo ele, confiar na capacidade de cada um ler a informação e classificá-la como provável ou improvável. E em sendo improvável ou falsa, a notícia traz com ela a potencialidade lesiva tanto na politização na criação de fake news em tempos de eleições como na polarização de pessoas que creem nessas mensagens. “Há ferramentas jurídicas para se barrar uma fake news.
O Marco Civil da Internet, a lei eleitoral e as resoluções do TSE são remédios processuais que podem barrar, por meio de liminar, o conteúdo ou site ofensivo”, esclarece Gustavo.
Cérebro sedentário
Sobre o mesmo assunto, diferentes visões foram apresentadas no evento. O psiquiatra Leonardo Moreira explica que existe uma área no cérebro onde há um comportamento reforçado pela satisfação e reconhecimento. E é aí que entra a produção de fake news. Se prazeroso, será repetido. Quanto mais likes, mais satisfação um cérebro sedentário terá no mundo virtual. “Quando a pessoa começa a ter esse vínculo químico com o prazer, ela vai buscar, de forma automática, mais vezes esse prazer”, detalha o psiquiatra.
O modelo de conhecimento, antes centrado na academia, passou para a mão de todas as pessoas. Qualquer pessoa pode difundir notícias a critério próprio. O acesso à informação e a geração de informação é cada vez mais rápida e democrática. O psiquiatra revela que, desta forma, o cérebro fica adaptado ao meio de comunicação mais ligado ao cérebro primitivo e, por isso, sedentário, e não ao cérebro cortical, uma área mais elaborada, onde é preciso parar para pensar.
Afalta de aprofundamento aliada à impersistência é outra questão que tem preocupado a psicologia moderna. “As pessoas não dão mais conta de ficar cinco anos no mesmo emprego ou terminar um curso. E o querer, o desejo, parece ter virado ordem. Não existe mais o limite daquilo que deve ser levado em conta ou o direito do outro. As pessoas não exercitam o cérebro. Falam ao invés de pensar no que falar, compram ao invés de planejar o que pode comprar”, revela.
E vai além. De acordo com médico, os jovens são cada vez mais criativos. “Ele têm uma capacidade gigante de criar memes, mas não tão grande de superar desafios. Estamos presos a uma sociedade acorrentada a esse padrão de funcionamento emocional e mental. No ambiente virtual o respeito às diferentes opiniões já é um exercício frente a necessidade de ‘ganhar’ a discussão, de convencer o outro”, explica. Para ele, há uma necessidade de amadurecimento emocional que nossa sociedade está postergando: “Temos muitos adolescentes com mais de 30 anos”.
Fake news nas eleições
O jornalista Leonardo Cavalcanti, editor de política do Correio Braziliense, é o autor da série especial de quatro reportagens intitulada “Fake News, memórias de mercenários“. Ele conta que o trabalho foi de apuração minuciosa e que pouco se conhece sobre o trabalho desses produtores de notícias falsas, a quem ele prefere chamar de mercenários, apesar de eles se classificarem como guerrilheiros. São mais do que especialistas em redes sociais, e são poucos. Ele arrisca dizer que no Brasil existem no máximo 20 mercenários com total controle do que acontece, do ponto de vista técnico e tecnológico.
Apesar de sempre ter havido difusão de notícias falsas, nas últimas eleições dos Estados Unidos, na qual Trump saiu vencedor, foi quando começou a se desenvolver conceitos e a forma de trabalho com a organização atual. Geralmente, produtores de fake news atuam como espiões. Têm total controle sobre toda a estratégia de campanha e trabalham em paralelo ao marketing político. Na verdade, segundo o jornalista, todos os partidos políticos têm seu produtor oficial de fake news, contratado pelo próprio marqueteiro de campanha. São vaidosos, anônimos, excêntricos, possuidores de alto conhecimento em tecnologia e comunicação. Atuam em quadrilha, cada qual com sua atividade específica. “São equipes formadas por ex-jornalistas investigativos, ex-policiais, técnicos de informática, designers, atores e dubladores que imitam políticos e celebridades”, revela Leonardo Cavancanti.
Ainda dá tempo de participar
[blockquote style=”3″] A QuartaTec é um ciclo de palestras realizado periodicamente pelo Serpro. Tem como objetivo ampliar o conhecimento a respeito de conceitos de tecnologias emergentes e fomentar a academia, reforçando a visão da empresa como referência em tecnologia de ponta. Esta é a sua segunda edição, que trouxe em todas as quartas de março assuntos como experiência do usuário e fake news. A última palestra está agendada para 28 de março e traz o tema testes de invasão em empresas particulares e do governo. O evento é aberto ao público, tanto presencialmente quanto por transmissão via Internet. Inscreva-se![/blockquote]
Fonte: Serpro