Por Sérgio Renato Tejada Garcia
A década que se encerrou em dezembro de 2010 foi marcada pelo período de modernização estrutural do Poder Judiciário.
Tivemos a reforma do Poder Judiciário e a criação do Conselho Nacional de Justiça. E se todas as metas não foram atingidas, o rumo foi traçado: maior envolvimento dos juízes com a administração judicial, planejamento estratégico, conciliação e uso intenso da mais moderna tecnologia, sobretudo da Internet, aí incluído o processo totalmente digital.
Assim mesmo, ainda se fala na “caixa preta” do Judiciário, o que é absolutamente injusto para um Poder cujas decisões da Mais Alta Corte são transmitidas ao vivo pela televisão e, não raro, precedidas de audiências públicas, o que faz com que questões jurídicas de inestimável relevância para o País, como biossegurança e reservas indígenas, virem objeto de intensos debates até em botequins. Ou o caso da mais alta instância administrativa, o CNJ, onde qualquer do povo pode peticionar e que tem suas sessões transmitidas em tempo real pela internet.
São inúmeros os exemplos em que o Judiciário corta na própria carne quando detecta desvios de condutas. E mais: toda e qualquer decisão judicial é sempre fundamentada para possibilitar ao interessado recorrer. Às vezes menciona-se o “juridiquês”, mas isso não é mais realidade corrente.
Entretanto, o cidadão que tem uma ação judicial de fato fica alheio ao que ocorre no seu processo, pois raramente consegue manusear os autos ou consultar suas peças. É verdade que pode verificar o andamento processual pelo site do tribunal, porém o que vê são informações quase ininteligíveis até para quem é iniciado nas lides forenses. Constam registros como mandado expedido, concluso, partes intimadas etc.
E o cidadão acaba não entendendo o que está acontecendo com seu processo, muito menos porque está demorando tanto. E um belo dia aparece nesse sítio, quase como se fosse um provimento divino, o inteiro teor da tão esperada sentença, através da qual o autor só fica sabendo se ganhou ou se perdeu, pois, apesar de ser uma decisão fundamentada, remete sempre às peças dos autos, aquelas a que o autor não teve acesso. Talvez para o cidadão comum exista mesmo a “caixa preta”.
Esse panorama está mudando completamente com o processo eletrônico, que está definitivamente democratizando o acesso à Justiça, pois o cidadão que até então nunca viu o seu processo pode agora consultar os autos digitais na íntegra pela internet, mediante uma chave especial de consulta.
Poderá ver a petição inicial que seu advogado elaborou e os documentos que a instruíram. Poderá ver a resposta da parte contrária com seus documentos e até repassar informações importantes para seu advogado com vistas a instruir sua argumentação. Poderá inclusive contribuir para uma solução mais rápida do litígio ou até se convencer, em qualquer momento, de que a conciliação é a melhor saída para o caso.
Enfim, o autor (ou réu) passa a conhecer e a entender o seu processo e a constituir-se em litigante ativo na relação processual, e não mais um mero expectador na esperança de que um dia a sentença sairá. Não há, pois, mais nenhum reduto para que a Justiça fique escondida do cidadão.
Talvez se contra-argumente com o analfabetismo e a falta de acesso da população pobre à Internet. Mas essa é uma realidade que está mudando rapidamente com as políticas governamentais de inclusão social.
O analfabetismo já caiu para menos de 10% da população, e o acesso à Internet cresce mais de 75% ao ano no Brasil, segundo o IBGE. Na semana passada, os Ministros Aluizio Mercadante, da Ciência e Tecnologia, e Paulo Bernardo, da pasta das Comunicações, informaram que a segunda grande prioridade da Presidente Dilma Rousseff para seu governo são políticas públicas para aumentar o acesso à Internet.
De qualquer modo, para o cidadão de baixa renda que não dispõe de Internet, certamente haverá uma lan house próxima e se não souber acessar ou entender o que está ocorrendo, certamente terá um neto, um filho ou um sobrinho de sua confiança que poderá ajudá-lo a entender seu processo, o que está acontecendo nele, qual o efetivo conteúdo da decisão ou, ainda, qual o valor do alvará de pagamento que foi expedido em seu favor.
Há outro efeito positivo do processo eletrônico, cujo maior beneficiado é também o cidadão, que consiste no combate à morosidade judicial.
Em levantamento realizado, o CNJ concluiu que 70% do tempo gasto com o processo tradicional se referem a atos meramente burocráticos e ordinatórios e que não conduzem ao objeto do processo, que é a prestação jurisdicional. A ministra Ellen Gracie, do STF, costuma chamar esse interstício de tempo neutro, porque nada faz em benefício da causa. O processo eletrônico simplesmente elimina ou automatiza esse tempo neutro para milésimos de segundo, reduzindo o tempo total para 30%, ou seja, só resta a parte nobre do processo.
E há ainda outros efeitos colaterais do processo eletrônico, como redução de custos, não só para o autor de uma ação judicial, mas também para o Erário, e benefícios para o meio ambiente, o que faz com que um cidadão que nunca se utilizou dos serviços da Justiça também seja beneficiado.
Daí que o maior beneficiado do processo judicial eletrônico é o cidadão, o que deve fazer com que nós, operadores do Direito, pensemos duas vezes antes de arguirmos nossas preferências pessoais ou levantarmos meras filigranas jurídicas para dificultar o uso da tecnologia no Poder Judiciário, sob pena de estarmos atrasando a modernização da Justiça e, consequentemente, prejudicando a inclusão social dos destinatários da prestação jurisdicional.
Fonte: http://www.conjur.com.br
2011-jan-16/
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