O e-Government -serviços governamentais – é uma realidade em muitas cidades do mundo, mas para se espalhar globalmente precisa conquistar a confiança e fidelizar os cidadãos nos próximos anos, oferecendo serviços mais sofisticados, transparentes e eficientes
Em um mundo conectado e globalizado é cada vez mais complicado determinar em quem e em quais informações as pessoas podem e devem confiar.
Da mesma forma, os governos estão operando em um cenário internacional e tentam acompanhar as tendências do mercado e da tecnologia. Muitas vezes eles fazem isso por meio de colaboração com instituições internacionais a fim de oferecer melhores serviços digitais e estabelecer regulamentos para preservar a confiança dos cidadãos.
Esta discussão foi feita, durante a NEC Visionary Week, na palestra “Mantendo a confiança com o Governo Digital”, mediada por Mads Darling, chefe de Comunicação Interna da KMD.
A conversa contou com a participação de Lone Brose, chefe de Desenvolvimento de Negócios da Autoridade Dinamarquesa de Tecnologia de Segurança; Ritu Bhandari, gerente de Políticas e Insight da Economist Impact; e Hans Jayatissa, diretor de digitalização da KMD.
Outro participante foi Yasunori Mochizuki, Fellow da NEC, que tem foco na disseminação de políticas e boas práticas de transformação digital para um ecossistema desenvolvido para cidades inteligentes.
Darling abriu o painel ressaltando a importância dos serviços governamentais digitais e os desafios de oferecer serviços de qualidade e acessíveis aos cidadãos em um mundo globalizado. “Apesar da digitalização visar tornar tudo mais fácil, os cidadãos ainda têm dificuldade de navegar pelos serviços digitais. Esse cenário exige que os governos façam mais esforços para oferecer melhores serviços e tornar as cidades mais eficientes. O desafio é acompanhar os avanços tecnológicos e atender às demandas de uma sociedade digital em constante mudança, conquistando sua adesão e confiança nos serviços”, comentou o mediador.
Segundo Darling, a solução consiste não só em disseminar os serviços e treinar as pessoas para utilizá-los, como se pensava. Em tempos de mudanças demográficas, com o envelhecimento da população, os governos têm de trabalhar de forma mais inteligente, usando recursos mais eficientes e gastando menos para obter resultados mais satisfatórios à sociedade. Isto só é possível utilizando tecnologias como Inteligência Artificial (IA). “Mas aí surgem questões relativas à gestão dos dados, confiança e segurança, bem como à qualidade dos serviços e os benefícios efetivamente oferecidos à população”, relatou o diretor de Comunicação interna da KMD, empresa com mais de 50 anos de experiência na digitalização de serviços governamentais.
Neste momento, Ritu, coordenadora do “Índice de Cidades Digitais de 2022”, lançado pela Unidade de Inteligência “The Economist” em junho de 2022, visando a avaliar a digitalização de 30 cidades globais, destacou a importância da iniciativa de sua instituição, que se propõe a entender como a tecnologia está contribuindo para aperfeiçoar a vida dos cidadãos, baseado em quatro pilares: conectividade, serviços, cultura e sustentabilidade. “Os serviços governamentais online são cruciais para a maior eficiência das cidades, o que se evidenciou durante a pandemia, porque os cidadãos ficaram em isolamento e precisavam resolver tudo digitalmente. Neste momento se percebeu que muitas cidades não contavam com plataformas de e-government sólidas, o que dificultou ainda mais a vida das pessoas”, comentou a gerente da “Economist Impact”.
Diante deste contexto, cidades como São Paulo (SP) começaram a oferecer programas de identidade digital para assegurar à população acesso aos serviços públicos. Porém, ainda há muito a avançar, pois é preciso conquistar a confiança das pessoas e oferecer serviços online com benefícios mais prementes. “Os especialistas entrevistados para nosso índice destacaram que as cidades com melhor desempenho são as mais focadas em oferecer transparência e inclusão digital, conquistando maior engajamento das pessoas, tendo leis e regulações que regem o envolvimento dos cidadãos”, explicou Ritu.
Para comprovar a efetividade das soluções, o “Índice de Cidades Digitais de 2022” realiza testes nos aplicativos de serviços governamentais, avaliando navegabilidade, qualidade e confiabilidade de imagens e textos, fazendo downloads de webpages e classificando riscos.
A chefe de Desenvolvimento de Negócios da Autoridade Dinamarquesa de Tecnologia de Segurança afirmou que a Dinamarca é um bom exemplo de país que tem leis específicas para garantir a participação dos cidadãos e seu acesso aos serviços públicos, tendo criado um ambiente seguro e confiável. “Estamos também usando a ferramenta digital SAFE, baseada em IA, para analisar riscos e vulnerabilidades de produtos e serviços nos mercados on-lines utilizados pelos europeus. E, quando algum defeito ou falsificação é identificado, relatamos a todos os países da região, para que tomem providências necessárias. Antes do SAFE, cada país fazia sua pesquisa individual manual e o processo era extremamente demorado e falho. O SAFE encontra entre 20 vezes mais ocorrências do que se conseguia no passado”, informou Lone.
Para se ter uma ideia, só na Dinamarca estima-se que entre 50 e 70 produtos e serviços problemáticos são reportados por semana. “Neste caso, a tecnologia é usada para garantir a segurança de consumo dos europeus nos e-commerce, contribuindo para a competição justa entre as companhias. Sempre que encontramos algum produto ou serviço fraudulento ou com problemas, o fornecedor é acionado e tem um prazo para resolver ou responder legalmente”, enfatizou a executiva da Autoridade Dinamarquesa. Atualmente, 18 países estão integrados no SAFE e 49 diferentes autoridades europeias o utilizam para monitorar as ofertas na web.
Tudo isto é feito em benefício do cidadão e respeitando-se a privacidade deles para preservar sua confiança. “É fundamental que as soluções respeitem esse aspecto. Por isso, nossa Central de Número de Registros Pessoais (CPR) usa uma combinação de diferentes tipos de dados. Em uma cidade, como Copenhagen, por exemplo, é possível combinar dados de saúde e segurança social para prover diferentes benefícios sociais só conectando o número do CPR”, disse Jayatissa. Ele acrescentou que, como fornecedora de tecnologia, a KMD, só pode permitir que pessoas autorizadas tenham acesso às informações pessoais, especialmente se são sensíveis.
“O importante é levarmos estas questões éticas para todas as novas tecnologias implementadas. Quando usamos IA, por exemplo, asseguramos que a machine learning use modelos que não exponham dados dos cidadãos. Exemplo disto são as aplicações do Danish Hospital, que indica aos pacientes qual é o melhor médico nas diferentes especialidades, e de combate ao desemprego, que aponta os melhores trabalhos disponíveis de acordo com o conhecimento, grau de escolaridade e experiência práticas dos interessados”, detalhou Jayatissa.
Mochizuki, Fellow da NEC, destacou que, quando se fala em confiança nos governos, é essencial ter como prioridade a equidade de tratamento e de inclusão das pessoas. “Um exemplo disto é o uso da solução de identificação biométrica da NEC no programa Aadhaar, da Índia, um dos países mais populosos do mundo, com a qual provemos a autenticação de identidades nacionais para acesso aos serviços governamentais, devido a sua robustez e acuracidade”, ressaltou. Essa mesma solução está sendo utilizada na identificação de impressões digitais de crianças e recém-nascidos pela Aliança Global de Vacinação, apoiada pelo Reino Unido. “Outro exemplo é que, em uma nação sempre sob pressão, como o Japão, nós oferecemos à população de mais de 50 cidades segurança e resiliência com uma solução SNS (Simple Notification Service), que usa IA, para oferecer insights em tempo real sobre ocorrências e acidentes a fim de apoiar operações de resgate”, contou. A NEC procura entender as principais dores do setor público e busca caminhos para criar tecnologias que tenham alto impacto positivo para a sociedade.
Serviços digitais precisam evoluir mais para conquistar a confiança dos cidadãos
É natural que os cidadãos se preocupem com a qualidade e segurança dos serviços governamentais digitais, porque o uso de seus dados pode tocar em muitas liberdades civis e direitos, incluindo liberdade de expressão, privacidade e de saber e controlar como seus dados estão sendo captados, armazenados, processados e compartilhados. “Por isso, é importante disseminar informações sobre as novas tecnologias, como reconhecimento fácil e IA, e conscientizar as pessoas sobre seus benefícios e as responsabilidades assumidos pelos órgãos públicos, para que se engajem e desfrutem dos benefícios oferecidos, assim como sempre revisar as regulamentações locais existentes”, enfatizou Ritu.
Uma constatação importante do Índice de Cidades Digitais de 2022 é que muitos governos municipais estão reconhecendo e agindo para prevenir potenciais violações de direitos dos cidadãos, formando inclusive coalisões com instituições públicas e privadas. Essas parceiras se baseiam em fatores-chave de proteção como:
1) Assegurar o uso correto dos dados, ou seja, que serão sempre coletados com um propósito e que não serão usados de outra forma;
2) A tecnologia é utilizada para beneficiar e nunca para coagir os cidadãos ou para oferecer recompensas por sua adesão;
3) Realmente garantir privacidade, enquanto se desenha o uso das tecnologias para seus objetivos específicos.
“Atualmente, os governos têm uma real preocupação com a busca do equilíbrio entre proteção da privacidade e compartilhamento dos dados, além de estarem valorizando bastante as soluções abertas, que lhes dão mais oportunidade para inovar e oferecer serviços mais sofisticados”, comentou Ritu.
De acordo com ela, em Londres, por exemplo, as empresas de transporte urbano começaram a compilar dados sobre seus números de usuários, horários, status dos serviços e até mesmo registro de ocorrências e perturbações cotidianas. O objetivo é passar as informações obtidas para startups locais com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de soluções para as questões do setor. Até o momento, já foram apresentadas mais de 500 aplicações focadas em garantir melhoria dos serviços aos usuários.
Jayatissa adicionou que esta preocupação sempre norteou a atuação da KMD, que tem sempre se adiantado às regulações. “Nos últimos anos, devido ao GPDR, o setor público teve de se adequar rapidamente às boas práticas. Mas agora com a maior adoção de Inteligência Artificial (IA), a privacidade voltou a ser foco de atenção. Isso nos motivou a intensificar os trabalhos junto com governos europeus para definir modelos específicos de IA para prevenção de riscos, bem como para regular o uso desta tecnologia, com a realização de inspeções e exigência de documentos, junto à Comissão Europeia. “O alto risco de IA está relacionado ao uso de dados pessoais e sensíveis durante períodos eleitorais, ou para exclusão deliberada de pessoas em processos de seleção devido a características específicas. Porém, a regulamentação de IA não pode atrapalhar a inovação que a tecnologia propicia, pois é uma ferramenta poderosa que pode trazer inúmeros benefícios sociais”, comentou o diretor da KMD.
Por ser uma instituição pública, a Autoridade Dinamarquesa de Tecnologia de Segurança sempre envolve sua equipe jurídica em todas as decisões referentes à adoção de tecnologias. Lone enfatizou que, por isso, é fundamental estabelecer e descrever exatamente as funções das ferramentas digitais implementadas, bem como quais dados usará, para que propósito, como serão coletados e armazenados. “Temos o dever de estar prontos para responder quais dúvidas ou receios dos cidadãos”, reforçou.
Com ampla experiência em projetos para o setor público, a NEC vem pesquisando e trabalhando intensamente para responder às demandas existentes e se adiantar às expectativas futuras em relação às ferramentas de IA. “Nós nos orgulhamos de ser pioneiros na aplicação de ferramentas de IA explicáveis, com interpretação de palavras ou white boxes, tanto em desenvolvimento tecnológico como em aplicação em negócios nos últimos 10 anos”, disse Mochizuki.
Os cientistas da NEC estão criando uma metodologia essencial para automação de dados analíticos e geração de modelos preditivos, a chamada “Heterogeneous Mixture Learning”, baseada em princípios matemáticos e que deve trazer grande contribuição para a sociedade. Este método já vem sendo aplicado em uma ampla variedade de otimizações de negócios em setores como varejo, logística, atacado, manufatura, finanças, manutenção e serviços por assinatura. “A tendência é que o uso desta metodologia se intensifique no setor público, pois as recomendações feitas por IA são importantes para garantir a confiança dos cidadãos, que demandam cada vez mais transparência e responsabilidade de todas as instituições, além de estarem exigindo soluções cada vez mais humanizadas e democráticas”, alertou o executivo da NEC. Ele afirmou ainda que a companhia japonesa tem uma governança IA que contempla todo o processo de negócios, incluindo soluções de segurança, gestão de dados, negociações com os clientes, princípios éticos e treinamento dos colaboradores.
Colaboração garante inovação e eficiência nos serviços públicos
As empresas de tecnologia e o mercado já concluíram que para avançar na transformação digital é importante investir em soluções abertas, que permitam projetos mais inovadores a custos mais acessíveis. Nesse cenário é essencial que sejam criados ecossistemas tecnológicos colaborativos, formados por empresas, universidades e instituições públicas e privadas, capazes de pensar operações e negócios dos mais variados setores, incluindo, é claro, as diferentes esferas governamentais.
“Agora, nós precisamos trabalhar como livros abertos, quando se trata de projetos de IA colaborando para assegurar a confiança da sociedade. O Índice de Cidades Digitais é um bom exemplo disto, pois todos estão contribuindo com dados para viabilizá-lo”, afirmou Darling. De fato, as cidades que usam soluções tecnológicas desenvolvem objetivos regulatórios claros a respeito de diversos aspectos. Em termos de sustentabilidade, por exemplo, a finalidade é controlar emissões de carbono, reduzir desperdícios de água, monitorar e diminuir índices de poluição sonora e do ar. “A tecnologia também é utilizada para melhorar a gestão do transporte público, garantindo melhores serviços e auxiliando na melhoria do tráfego, e no aperfeiçoamento de sistemas de segurança pública, com a instalação de sensores, câmeras e sistemas analíticos nos principais pontos das cidades”, comentou Ritu. Estes projetos dependem de colaboração de vários atores – fornecedores de tecnologia, gestores públicos, instituições públicas e privadas e representantes dos cidadãos.
Nesse contexto, a governança tecnológica, que é crucial em qualquer projeto de implementação, torna-se ainda mais importante, para se conquistar a aceitação social e a confiança dos indivíduos nas soluções. “É preciso pensar em mecanismos de governança antes de adotar qualquer tecnologia digital, bem como garantir que a escolha está alinhada com as boas práticas da organização. Só depois de considerar estes fatores é possível colaborar compartilhando o conhecimento com outras cidades para que também encontrem respostas às suas principais questões”, ressaltou Mochizuki.
A NEC tem como uma de suas principais iniciativas de colaboração apoiar às iniciativas da Aliança de Cidades Inteligentes do G20 (GSCA), apresentadas no último Fórum Econômico Mundial. Estas iniciativas seguem rigorosos princípios de governança tecnológica, como:
Garantir equidade, inclusão e bons impactos sociais;
Assegurar a privacidade e transparências nas ações;
Optar por soluções abertas e interoperáveis;
Prover segurança e resiliência;
Ter sustentabilidade operacional e financeira.
“Estes princípios fundamentaram a criação de nossa ferramenta de governança prática, que engloba avaliação de impactos, privacidade, acessibilidade, responsabilidade, segurança pública e gestão aberta, que pode ser utilizada como template por cidades de todo o mundo para analisar e testar novas tecnologias antes de implementá-las”, informou o executivo da NEC. Ele destacou ainda que já há uma série de práticas e esforços apoiados pela GSCA com o intuito de formar uma rede de colaboração entre cidades e estabelecer políticas de intercâmbio de conhecimento.
Lone reforçou que a expertise necessária para implementar uma solução tecnológica inovadora no setor público exige colaboração direta com os fornecedores do setor. “É preciso trabalhar em sinergia para a cocriação das ferramentas necessárias para atender demandas específicas de cada cidade”, salientou. Jayatissa aconselhou as cidades a começarem sua digitalização pela implementação de soluções em áreas que não são diretamente relacionadas com o uso de seus dados pessoais, como, por exemplo, os departamentos de segurança, gestão de tráfego e ambiental, que exigem muitos sensores IoT, mas tratam de dados mais genéricos. “Só depois de reconhecerem os benefícios é que os cidadãos estarão mais confiantes e dispostos a aceitar novas ferramentas nos serviços que acessam diretamente, como de geração de empregos e gestão de benefícios sociais, entre outras”, acredita o diretor da KMD.
Na última década foram obtidos muitos avanços tecnológicos e encontradas soluções efetivas para desafios que afligem as cidades. Agora é hora de assegurar que os benefícios conquistados se espalhem por todas as esferas governamentais em todo o mundo, com o uso de tecnologias abertas e neutras.
“Afinal, a tecnologia é fundamental para a evolução das cidades e inclusão social, desde que tenha objetivos claros e conte com o envolvimento dos cidadãos, ou seja, o projeto seja transparente do começo ao fim”, completou Ritu.
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