As BigTechs organizam um grande fluxo de informações, que se dá através de processos internos de invisibilização
Por Daniel Maffessoni Passinato Diniz
Todos os dias as pessoas têm contato com as BigTechs. Ao acordar, elas verificam o celular para confirmar a previsão do tempo, e logo pela manhã, têm acesso ao Google.
No caminho do trabalho, elas checam as redes sociais, e – ao mesmo tempo – já têm acesso ao Facebook, Instagram e WhatsApp.
Assim que chegam em casa, em busca de um pouco de relaxamento, essas mesmas pessoas decidem assistir um filme na Netflix e até mesmo, fazer alguma compra na Amazon.
E deste modo, as BigTechs fazem parte do dia a dia de – quase – todo o mundo.
Empresas como Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google, são companhias que começaram como pequenas startups e que hoje dominam o mercado da tecnologia, e que representam não somente um novo cenário econômico, mas também relações de consumo no mercado globalizado.
Enquanto os usuários pensam estar “se divertindo”, as BigTechs movem engrenagens de meios de produção através de plataformas abastecidas pelos usuários e seus dados, os quais conferem valor à plataforma.
Os dados e interesses desses usuários fomentam o circuito interno de desejo que, uma vez mapeado em algoritmos, facilita o cálculo da estratégia de conteúdo direcionado a esses usuários.
Assim, as BigTechs organizam um grande fluxo de informações, que se dá através de processos internos de invisibilização, ou seja, através de processos que permanecem fora do olhar público, bem como do olhar social.
Afinal, o que é válido ou não no universo das BigTechs? Que tipo de conteúdo deve ser excluído?
Qual o limite da circulação da informação em plataformas como o Facebook, Instagram e WhatsApp, tendo em vista serem ambientes em que os usuários formam opiniões, falam sobre política e impactam diretamente nos processos eleitorais?
Como tudo isso impacta a democracia? Até que ponto essa grande indústria pode afetar a verdade factual, uma vez que possui o circuito interno de desejo de cada usuário?
Alguns desses questionamentos puderam ser respondidos no Marco Regulatório das BigTechs, aprovado pela União Europeia.
Entende-se que a democracia só poderia estabelecer um marco regulatório através de organismos multilaterais – tal qual a União Europeia. Ainda, será preciso um enfrentamento global – como no caso das questões climáticas.
O Marco das BigTechs traz alguns critérios destinados às gigantes do mundo digital, sobretudo no que diz respeito à influência que essas empresas exercem na decisão dos usuários, bem como o estabelecimento de maior concorrência.
Nesse sentido, a ideia da União Europeia é dar mais poder a quem utiliza as ferramentas e permitir que pequenas empresas possam fazer parte deste nicho de mercado, gerando concorrência – pauta que já vinha sendo levantada não apenas pela União Europeia, mas também pela China e Estados Unidos.
Nesse sentido, um ponto na legislação que merece destaque são os processos antitruste, que visam evitar a hegemonia das grandes empresas, para que as pequenas empresas e startups também possam concorrer no mundo digital.
Ainda, os usuários também serão favorecidos por esses processos, pois terão mais autonomia e poder de escolha.
Duas propostas foram aprovadas: I) DMA (Lei de Mercados Digitais), criada com o intuito de combater práticas comerciais consideradas inadequadas e II) DAS (Lei de Serviços Digitais), a qual impõe um filtro a conteúdos considerados ilegais e nocivos.
Com a vigência da DMA – que estabelece os processos antitruste – as BigTechs não poderão privilegiar marcas ou produtos, ou impedir que softwares já instalados sejam removidos ou trocados, sob pena de multa de 10% sobre o faturamento global e 20% em caso de reincidência.
Ainda, outro ponto que merece destaque é que os usuários poderão optar por não receber recomendações com base no perfil.
A DAS, por outro lado, fará com que as Bigtechs tenham de passar por auditorias independentes – sob pena de pagamento de multa equivalente a 6% do faturamento global.
Além disso, a DAS irá permitir que autoridades e pesquisadores, desde que autorizados, tenham acesso aos dados e algoritmos – medida que visa trazer mais transparência ao grande fluxo de informações às quais as BigTechs possuem acesso.
De acordo com a Forbes, os dois projetos se baseiam nas experiências da chefe antitruste da União Europeia, Margrethe Vestager, em investigações sobre as empresas. Ela criou uma força-tarefa no âmbito da DMA, que deve contar com cerca de 80 funcionários.
Além de tudo, a DAS visa proibir a publicidade direcionada a crianças ou com base em dados confidenciais, tais como religião, gênero, raça e opiniões políticas. Os “dark patterns” – ou padrões obscuros – táticas que induzem as pessoas a fornecerem dados pessoais para empresas online, também serão proibidos.
A previsão é de que a Lei de Mercados Digitais (DMA) entre em vigor em 6 meses, e a Lei de Serviços Digitais (DAS), em 15 meses, tendo em vista que a Comissão Europeia ficará responsável pela fiscalização.
A iniciativa para com o Marco surgiu de uma série de pressões de usuários cada vez mais conscientes a respeito do uso de seus dados, bem como de pequenos negócios que, sufocados pelas gigantes da tecnologia, buscam mais concorrência e almejam o fomento das startups.
As chances de o Marco respingar seus efeitos no Brasil são grandes, considerando que a lei europeia acaba sempre por influenciar a lei brasileira, como foi o caso da General Data Protection Regulation (GDPR), a qual inspirou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
É apenas uma questão de tempo para que o Marco Legal comece a gerar efeitos em outros países. Um dos efeitos do Marco no Brasil é o Projeto de Lei-2630: o famoso PL das fake news, que nasceu com o intuito de combater a desinformação, mas que já traz ideais presentes no Marco Legal das BigTechs.
Assim, se reconhece que é preciso regular este universo e torná-lo cada vez mais justo de oportunidades para todos, e que elas sejam iguais.
Sobre o autor
Daniel Maffessoni Passinato Diniz é Advogado. Sócio do escritório Passinato & Graebin – Sociedade de Advogados. Professor de M&A, Arbitragem e Direito para Startups na FAE Business School.
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