Por ordem de Dilma, órgão desenvolve ações para blindar sistemas de informação do governo na internet
Serpro: um guardião contra a bisbilhotagem eletrônica – Jornal O Globo
Serpro: um guardião contra a bisbilhotagem eletrônica
Por ordem de Dilma, órgão desenvolve ações para blindar sistemas de informação do governo na internet
BRASÍLIA – As denúncias do ex-analista de inteligência Edward Snowden sobre a extensa rede de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos tiveram forte impacto político e caíram como uma bomba no mundo da tecnologia da informação. A partir de uma ordem da presidente Dilma Rousseff, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), além de criar um novo correio eletrônico para o governo federal, está preparando outras medidas de um vasto pacote antibisbilhotagem eletrônica.
Já está acertado também que o Serpro vai prover as áreas mais sensíveis do governo de serviços de análise de vulnerabilidade de software, códigos e aplicativos. Alçado à condição de guardião de boa parte dos segredos do Estado brasileiro desde o início da crise, o Serpro deverá ainda oferecer serviços para evitar que hackers invadam ou derrubem páginas oficiais na internet. Durante os protestos de junho, piratas da internet chegaram a deixar o site do Exército fora do ar por várias horas.
Para o coordenador de Segurança do Serpro, Ulysses Machado, a avalanche de transformações provocadas pelo furacão Snowden são uma espécie de “11 de Setembro” das sociedades tecnológicas. Segundo ele, governos e empresas terão que promover profunda reformulação das estruturas de segurança da informação e de uso da internet. As revelações de Snowden indicam que a rede de espionagem americana teria objetivos políticos e comerciais, e não apenas preocupações com eventuais manobras terroristas.
Com as novas medidas, o Serpro tentará se antecipar a eventuais ataques de espiões e evitar que dados confidenciais fiquem expostos à teia de bisbilhotagem da NSA ou de qualquer outra estrutura de inteligência. O Serpro também deve expandir o uso de algumas ferramentas, conhecidas como Firewall e IPS, para filtrar dados e bloquear eventuais tentativas de invasões de e-mails. O órgão também vai oferecer consultorias em políticas de segurança e de gestão de rede de computadores.
Para Machado, não basta, no entanto, o governo e as empresas substituírem equipamentos velhos por novos. Segundo ele, é importante criar uma cultura para que todos estejam cientes dos riscos da espionagem. No novo ambiente da guerra eletrônica permanente, servidores públicos e funcionários de grandes empresas devem estar atentos a detalhes aparentemente banais como proteção especial para computadores, inclusive de uso pessoal, de celulares. Computadores e celulares em mãos erradas podem se transformar em “avenidas” para espiões.
— Essa manemolência brasileira que nós temos tido em relação ao assunto deve adquirir um ar mais sóbrio e objetivo daqui para a frente na adoção de ferramentas e práticas mais seguras — diz o xerife do Serpro.
Denúncias de Snowden fazem governos rever conceitos
Depois do 11 de Setembro, governos e empresas tiveram que fazer ampla revisão de normas, que se estendiam de maior controle do transporte aéreo a ações de combate à lavagem internacional de dinheiro. Com a exposição da estrutura de espionagem da NSA, acusada de interceptar e-mails e ligações telefônicas de autoridades, inclusive presidentes da República, e empresas, entre elas a Petrobras, os governos estão se vendo obrigados a rever conceitos sobre serviço de inteligência e alterar quase todos os procedimentos de segurança da informação.
— Foi terra arrasada. Todo mundo de software, de e-mail e de ferramenta de escritório foi afetado com isso. O governo vai ter que se preocupar com isso daqui para a frente. As empresas vão se preocupar onde estão hospedando seus dados. Acredito que o mundo vai mudar um pouco a partir daí — afirma Ricardo Fritsch, coordenador-geral da Associação Software Livre.
Em meio às discussões sobre medidas de segurança, surgiram rumores de que não adiantaria ao governo e às empresas mudar programas. Seria importante também redobrar atenção na compra de alguns equipamentos de fornecedores estrangeiros. Uma das hipóteses ventiladas é que processadores fabricados fora do país poderiam facilitar a espionagem.
— Até pode fazer sentido essa preocupação com processadores. Mas a gente não tem nenhuma confirmação disso — afirma Fritsch.
As denúncias de Snowden serviram também para apressar a tramitação do projeto sobre o Marco Civil da Internet. O projeto, que estava parado no Congresso, voltou ao centro das atenções e deve ser votado nos próximos dias. O marco civil não prevê medidas de segurança, mas reafirma a defesa da neutralidade da internet. Essa é uma antiga aspiração de usuários que se opõem a tentativas de algumas corporações de se apropriar de parte da rede mundial de computadores com interesses financeiros.
O professor Diego Aranha, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília, reconhece a importância da troca de equipamentos e das medidas preventivas, mas diz que é recomendável também um pouco de cautela contra eventuais excessos do governo. Para ele, é preciso estar atento para impedir que, com o pretexto reforçar a segurança da informação, o governo crie um Estado “vigilante”, o que poderia interferir na liberdade das pessoas.
— Cabe à sociedade também estudar com atenção as propostas do governo para protegê-la sob justificativa de anti-espionagem. Este não é um momento para ingenuidade — diz Aranha.
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