Ser um investidor passivo é quase garantia de perder o dinheiro, principalmente em uma startup
O empreendedor Sérgio Kulikovsky, 46, resume assim o que aprendeu em quase duas décadas ao fundar ou ajudar a estruturar fintechs. Ele já passou por companhias como a Acesso, Certisign (da qual é acionista e foi presidente), InCUBE e Telsign, e ainda é ligado a algumas delas.
O êxito veio cedo, aos 28 anos, quando criou uma das primeiras corretoras online do país, a Nettrade. Em cerca de dois anos ocorreu uma fusão com a Patagon e, depois, uma venda para o Santander por 700 milhões de dólares. Ele conta:
[blockquote style=”2″]Adorei começar um negócio e em dois anos já vender. Achei que seria molezinha repetir. Investi numas 15 empresas depois disso e muitas não deram certo. Aprendi é que preciso ter foco, participar”[/blockquote]
A Nettrade foi sua primeira companhia, mas ele conta que sua veia empreendedora é anterior. Os avós são de origem russa e seu pai era comerciante, tinha uma loja de roupas no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Ele, desde garoto, gostava de tecnologia. Aos 10 anos já programava.
Também gostava de carros e cursou engenharia mecânica nos Estados Unidos, na Universidade Cornell. Formou-se em 1992, fez mestrado em pesquisa operacional e chegou a estagiar nas férias na Ford e na Cofap. “Queria trabalhar na indústria automobilística, mas um amigo me chamou para uma entrevista em um banco. Ele me convenceu dizendo que além de divertido, pagava bem. Comecei como analista”, conta.
Foram cinco anos no Garantia, até ele decidir criar a Nettrade, que Sérgio não nega ter sido uma cópia de modelos no exterior: “Uma das coisas lindas de fazer negócios no Brasil é que você pode pegar os modelos americanos, baixar os relatórios anuais das empresas, que são muito detalhados, aí é só implantar o business plan no Brasil”. Não é tão simples assim, ele pondera, já que as condições brasileiras são muito diferentes e sempre é preciso fazer ajustes.
Na Nettrade, ele adaptou principalmente a maneira de abrir a conta, mais complexa no Brasil, e levou em consideração a necessidade de ter um site muito leve, devido aos problemas da qualidade da internet naquele momento.
Os serviços que sua fintech oferecia eram os de uma corretora da Bolsa, na compra e venda de ações, e a venda de seguros e fundos. Mas o que realmente fez o negócio dar certo foi a operação de educação financeira. A startup tinha de início 30 mil contas de custódia na Bolsa, mas ele viu que não chegaria a um bom resultado com apenas isso.
Criou, então, uma instância gratuita replicada do sistema da Bolsa e baseada em uma moeda virtual. Chegou a 100 mil usuários. O objetivo era convertê-los elas em operadores – e chegou a 2 mil contas ativas e mais de 10 mil abertas. Essa operação chamou a atenção e rendeu a fusão com a Patagon e depois a compra milionária pelo Santander. “Mas o valor real que recebi foi menor. Os investidores, Intel Capital, JP Morgan e Chase, ganharam mais. Os executivos receberam em ações da nova companhia”, diz.
PARECE FÁCIL REPETIR O SUCESSO, MAS NÃO É
Foi nessa época que Sérgio admite ter achado que seria “molezinha” repetir o sucesso. No final de 1999, resolveu entrar como sócio na Certisign. Acreditava que a certificação digital seria muito importante para o mundo dos negócios do Brasil, mas resolveu não participar da gestão. Um CEO foi contratado para tocar a operação, até entrar em apuros em 2002:
“A Certisign estava num momento bom de funcionamento, mas mal financeiramente. Quebrou. O CEO me liga para botar dinheiro. Eu ri: Quem sou eu para botar dinheiro?”
Para salvar a empresa, Sérgio convidou seu irmão, Paulo Kulikovsky, 44, também engenheiro, para ajudá-lo. Foi feita uma varredura para encontrar os problemas da empresa: “Cortamos muitos custos, reestruturamos e trouxemos investidores, como a Intel Capital e Darby Technology Ventures e a Verisign que já estava como minoritária”.
Nessa fase, ele descobriu que a empresa tinha muito custo e pouca receita. “O maior erro era não ter cases no Brasil. Então, nosso trabalho foi vender, entregar, dar produtos, para criar um conceito e provar que isso funciona e assim viabilizar a companhia”, diz. A Certisign atingiu break even em 2005. Ele saiu em 2008 e hoje só participa do Conselho da companhia. Detém 27% da empresa.
UMA PAUSA PARA RECOMEÇAR
Após colocar nos trilhos a empresa, ele foi para o mar. Passou um ano sabático que começou numa viagem em família em um veleiro, do Brasil até Israel. O percurso durou de abril até novembro de 2009. O retorno também foi de barco. De volta ao país, em 2010 surgiria outra oportunidade dele empreender e, novamente, a necessidade de tomar as rédeas para o negócio ficar de pé.
Sérgio fez uma grande pesquisa sobre os casos internacionais e análise do cenário brasileiro. Ali, descobriu que 50% da população era desbancarizada e quem tinha cartão de crédito já estava no limite de despesas. Outro fator de potencial era o crescimento do comércio eletrônico no país. Para atender a esta demanda, decidiu fundar a Acesso, uma fintech de cartões pré-pagos. Ele foi para o Conselho da companhia e, de novo, um CEO foi contratado.
Em 2012 a empresa teve um grande baque que é o pesadelo de qualquer empreendedor: um fundo de investimento cancelou um aporte. Hoje, Sérgio entende isso dizendo que a companhia não era atrativa porque focava demasiadamente em ter um produto muito bom, mas se esquecia de ter clientes.
“O bom problema é você ter um cliente querendo seu produto e não ter o que entregar. O mau problema é você ter um produto maravilhoso e ninguém para comprar”
Sérgio, então, assumiu como presidente e seu irmão Paulo como diretor.
“Mudamos muito, principalmente um trabalho de marketing, de venda de produto para as pessoas tomarem ciência do nosso produto de várias maneiras”, diz. Quando a empresa se ajustou, ou outro fundo de investimento fez uma proposta, que Sérgio e os acionistas consideraram “nem maravilhosa, nem baixa”. Eles próprios decidiram então cobrir a proposta. Hoje a empresa tem 35 investidores pessoa física — e já recebeu cerca de 30 milhões de reais, desde sua fundação.
Com a Acesso, Sérgio evitou repetir os erros da fintech anterior e acompanha de muito perto a operação: é o presidente.
A Acesso é um cartão de crédito pré-pago que trabalha com a bandeira Mastercard. Também tem a Fidelity como processadora e o Daycoval como banco liquidante.
Segundo Sérgio, os principais usuários são pessoas que estão com dívidas em banco e sem crédito, empresas controlando compras e gastos de funcionários, pagamento de mesada e despesas domésticas de filhos e parentes, transferência de dinheiro entre cartões, compras na internet e assinatura de serviços de streaming.
“O cartão pré-pago é mais barato do que uma conta em banco comum, que tem várias tarifas e custos”, diz. O produto, que afinal encontrou seus clientes, custa 14,90 reais se comprado no varejo e, on-line, gratuito se a carga for igual ou maior a 100 reais. A recarga média é de 250 reais.
E as receitas vêm de cinco maneiras: cada carga no cartão é cobrada e custa 2,50 reais (valores acima de 500 não pagam). Outra forma é a venda do cartão no varejo. Há uma mensalidade de 5 reais, cobrada apenas se o cartão estiver em uso (sem saldo, não paga). Há, ainda, o interchange nas transações (numa compra, o dinheiro vai para o comerciante e uma pequena parte fica com a Acesso). Por fim, a empresa recebe juros em cima do dinheiro parado nas contas (o dinheiro do cliente é usado para compra de Letras Financeira do Tesouro, as LTFs, de curto prazo e a rentabilidade é da Acesso).
O controle da conta pelo cliente é feito por um aplicativo ou pelo site. Já foram emitidos 1,5 milhão de cartões e há 420 mil ativos atualmente, diz Sérgio. O atendimento ao consumidor é feito por telefone, redes sociais e está em implantação um chatbot.
Em 2015, a empresa faturou 18 milhões de reais. Espera fechar 2016 com 45 milhões e, este ano, a meta é chegar aos 70 milhões de reais.
COMO MENTOR, PORRADA E ENSINAMENTOS
Sérgio também é sócio da aceleradora de aplicativos para smartphones InCUBE e integra, por ter cursado em Harvard o Owner/President Management, o grupo Harvard Angels, e um grupo de apoio ao empreendedorismo na associação Hebraica, o Merkaz.
Nestes dois últimos, ele conta exercer duas formas distintas de mentoria. O Harvard Angels começou no Brasil em 2010 e tem, hoje, cerca de 100 participantes e dez investimentos. Os aportes são feitos em grupos pequenos, como dez investidores. Em cada reunião vão entre 30 e 50 pessoas e nelas ocorrem os pitchs. Inevitavelmente, uma das pessoas no público conhece a fundo o produto ou projeto:
“Esse cara cai de porrada e mostra todos os erros no pitch, mas é também o primeiro a querer investir porque vê a oportunidade e quer ser o melhor mentor para aquilo”.
Os interessados em apresentar um projeto no Harvard Angels podem se inscrever pelo site do grupo. Sérgio é enfático ao dizer que eles “não investem em Powerpoint”, ou seja, é preciso apresentar um MVP (minimum viable product) para garantir que a pessoa sabe o que está fazendo.
Já o Merkaz é voltado a empreendedores em estágios mais iniciais e a própria comunidade do Hebraica participa das reuniões.
Sérgio não esconde que sua trajetória de empreendedor e mentor o ajudou a ganhar dinheiro e ter uma vida confortável, mas também lembra que já perdeu muito dinheiro em empresas que não deram certo. “Tem que ser assim para aprender. Mas no meu caso o saldo é positivo”, ele diz:
“Para cada empresa que deu certo, pelo menos três deram errado. Mas as que dão certo têm que pagar todas as que deram errado”
Hoje ele costuma recomendar aos jovens que querem empreender que pensem bem e se perguntem se estão mesmo prontos.
“Antigamente eu achava que todos estavam prontos para empreender porque adoro isso. Mas não é só fazer um business plan, sentar a bunda e trabalhar. É preciso tenacidade, a pessoa não pode desistir, tem que aguentar”, diz. E tem, também, que saber que o sucesso pode ser fugidio.
Fonte: Projeto Draft
Foto: Projeto Draft