No link, nota do TJSP sobre a modificação do e-Saj.
Os pedidos da OAB-SP para que o tempo de migração fosse alongado foram atendidos.
Por Augusto Marcacini
A mudança continua em curso e disponível, mas a substituição definitiva do sistema anterior, com uso do Java, foi “prorrogada por prazo indeterminado”. Sinto apenas que o TJSP tenha aceito a prorrogação depois de compreender o problema pelo modo mais difícil, isto é, colocando no ar um sistema que falhou. De nossa parte, e era essa a principal preocupação da Diretoria da OAB-SP, com quem conversei nessas últimas semanas, pensávamos que o problema seria informar suficientemente 350 mil advogados sobre como realizar a mudança nos seus computadores e instruí-los a operar o novo padrão, ainda que as alterações, de fato, fossem pequenas. Mas a coisa foi ainda pior: o sistema aparentemente não deve ter sido sequer suficientemente testado para funcionar em ambiente real, com grande volume de acessos, e, ao que me parece, não suportou a carga recebida já no primeiro dia.
Aproveito a oportunidade para tecer meus aborrecidos e insistentemente repetitivos comentários sobre o tema. Há quase vinte anos a OAB-SP criou uma Comissão de Informática Jurídica que, entre outras questões ligadas às novas tecnologias e ao direito, “sonhava” em ver o Judiciário nacional informatizado.
Ao longo desta pequena história, a Advocacia sempre se posicionou como parceira da Justiça, porque a intenção da nossa classe é e sempre foi a de melhorar os serviços judiciais oferecidos à população, e com os quais os Advogados cotidianamente lidam. Infelizmente, embora não esteja dizendo que isso seja a regra, e deixo aqui minhas homenagens aos gestores do Judiciário que nos ouviram em algumas oportunidades, muitas e muitas vezes o Poder Judiciário tomou posições unilaterais, quase secretas, deixando de ouvir todos os lados interessados, o que deveria incluir não apenas a OAB, mas também o MP, as Procuradorias, a Defensoria, enfim, todos os setores da chamada “família judiciária”.
Com toda sinceridade, digo que, nestas horas, nem faço questão de ter razão. Se eu e os demais colegas que acompanho nessa odisseia digital estivéssemos errados, mas as coisas funcionassem, eu ficaria humildemente feliz em poder usar bons sistemas informáticos para executar meu trabalho de advogado. Mas infelizmente, parece que sempre tivemos razão. E o resultado de não termos sido ouvidos, isso quando não fomos criticados, ou até agredidos, por apenas discordar dos modelos e dos projetos de lei propostos por outros, é esse: uma Lei 11.419 ridícula, prolixa, repetitiva e mal escrita sobre “processo eletrônico”, um CPC com disposições pífias sobre a informatização processual, e muitos e muitos sistemas informáticos que não são interoperáveis, que falham, que não apresentam elementos mínimos de segurança, que precisam ser modificados quando surge um novo sistema operacional no mercado, que absolutamente desconhecem a revolução da computação móvel e tudo o mais que não preciso ficar enumerando aqui, pois são agruras bem conhecidas.
A mudança que o TJSP tenta implementar agora é necessária, porque os navegadores não mais vão dar suporte ao Java. Isso já é conhecido há meses. Como uma das pessoas que – sem falsa modéstia – colaborou internamente com a formação das opiniões que a OAB já manifestou sobre a informatização processual, creio que posso dizer que, a depender da Advocacia – e se fôssemos ouvidos desde o princípio – não se teria sequer cogitado usar aplicativos em Java para o envio de petições e, agora, quando o Java terá mesmo que ser descartado, teria sido esta a oportunidade de tomar um caminho mais fácil e estável, que seria o de adotar sistemas de peticionamento que permitam enviar petições já previamente assinadas (como propusemos desde a pré-história do “processo eletrônico”). Na reunião de janeiro, no TJSP, fiz questão de ressaltar que o STF adotou recentemente esse modelo e perguntei por que não segui-lo também. Quem sabe, um dia, o restante do Judiciário compreenda isso.
O envio de petições previamente assinadas envolveria, sim, uma dificuldade inicial a todos os Colegas, que seria a instalação e treinamento para uso de algum aplicativo que permita assinar os arquivos “PDF” antes do envio.
Entretanto, uma vez aprendido isso – e não seria mais difícil do que aprender a configurar (e reconfigurar frequentemente) os computadores para usar os atuais sistemas – teoricamente teríamos em nossos escritórios uma solução estável, pois qualquer que fosse o sistema judicial, os PDFs previamente assinados poderiam ser enviados sem que os computadores tivessem que atender às configurações X, Y ou Z que cada Justiça do país exige como requisito de uso dos seus sistemas. Isso também seria um modelo extremamente vantajoso PARA O PRÓPRIO PODER JUDICIÁRIO, pois ele não teria a obrigação – nem os CUSTOS inerentes – de ficar acompanhando as mudanças da tecnologia, a evolução dos navegadores, dos dispositivos, dos sistemas operacionais, para que seus sistemas continuem usáveis. Não sendo o sistema de peticionamento nada diverso do que um sistema de “upload”, com mera CONFERÊNCIA subsequente das assinaturas digitais, qualquer “trem” que o advogado usasse para protocolo online de uma petição deveria funcionar sem sustos nos sistemas informáticos judiciários.
Além disso, uma vez que a petição é assinada previamente, todo o trabalho auxiliar de levar a petição ao guichê de protocolo, com fazíamos antes, ou, hoje, ao “guichê eletrônico”, pode ser executado por qualquer assistente do advogado, dispensando-nos de ficar minutos, ou horas, conectados no sistema para execução de tarefas meramente manuais. Diga-se que o mesmo vale para os juízes, que poderiam assinar seus despachos, decisões, sentenças e acórdãos e entregá-los ao assistente, para que este os apresente no processo. Sei que muitos advogados, e também ouço dizer o mesmo de juízes, DEIXAM SEUS CERTIFICADOS com terceiras pessoas, para que estas façam o trabalho aborrecido de envio das peças. Isso é simplesmente uma PERVERSÃO de tudo o que se construiu em termos de segurança da informação e do correto uso de assinaturas digitais. Isto é, um modelo interessantíssimo de substituição segura do papel, que foi desenvolvido por cientistas que perscrutaram os limites da matemática, é simplesmente liquidado por nós, bacharéis, quando deixamos a chave com o estagiário. Enfim, se esses sistemas não estão lhes dando esse tipo de trabalho cansativo, é porque vocês estão fazendo isso errado, pois estão descartando todas as orientações técnicas de uso seguro de assinaturas digitais, o que deixa imensas porteiras abertas à espera do desastre. Não vou nem falar do risco inerente de conectar suas chaves/certificados num computador online e assinar mediante um aplicativo que, “ad hoc”, vem pela rede, porque não quero que vocês fiquem sem dormir.
Repetindo uma frase que sempre uso como exemplo, se uma torradeira for capaz de acessar a Internet, a torradeira deveria ser capaz de peticionar. Na verdade, não há nada de original na afirmaçaõ: essa é a essência da Internet. Já imaginaram se uma loja online exigisse que o cliente usasse a versão 4.2 do navegador “Raposão” e o plugin “VaiQueDá”, versão 15 ou superior, para poder fazer compras no seu site? A loja iria à breca, né? Por que só sistemas públicos – no caso, sistemas judiciais – são tão dependentes de tecnologias específicas, instaladas e mantidas pelo usuário, para que funcionem adequadamente?
Sobre Dr. Augusto Marcacini
- Advogado em São Paulo desde 1988, atuante nas áreas civil e empresarial, especialmente contencioso civil, contratos e tecnologia.
- Sócio do escritório Marcacini e Mietto Advogados desde 1992.
- Bacharel (1987), Mestre (1993), Doutor (1999) e Livre-docente (2011) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
- Professor no Mestrado em Direito da Sociedade da Informação da UniFMU desde 2011, lecionando a disciplina “Informatização Processual, Provas Digitais e a Segurança da Informação”.
- Professor de Direito Processual Civil desde 1988, em cursos de graduação e pós-graduação.
- Vice-Presidente da Comissão de Direito Processual Civil, Membro Consultor da Comissão de Informática Jurídica e Membro da Comissão de Ciência e Tecnologia da OAB-SP (triênio atual: 2013-2015)
- Ex-Presidente da Comissão de Informática Jurídica e da Comissão da Sociedade Digital da OAB-SP (triênios 2004-2006, 2007-2009 e 2010-2012) e Ex-Membro da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB (triênio 2004-2006).
- Autor de diversos livros e artigos, destacando-se na área de direito e tecnologia: “O documento eletrônico como meio de prova” (artigo, 1998), “Direito e Informática: uma abordagem jurídica sobre a criptografia” (livro, 2002), “Direito em Bits” (coletânea de artigos em coautoria, 2004), “Processo e Tecnologia: garantias processuais, efetividade e a informatização processual” (livro, 2013) e “Direito e Tecnologia”, (livro, 2014).
- Palestrante e conferencista.
- Colunista e membro do conselho editorial do Instituto CryptoID.