Sistema de reconhecimento facial em escolas devem se tornar uma tendência nos próximos anos. Há alguns riscos inerentes aos dados armazenados
Por Marcio Dolzan
Sob o argumento de aumentar a segurança dos alunos e combater a evasão, escolas públicas brasileiras começaram a instalar equipamentos de reconhecimento facial, à semelhança do que já ocorre em aeroportos e outras áreas de grande circulação.
A iniciativa ainda é incipiente, mas já chegou a redes de ensino em cidades da Bahia, de Santa Catarina, do Rio e outros Estados.
Apesar das promessas de eficiência contra a prática de “matar aulas”, especialistas alertam sobre os riscos à privacidade dos estudantes.
Levantamento elaborado pela InternetLab – centro independente que pesquisa ações nas áreas de tecnologia, direitos e políticas públicas – apontou que ao menos 15 cidades, em todas as regiões do País, já usam a tecnologia.
O grupo mapeou o uso de sistemas de reconhecimento facial em escolas de cidades da Bahia, Ceará, Goiás, Minas, Rio, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Pernambuco e Tocantins.
Brasil tem mais alunos que se formam professores do que outros países. Por que isso é um problema?
Segundo o trabalho, praticamente todas as iniciativas partem dos municípios, “por meio de contratos públicos firmados com empresas nacionais que oferecem serviços de tecnologia”.
A exceção é o Estado de Tocantins, que investiu no recurso para a capital, Palmas.
A rede municipal de Angra dos Reis retomou as atividades no início de fevereiro, quando passou a cadastrar os rostos de todos os alunos
Um dos exemplos vem de Angra dos Reis, na Costa Verde fluminense. Lá, a rede municipal retomou as atividades no início de fevereiro, quando passou a cadastrar os rostos de todos os alunos.
A partir daí, para os estudantes ingressarem nas unidades de ensino, precisam fazer check-in em um equipamento de reconhecimento facial.
Ao Estadão, a Secretaria de Educação, Juventude e Inovação informou ter investido R$ 1,17 milhão na implementação do sistema. Ao todo, 89 escolas compõem a rede de Angra.
O reconhecimento facial deverá atingir 17,3 mil alunos do ensino fundamental e da educação de jovens e adultos (EJA). Segundo a pasta, o sistema visa a combater a ausência das aulas e a evasão escolar.
“Os estudantes são cadastrados no equipamento que chamamos de ‘coletor de imagens’ e diariamente se reportam a ele para cômputo de sua chegada. Caso o estudante não registre sua frequência até o fim do período de tolerância, o equipamento emite mensagem SMS para o telefone do responsável que está cadastrado no sistema informando a ausência”, diz o secretário de Educação, Paulo Fortunato.
“Não apenas a escola, mas a equipe da secretaria pode perceber mais rapidamente onde estão os casos de infrequência e possível evasão para atuar de modo mais efetivo e eficiente.”
Ainda conforme o secretário, além de acompanhar a presença diária dos alunos, a biometria facial permitirá ao município ter maior controle dos números da rede.
Esses dados “são base para o planejamento e execução de todas as políticas públicas voltadas à educação”.
Elas incluem fornecimento de merenda, materiais, quantificação do quadro docente, avaliações, entre outros.
A ausência de estudos prévios em casos de cidades que implantaram a tecnologia é criticada por Bárbara Simão, coordenadora da área de Privacidade e Vigilância do InternetLab.
“A falta de estudos preliminares para a implantação da tecnologia demonstra que é uma aposta, sem um respaldo técnico que aponte porque o reconhecimento facial é melhor do que outras possibilidades para sanar os problemas apresentados”, avalia a pesquisadora.
“Seria importante que o poder público fizesse essa avaliação de impacto de antemão.”
Ela acredita que a implantação do sistema vem sendo feita com boas intenções, mas de maneira apressada.
“O que a gente percebe não é que o poder público está mal intencionado ao usar essa tecnologia. Acho que é um desconhecimento em relação a esses riscos que essa tecnologia apresenta.”
O Estadão questionou o Ministério da Educação (MEC) sobre se há levantamento ou algum projeto sobre o uso dessa tecnologia em escolas do País, mas a pasta não soube informar.
Em Xaxim, no oeste catarinense, o aparelho de reconhecimento facial está em uso em uma das escolas do município e será expandido para todas as nove que compõem a rede local.
“O sistema surgiu como alternativa para dar segurança aos familiares dos alunos quanto ao ingresso e estadia na escola. O registro está interligado ao sistema do aluno que contém notas, atividades desenvolvidas pelos professores, frequência, entre outros”, diz a secretária municipal de Educação, Isabel Canalle.
“Os familiares têm acesso remoto ao sistema, facilitando o acompanhamento escolar do aluno.”
Rede municipal de Angra dos Reis começou a cadastrar os rostos dos alunos em fevereiro deste ano.
Segundo o relatório da InternetLab, nenhum município ou Estado mapeados informou se fez estudos de impacto prévios, como o que envolve risco aos direitos humanos, nem análises sobre o potencial de discriminação dos softwares.
O estudo alerta que “tecnologias de reconhecimento facial não são imunes a erros e falhas significativas”.
E acrescenta: “há diversos estudos que pontuam como elas são menos precisas quando o público-alvo da ferramenta são pessoas não pertencentes ao gênero masculino ou não brancas, uma vez que são treinadas por meio de bancos de dados fracos em termos de diversidade de gênero, raça e registros culturais”.
Para Luiz Felipe Ribeiro, pesquisador especializado em computação visual e simulações interativas em tempo real do Instituto Tércio Pacitti de Aplicações e Pesquisas Computacionais da Universidade Federal do Rio (UFRJ), sistemas de reconhecimento facial em escolas devem se tornar uma tendência nos próximos anos. Ele aponta, porém, alguns riscos inerentes aos dados armazenados.
“Sou favorável, enquanto professor, porque facilita em termos de chamada de alunos, por exemplo. Em outros países, como Estados Unidos e Israel, já é bastante difundido principalmente pela questão da segurança”, afirma.
“Mas há algumas discussões que devem ser consideradas, como a salvaguarda desses sistemas, como eles estão sendo tratados à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e, no caso das escolas, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, diz.
Ribeiro diz que a maior preocupação precisa ser voltada à segurança dos dados.
“Imagine um banco de dados com crianças, com identificação delas, nomes, rostos. Eventual vazamento disso seria gravíssimo”, alerta.
“Esses sistemas, ainda mais quando se fala de crianças, devem ser extremamente seguros.”
Segundo a Ponto ID, empresa que forneceu os equipamentos de reconhecimento facial a Angra dos Reis, a imagem captada é “criptografada e alocada exclusivamente e de forma offline na memória dos equipamentos por motivos de segurança, não sendo acessada ou transmitida”.
Ao mesmo tempo, contudo, é possível registrar uma fotografia similar à 3×4 dos alunos e cujo acesso é possível mediante uso de senha.
“(A foto) opcionalmente poderá ser transmitida de forma online e criptografada para o sistema de gestão, cujo acesso é restrito aos usuários com perfil e senha que contenha essa permissão – como por exemplo, os secretários das escolas -, podendo ou não ficar visíveis no sistema, a critério da unidade escolar ou da Secretaria de Educação”, explica a empresa.
Fonte: Estadão
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