Há quase 40 anos, a Lei que instituiu o documento Carteira de Identidade no Brasil – Lei 7.116/83 – iniciava, assim, a sua sistemática
Por Eduardo Lacerda
Art 1º – A Carteira de Identidade emitida por órgãos de Identificação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios tem fé pública e validade em todo o território nacional.
Há quase 40 anos, a Lei que instituiu o documento Carteira de Identidade no Brasil – Lei 7.116/83 – iniciava, assim, a sua sistemática. Um registro que deve ser expedido pelos entes federados – por razões óbvias de políticas públicas e atendimento do indivíduo – mas que possui o condão de ter fé pública – o que se afirma ser autêntico e verdadeiro – e válido por toda extensão do território brasileiro. O legislador deu a linha mestra do que de fato é uma identidade.
Um instrumento de cidadania que o cidadão possa portar e que garanta a sua unicidade no Brasil, independente de qual ente federado o emita. Um dispositivo que endosse autenticidade, para gerar confiança nas relações entre cidadãos e nos segmentos públicos e privados, em atendimentos físicos ou, no presente/futuro, digitais. Identificar uma pessoa natural é garantir unicidade e confiança!
Ademais, para complementar esta vertente norteadora, a norma legal comanda:
Art 10 – O Poder Executivo Federal aprovará o modelo da Carteira de Identidade e expedirá as normas complementares que se fizerem necessárias ao cumprimento desta Lei.
Ponto importante, esta Lei carece de diversas atualizações para algo que possa amoldar um sistema moderno de identificação, inclusive suas naturais evoluções. Isso posto, aqui positivou-se um texto para sustentar a razão de existir de uma Carteira de Identidade válida em todo território nacional. Impende ao Governo Federal subsidiar a política de identificação que será executada pelos Estados da nação. Ao trabalho…
Passados quase 40 anos, infelizmente, claudicou-se nessa tarefa. Inúmeras são as razões técnicas e políticas – seria necessário outro artigo nesse espectro. Nessas quase 4 décadas, verificou-se a nefasta fragmentação no procedimento de identificar e comprovar a identidade de uma pessoa natural.
Os Órgãos de Identificação Estaduais, sem uma metodologia e um modelo de documento nacional, resolveram, por si só, adotar seus meios. Diversos outros segmentos, públicos e privados, resolveram, também, seguir uma linha própria para comprovar a identidade de um cidadão. Diversas Leis foram criadas, criando diferentes documentos de identificação civil.
Essa errática fragmentação produziu no Brasil o maior portfólio de bases de identificações nacionais do mundo. E por perceptível realidade, produziu um sistema de fraudes, principalmente por falsidade ideológica, burocracia, filas, vazamento de dados e custos que atingem o cidadão brasileiro de bem.
Oras, por infausta consequência, como as políticas públicas reconhecem que um cidadão é quem diz ser? Como confiar na identidade apresentada para proporcionar acesso ao crédito? Nessa cisão brasileira a resposta é burocrática e custosa, visto a falta de confiança no sistema de identificação. Para além de um problema de segurança pública, tornou-se um embaraço social e econômico. Um estorvo a cidadania.
Nesse cenário, a Secretária Especial de Modernização do Estado, da Secretaria Geral da Presidência da República, em conjunto com os órgãos do Ministério da Economia e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, além do fundamental apoio dos Órgãos de Identificação dos Estados, resolveu reescrever essa história. Em vez de mais um movimento de desarmonia, executou-se uma visão de integração nacional.
Em vez da criação de um novo ordenamento jurídico, com um novo documento e uma nova base, veio a modernização de todos esses elementos e atores que compõem o cenário atual da identificação do país.
Modernização que está atrelada à integração, comunicação, facilitação, desburocratização, eficiência, transparência e proteção de dados. Ao trabalho…
Dois pilares foram estabelecidos, com foco integral em diminuir fraudes e favorecer o dia-a-dia do cidadão, sem elevar seus custos. Por razões de funcionamento da administração pública, esses foram positivados em dois atos infra legais.
Os Decretos 10.900/21 e 10.977/22 iniciam uma jornada de organização do tema na administração pública federal e na expedição da Carteira de Identidade Nacional, trazendo ao Brasil o que a legislação exige, com brutais benefícios a toda nossa sociedade. Ganhos que serão sentidos da partida até as próximas décadas.
O primeiro Decreto em lide cria um núcleo de governança do tema, a Câmara Executiva Federal de Identificação do Cidadão – CEFIC. Essa cuidará de todos os assuntos relativos à identificação civil do cidadão no plano do Governo Federal e entes federados no âmbito da Lei 7.166/83. Engendra-se, neste mesmo Decreto, o Serviço de Identificação do Cidadão – SIC, suportado pela exitosa plataforma GOV.BR. Este é um barramento inteligente de serviços de identificação que conectará, debaixo de um procedimento nacional, todos os vínculos e resultados biográficos, biométricos e fluxos, entre o balcão (físico/virtual) e as bases de dados, nacionais e estaduais. E, por fim, positiva-se o número do CPF, como único e necessário dentro da política de identificação da pessoa natural.
O segundo Decreto supracitado patenteia-se na remontagem do documento Carteira de Identidade, conhecido como RG. Deixa de ser um dos piores documentos de identidade do mundo, em termos de segurança, para ser o mais seguro do Brasil e um dos melhores do mundo.
Todos os mais modernos elementos estarão inseridos na versão física da Carteira, tanto em papel, quanto em cartão. Derivado do físico, apresenta-se a Carteira de Identidade Digital, que estará no app GOV.BR, de forma gratuita, abrindo portas aos serviços digitais.
Além disso, apresenta-se um QR Code nacional, que trará informações assinadas digitalmente do cidadão para fácil e resoluta autenticação da Carteira por qualquer pessoa, em todo balcão desse país, também de forma gratuita.
Outro ponto fundamental, a Carteira passa a respeitar integralmente os requisitos de um documento de viagem, podendo ser usada, a depender dos acordos estabelecidos, em postos imigratórios, e possui uma organização dos dados que facilita a sua conferência fora do país.
Possui o indicativo para pessoa naturais com necessidade especiais e pode aportar números de outros documentos. E o número CPF passa a ser o número do registro geral da Carteira, extinguindo-se o número RG estadual.
Por trás de toda essa engenharia? Todos os Estados do país e o Governo Federal integrados sob o mesmo procedimento de identificação, unidos pelo SIC, como se fossem um. Como, ab initio, deve ser um processo de identificação. Único! É um dos maiores projetos de identificação do mundo!
E os benefícios? Imaginem um balcão, seja qual for, desse país lendo por meio de um aplicativo gratuito o QR Code da Carteira, verificando sua autenticidade e, doravante, nada mais passa a ser necessário para repercutir que aquele cidadão é de fato o titular do documento apresentado. Nada mais! O quanto isso afeta positivamente dentro dos sistemas como o financeiro e o comércio? Os serviços públicos? Mês após mês os números de fraudes, que dilaceram o orçamento público e, também, o privado, por má identificação no país despencando, ruindo!
A burocracia com processos, filas e preenchimento de cadastros sendo derrotada! Bases públicas se comunicando, agilizando com segurança a concessão de benefícios públicos! Custos sendo reduzidos, ano após ano. Confiança sendo gerada, ano após ano!
A resolução do tema, e criando uma Carteira Digital atrelada a um portfólio de serviços, como é o caso aqui, pode, segundo a consultoria McKinsey (https://www.mckinsey.com/business-functions/mckinsey-digital/our-insights/digital-identification-a-key-to-inclusive-growth), fazer com que o PIB brasileiro cresça em até 13%, nos próximos 10 anos. Como comentado, outro artigo seria necessário nesse domínio, mas o fato é: de uma vez por todas, reside a obrigação de entregar isso ao Brasil.
Bom, e o que mais? É necessária uma preparação para o futuro, do ponto de vista técnico e legislativo. Para além de pensar nas integrações de todos os sistemas do país a essa nova forma de identificação, existem outras concepções. A identidade descentralizada (sovereign identity) parece ser, nos próximos anos, um caminho irrefutável, até para maior controle dos dados do próprio cidadão, invertendo os fluxos de plataformas single-sign-on.
Mapear os processos e descrever uma ação coordenada dentro do Governo Federal, montar um modelo de negócio sustentável e de arquitetura robusta, estabelecer contatos com outros governos, gerir a participação dos órgãos/entidades que possuem bases de identificação, estudar as tecnologias e definir os padrões dos sistemas que podem ser usados (por exemplo, Decentralized Identifiers – DIDs – e Verifiable Credentials; Universal Resolver e Identity Hubs; DID Auth; Open Badges), organizar um framework e algoritmos de consenso, construir protocolos de segunda camada, criar métodos de acesso e de segurança, definir APIs, assentar modelos autoritativos, gerenciar identificadores, entre tantas outras atividades estão sendo concebidas. Inserir essa visão apresentada e o futuro em uma legislação hodierna, capaz de organizar o irremediável caminho da inovação, é tão lógico quanto resolver as agruras atuais.
Não é fácil. Não é simples. Não é trivial. Exige um empenho de gestão e técnico do tamanho do país.
E esse esforço será feito. O caminho é claro e as vantagens são portentosas. Libertar nossos serviços das fraudes e da burocracia por meio de uma identidade moderna é uma missão. O objetivo é único: melhorar a vida do cidadão brasileiro.
Sobre Eduardo Lacerda
Eduardo Lacerda, Perito Criminal Federal, atualmente Secretário Executivo da Câmara Executiva Federal de Identificação do Cidadão, mestre em Engenharia Elétrica pela UnB com pesquisa na área de criptografia aplicada a proteção de dados, ex-Diretor de Infraestrutura de Chaves Públicas do ITI.
Sobre a Secretaria Especial de Modernização do Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República
Um Estado mais moderno alavanca investimentos internos e externos e melhora a vida dos brasileiros. Com esse objetivo foi criada, em 2019, Secretaria Especial de Modernização do Estado da Secretaria-Geral da Presidência da República (Seme/SG). A Secretaria articula e coordena iniciativas de modernização do país por meio de planejamento e engajamento dos mais diversos representantes dos setores público e privado.
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