Para debatedores, proposta em análise na Câmara traz consequências negativas como o fim da possibilidade de verificar a autenticidade de documentos, o aumento de gastos públicos e o risco de perda da memória nacional
Em reunião extraordinária para debater sobre o Projeto de Lei nº 7.920/2017, na terça-feira (12 de junho), arquivistas e historiadores pediram a rejeição pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei que assegura ao documento digitalizado e certificado pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) o mesmo valor legal do documento físico que lhe deu origem.
Antes de seguirmos com o teor da matéria é bom que se faça a distinção do que é um documento eletrônico assinado com por certificado digital da ICP-Brasil e um documento digitalizado.
Documento digitalizado é um documento de origem física, impresso, que após passar por um processo de digitalização, torna-se um arquivo eletrônico. Esse documento físico, que se transforma posteriormente um arquivo eletrônico, não carrega – do mundo físico para o eletrônico – as características de autenticidade que garantem a irrefutabilidade das informações contidas em sua origem.
Esse arquivo eletrônico, mesmo que após a digitalização tenha sido assinado por um certificado digital ICP Brasil, não leva consigo as marcas que garantem a manifestação de vontade dos participantes no momento em que foi finalizado, porque, as formas de se periciar/auditar um documento físico e um eletrônico são totalmente distintas.
O documento digital, nasce no meio eletrônico e quando assinado por certificado digital ICP-Brasil carrega consigo integridade e autenticidade, entre outros atributos, porque, pode-se utilizar uma série de recursos técnicos para verificar sua autenticidade. Esse documento digital tem seu valor legal irrefutável.
De acordo com os debatedores, a eventual aprovação dessa proposta teria consequências negativas como o fim da possibilidade de verificar a autenticidade de documentos, o aumento de gastos públicos e o risco de perda da memória nacional.
O projeto já foi aprovado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, mas ainda precisa passar pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), além do Plenário da Câmara. O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) presidiu a audiência da CLP e informou que vai pedir a esses colegiados e ao presidente da Casa, Rodrigo Maia, o arquivamento do texto.
Falta de segurança
O presidente da Associação dos Servidores do Arquivo Nacional, Rodrigo Cavaliere, também defendeu o arquivamento da proposta.
“O projeto prevê a eliminação dos documentos originais após a digitalização, sob a ideia incorreta de que a documentação seria reduzida, bem como os custos com sua guarda e preservação. A digitalização não garante a segurança na armazenagem e não permite que se confira a autenticidade do documento, que pode ser alterado sem se poder recorrer ao original como contraprova, uma vez eliminado”, alertou Rodrigo Cavaliere.
Glauber Braga defendeu a rejeição do texto, já aprovado pelo Senado e por uma comissão da Câmara. Tânia Maria de Moura Pereira, arquivista e doutorando em Ciência da Informação, também manifestou repúdio ao projeto de lei.
Preservação da história
O professor da UnB Erlando da Silva Rêses, membro da diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior (Andes), fez um relato histórico da importância da preservação da memória em diferentes sociedades. Ele considerou o projeto como maléfico, por impossibilitar a verificação de documentos diante de fraudes.
André Gustavo de Melo Araújo, professor da UnB e representante da Associação Nacional de História, disse que o único benefício da proposta em análise na Câmara seria a possibilidade de acesso a documentos a partir de diferentes pontos geográficos, mas advertiu que o texto terá consequências temerosas do ponto de vista da pesquisa histórica.
“A digitalização parte do pressuposto falso de que os documentos digitais são iguais aos originais. Do ponto de vista histórico, há diferenças fundamentais”, argumentou Melo.
A aprovação do projeto de lei não foi defendida por nenhum dos participantes da audiência pública.
ÍNTEGRA DA PROPOSTA: PL-7920/2017
Com informações da Agência Camara