O Banco Central do Brasil publicou os Editais de Consulta Pública, que disciplinam os processos de constituição e funcionamento das VASPs
Por Alessandra Carolina Rossi Martins, sócia e advogados da área de Bancário, Seguros e Financeiro do Machado Meyer – Amanda Blum Colloca, Marcelo de Castro Cunha Filho, Murilo Guirão Souza e Luiz Guilherme Voigt Sampaio (estagiário),
Autarquia publicou as primeiras minutas das regras que vão regulamentar o mercado de ativos virtuais, a prestação de serviços de ativos virtuais por VASPs e por outras instituições reguladas que pretendem oferecer serviços de ativos virtuais.
O Banco Central do Brasil (BCB) publicou, em 08 de novembro de 2024, os Editais de Consulta Pública n° 109 e 110, que disciplinam os processos de constituição e funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais (VASPs, na sigla em inglês), e dispõem sobre a prestação de serviços de ativos virtuais por outras instituições autorizadas a funcionar pelo BCB.
As consultas públicas fazem referência à Lei 14.478/22 (Marco Legal dos Criptoativos), aos subsídios coletados por meio do Edital de Consulta Pública n° 97/23, aos diálogos do BCB junto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), assim como às recomendações emitidas pelo FMI, FSB e o BIS.
As minutas normativas foram elaboradas visando a proteção dos clientes e investidores no mercado de ativos virtuais, a governança do segmento, mitigação de riscos no oferecimento de produtos e serviço, a segurança jurídica e a solidez, eficiência e o regular funcionamento das sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais e o desenvolvimento do mercado de ativos virtuais.
Tipos de Autorização
Por meio do Edital de Consulta Pública nº 109, o BCB propõe a criação de três modalidades de sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais, quais sejam, (i) as Intermediárias de Ativos Virtuais, (ii) as Custodiantes de Ativos Virtuais e (iii) as Corretoras de Ativos Virtuais, conforme especificadas abaixo:
1. Intermediárias de Ativos Virtuais
As Intermediárias de Ativos Virtuais são as sociedades prestadoras de serviço de ativos virtuais cujo objeto social permite a realização de uma ou mais das seguintes atividades:
- intermediar distribuição de ativos virtuais;
- subscrever, isoladamente ou em consórcio com outras sociedades autorizadas, emissões de ativos virtuais;
- comprar, vender e trocar ativos virtuais, por conta própria e de terceiros;
- atuar como provedores de liquidez no mercado de ativos virtuais;
- administrar carteiras de ativos compostas por ativos virtuais, ou carteiras compostas por ativos virtuais, valores mobiliários, ativos financeiros e outros instrumentos financeiros admitidos na regulamentação específica;
- exercer funções de agente fiduciário nas operações do mercado de ativos virtuais;
- realizar operações de staking de ativos virtuais para seus clientes;
- prestar serviços de intermediação e de assessoria ou assistência técnica para seus clientes e para os emissores de ativos virtuais, no mercado de ativos virtuais;
- praticar operações de conta margem relacionadas a ativos virtuais;
- exercer outras funções de prestadora de serviços financeiros em sistemas de registro distribuído ou similares;
- ofertar contas de pagamento, na forma da regulamentação específica;
- praticar operações de prestação de serviços de ativos virtuais no mercado de câmbio; e
- exercer outras atividades expressamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, quando sejam da mesma natureza e riscos das atividades no mercado de ativos virtuais mencionadas acima.
As Intermediárias de Ativos Virtuais deverão ofertar conta de pagamento aos seus clientes nos termos da regulamentação pertinente. Além disso, as Intermediárias de Ativos Virtuais devem observar a regulamentação que disciplina o mercado de câmbio quando prestarem serviços de ativos virtuais nesse mercado.
2. Custodiantes de Ativos Virtuais
Custodiantes de Ativos Virtuais são as sociedades prestadoras de serviço de ativos virtuais que têm por objeto social realizar a guarda de ativos virtuais, o que compreende:
- a guarda e o controle do ativo virtual, em favor de seu cliente, bem como dos instrumentos que afetam o exercício da titularidade do ativo (o que incluí a preservação das características do ativo virtual custodiado);
- a descrição, continuamente atualizada, da posição do ativo virtual, de cada tipo de ativo do titular, bem como a conciliação dessa posição com as informações pertinentes disponíveis nos sistemas de registro distribuído;
- o atendimento das instruções de movimentação emitidas pelo titular do ativo virtual ou da pessoa ao qual foi delegado o poder de agir no interesse do titular.
- o tratamento dos eventos incidentes sobre o ativo virtual;
- a constituição e a extinção de ônus e gravames sobre o ativo virtual; e
- a administração das informações relevantes para o exercício de alguma das atividades descritas acima, a respeito do titular e dos seus ativos virtuais custodiados.
3. Corretoras de Ativos Virtuais
As Corretoras de Ativos Virtuais são as sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais que têm por objeto social executar a combinação das atividades desempenhadas pelas intermediárias e custodiantes de ativos virtuais, observadas as regras gerais e específicas para cada modalidade conforme estabelecidas na minuta normativa. Assim como as Intermediárias de Ativos Virtuais, as Corretoras de Ativos Virtuais deverão ofertar conta de pagamento aos seus clientes.
Regras de Capital
O BCB estabelece os seguintes limites mínimos de capital social integralizado e de patrimônio líquido para as sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais, sendo eles:
- Intermediária de ativos virtuais: R$1.000.000,00 (um milhão de reais);
- Custodiante de ativos virtuais: R$2.000.000,00 (dois milhões de reais); e
- Corretora de ativos virtuais: R$3.000.000,00 (três milhões de reais).
Além disso, a intermediária ou corretora de ativos virtuais que deseje realizar as atividades ou operações de staking de ativos virtuais, realizadas por conta de seus clientes, ou oferta de conta margem de ativos virtuais para os seus clientes, deverá acrescentar o valor de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais) aos valores de capital social mínimo e de patrimônio líquido.
Instituições já Autorizadas a Funcionar pelo BCB
A minuta normativa proposta pelo BCB autoriza a atuar na modalidade de intermediação e custódia de ativos virtuais as seguintes instituições autorizadas: (a) os bancos comerciais; (b) os bancos múltiplos; (c) os bancos de investimento; (d) a CEF; e (e) as sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários, desde que tais sociedades operem com contas de pagamento.
As referidas instituições devem atender os limites operacionais mínimos regulamentares, inclusive de capital principal, Nível I e Patrimônio de Referência, além do limite de patrimônio líquido mínimo, bem como manter o nível mínimo de salvaguardas previsto para prestadores de serviço de emissão de moeda eletrônica, nos termos da regulamentação específica.
As instituições autorizadas que desejem prestar serviços de ativos virtuais devem, com antecedência prévia mínima de doze meses, comunicar o BCB sobre o início de desempenho de atividades nas modalidades indicadas na minuta normativa, bem como adotar as providências para adaptar suas políticas de atuação estruturas de governança, tais como políticas de controles internos e de gestão de riscos.
Processo de Autorização
A resolução proposta por meio do Edital de Consulta Pública n° 109/24 exige que as sociedades prestadoras de serviço de ativos virtuais solicitem autorização prévia do BCB para iniciar a prestação de serviços de ativos virtuais.
No entanto, poderão continuar operando as sociedades que já tiverem iniciado a prestação das atividades de serviços de ativos virtuais antes da entrada em vigor da minuta, devendo solicitar autorização para funcionamento até a data a ser estipulada pelo BCB em 2025.
Nesse âmbito, as sociedades poderão manter a prestação dos serviços de ativos virtuais até a conclusão do seu processo de autorização, sendo vedada a ampliação do rol de atividades prestadas entre a data de entrada em vigor da resolução e a data-limite de solicitação de autorização para funcionamento.
Por meio do Edital de Consulta Pública nº 110/24, o BCB submeteu à consulta pública minuta de resolução que disciplina o processo de autorização das sociedades prestadoras de serviço de ativos virtuais, bem como consolida os procedimentos para autorização de corretoras de câmbio, distribuidoras e corretoras de valores mobiliários.
Nesse sentido, o BCB cria regras transitórias, aplicáveis aos processos de autorização das prestadoras de serviço virtual já em funcionamento, e as que vão entrar em funcionamento posteriormente a entregada em vigor das resoluções.
No tocante as disposições transitórias aplicáveis às sociedades que já estão em funcionamento, o BCB divide o processo de autorização em duas fases:
Fase 1 – engloba a: (a) análise da comprovação das sociedades que iniciaram suas atividades antes da entrada em vigor das resoluções; (b) cumprimento dos requisitos de capital e patrimônio líquido mínimo; e (c) prestação de informações detalhadas sobre a estrutura da sociedade e suas operações (e.g., controladores, responsáveis, tipos de serviços prestados e tamanho das operações); e
Fase 2 – estabelece a verificação do atendimento aos requisitos estabelecidos na resolução proposta pelo Edital de Consulta Pública 110/24, tais como o envio de declarações de capacidade econômico-financeira, origem lícita dos recursos, requerimento mínimo de capital, entre outros.
Adicionalmente, o BCB poderá estabelecer procedimentos de instrução simplificada para os pedidos das prestadoras de serviço de ativos virtuais que já estão em funcionamento, com base em avaliação dos riscos envolvidos.
A abordagem faseada e detalhada busca garantir a segurança e a integridade das operações no mercado de ativos virtuais, ao mesmo tempo em que permite a entrada de novos participantes mediante a observância de requisitos especificados pelo regulador.
Segregação de Recursos
Em relação à segregação de recursos, o BCB pretende exigir que as sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais mantenham segregados seus recursos próprios dos recursos de seu cliente, de forma que os recursos de clientes devam, necessariamente, ser mantidos em contas de pagamento ou de depósitos individualizados. Nesse sentido, a VASP em questão deve manter políticas e procedimentos que assegurem a devida segregação de recursos.
Além disso, a resolução proposta veda às sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais utilizar os ativos de titularidade de seus clientes ou de outras contrapartes negociais para a realização de operações próprias.
Essa regra é excetuada na realização das seguintes operações: (i) staking de ativos virtuais, atendidas as recomendações e a disciplina específica aplicáveis a essas operações; e (ii) realizadas com ativos virtuais de titularidade de investidores qualificados ou profissionais, conforme definidos na regulamentação da CVM, mediante anuência expressa do titular dos ativos virtuais.
Contratação de Custodiante de Ativos Virtuais no Exterior
É importante ressaltar que a minuta normativa permite que a VASP contrate custodiante em jurisdição estrangeira, desde que formalizada de acordo com as regras dispostas na minuta normativa, mais especificamente:
- Deve atender as disposições aplicáveis a contratação de custodiante no país;
- a legislação e a regulamentação do país onde a entidade se encontra constituída deve apresentar padrões compatíveis com os da regulamentação brasileira, conforme avaliação do Banco Central do Brasil;
- a autoridade reguladora competente do país onde a entidade se encontra constituída deve ter acordo de cooperação vigente com o Banco Central do Brasil, aplicável aos aspectos de autorização de entidades sediadas em outros países;
- a entidade estrangeira deve: (i) ser autorizada a funcionar por autoridade competente do país onde se encontra constituída; (ii) possuir representante legal no Brasil; (iii) possuir bens e direitos estabelecidos no Brasil ou que a prestadora de serviços de ativos virtuais contratante exija ou contrate garantias financeiras que possam ser prontamente acionadas em caso de falhas da custodiante estrangeira; (iv) possibilitar o monitoramento dos registros de posições, o acesso a informações relevantes e o controle sobre os ativos virtuais custodiados na instituição contratada, por parte da sociedade prestadora de serviços de ativos virtuais, em relação aos ativos virtuais sobre os quais se aplica o contrato de custódia; (v) franquear o acesso do Banco Central do Brasil aos registros e demais sistemas relevantes da entidade que se relacionam com a custódia dos ativos virtuais sobre os quais se aplica o contrato; e (vi) adotar a formalização, com eficácia jurídica plena no país da entidade contratada, da segregação dos ativos virtuais do cliente de qualquer recurso da instituição, de modo que assegure a tempestiva disponibilidade dos ativos virtuais nas hipóteses de insolvência ou decretação de falência ou regime de resolução por parte de autoridade competente.
Contratação de Correspondentes
Por meio da minuta de resolução, o BCB propõe vedar, em qualquer hipótese, a contratação de correspondente no país para operações realizadas pelas prestadoras de serviços de ativos virtuais, assim como a contratação de misturadores e embaralhadores que visem dificultar as operações realizadas com ativos virtuais.
Cobrança de Tarifas
A minuta proposta pelo BCB por meio do Edital de Consulta Pública nº 109 também abrange modificações nas regras de cobrança de tarifas por parte de instituições autorizadas a funcionar pelo BCB, mais especificamente, a Res CMN n° 3.919, de 25 de novembro de 2010.
As alterações propostas abrangem a possibilidade de cobrança de tarifas em atividades prestadas no âmbito do mercado de ativos virtuais, tais como a administração, avaliação, reavaliação ou substituição de bens recebidos em garantia de operações, compra ou venda e custódia de ativos
Novas Tomadas de Subsídios
O BCB busca também obter subsídios sobre: (a) o rol de atividades admitidas para as intermediárias de ativos virtuais; (b) a necessidade de estabelecimento de regramentos para as operações financeiras realizadas nos ambientes de finanças descentralizadas; e (iii) as ausências ou omissões identificadas no arcabouço regulatório proposto nesta etapa da regulamentação
Outros Pontos Abordados
Além dos pontos citados, as minutas normativas também abordam procedimentos referentes a:
- Requisitos Mínimos para a seleção de ativos virtuais a serem ofertados pelos intermediários e corretoras de ativos virtuais – listagem, deslistagem e partes relacionadas aos ativos virtuais;
- Elegibilidade dos ativos virtuais ofertados pelas intermediárias de serviço de ativos virtuais;
- Regras referente a governança mínima da sociedade prestadora de serviços de ativos virtuais;
- Responsabilidade das prestadoras de serviços de ativos virtuais;
- Contratação de serviços essenciais para a prestação de serviços de ativos virtuais;
- Governança na prestação de serviços de ativos virtuais;
- Monitoramento das operações com ativos virtuais;
- Procedimentos de segurança para prestação e serviços de ativos virtuais;
- Prestação e divulgação de informações sobre a prestadora e serviços de ativos virtuais
- Direitos e obrigações dos clientes;
- Armazenamento das chaves privadas e da guarda dos ativos virtuais;
- Procedimentos de avaliação e adequação do atendimento ao perfil de risco dos clientes;
- Mitigação de conflitos de interesse
- Operações de conta margem de ativos virtuais;
- Operações de staking de ativos virtuais;
- Prestação dos serviços de custódia de ativos virtuais.
Próximos passos
Os Editais de Consulta Pública 109 e 110 ficam abertos para tomada de subsídios até 7 de fevereiro de 2025. As propostas de atos normativos estão disponíveis no Portal Participa + Brasil, com link disponível no endereço eletrônico do Banco Central do Brasil na internet, podendo os interessados encaminhar sugestões e comentários por meio dos links mencionados e os e-mails:ativosvirtuais.denor@bcb.gov.br ou denor@bcb.gov.br.
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