Guga Stocco analisa as inovações tecnológicas e o novo modelo de negócios que hoje ancoram a instituição
No Brasil, nenhum banco antes do Original foi capaz de lançar a abertura de conta pelo celular. Havia uma norma do Banco Central, a 2025, que parecia vetar essa possibilidade. Na época em que foi escrita esta norma, não estava disponível uma tecnologia que oferecesse a segurança necessária. “Parecia impossível abrir conta pelo celular”, rememora Guga Stocco, hoje responsável pela área de Estratégia e Inovação do banco.
Ele se perguntava como uma inovação poderia transpor esse desafio. Passado um tempo, um colega do time o chamou para ler a norma. Mais simples do que imaginava, fixou-a na parede e encontrou a “receita de bolo”. “Com celular é mais seguro. Um documento em papel tem oito mil pontos para se saber se é verdadeiro ou falso”, afirma.
Prova de que o documento em papel pode não ser eficaz é que nem todo gerente é mestre em documentoscopia e um algoritmo, em contraste, consegue checar os dados. Para convencer o pessoal do banco, fez um aplicativo que pegava a carteira de motorista e tirava uma foto da casa do cliente. O app tinha foto, OCR, CPF, confirmação no Serasa e de endereço com o Google Maps.
“Acabamos sendo o primeiro banco digital com abertura de conta no celular, e conseguimos influenciar na mudança da lei para permitir essa alternativa”, declara Stocco. Hoje, prossegue ele, “o Banco Original não dá conta da quantidade de contas que são abertas do dia para a noite”.
O segundo projeto de Guga no Original foi a compra de uma startup para lançar o mobile wallet. A PicPay acabou sendo incorporada e moldada, tirando-se proveito de sua abordagem multidisciplinar, com o uso das mais recentes tecnologias, focadas na experiência do usuário. “Quando se faz isso com um produto, ela consegue ser infinitamente melhor do que qualquer banco. Não há como sobreviver no modelo atual. Um banco no futuro terá que ser diferente. Não poderá ser do modo que funciona hoje. A mudança está acontecendo nos EUA e Europa”, ressalta ele.
Para o executivo, o grande projeto que assustou a todos foi uma plataforma de open bank. “Colocamos uma camada sobre toda a tecnologia do banco e criamos todas as APIs”, descreve. Com essa plataforma, que permite construir o que se quiser sobre o banco, o Original foi para o Facebook em duas semanas. Naquela rede social, se o cliente for amigo do Original, pode conversar, ver o saldo e o extrato. Essa plataforma ganhou o EFMA na Espanha, em outubro último, como a maior disrupção financeira do mundo, competindo com 500 projetos.
Forças que mudarão o mercado
Em um cenário geral, Guga Stocco enxerga quatro forças que vão mudar completamente o mercado. A primeira são as próprias fintechs. A segunda é o mobile, um ambiente totalmente diferente do desktop, da agência ou de qualquer outra coisa. “Esse mundo exige outro tipo de skill”, compara.
A terceira é a agilidade: “Em dois anos o Uber tomou todo o mercado. Se um projeto demora um ano, acaba ficando para trás. É preciso mudar a cultura, os processos, etc, para conseguir entregar o que é preciso na velocidade que o mercado exige”. Por fim, a quarta força é a plataforma: “Sem uma plataforma, a vulnerabilidade é maior, com substituição mais fácil”.
No Original, os projetos de Guga ancoraram-se nessas forças. Vindo do Buscapé e depois de um fundo de investimento, o especialista via as coisas sob outra perspectiva. “Minha ideia era mostrar a indústria financeira de forma diferente. O banco perguntou se me sentia ameaçado pelo Itaú. Respondi que pelo Google e E-chat, sim. Competir com esses caras é infinitamente mais difícil”, situa ele.
A cada 18 meses, pelo menos, o Google muda toda sua tecnologia. “Se a linguagem de programação ficou 2% mais rápida, quando se multiplica por bilhões, são bilhões de servidores de custo. Ele não pode se dar ao luxo de mantê-los. Se ele fizer isso, em dois anos, o Bing vai ultrapassá-lo”, adverte Stocco.
Em sua opinião, para competir com um banco, será preciso usar tecnologias novas, pensar no usuário, ser frictionless, entender onde ele está e tratá-lo bem: “Não vai dar para não utilizar a nova tecnologia, esperando-a chegar ao top ten do Gartner. Não vai dar tempo”. Nesse sentido, ele cita Bill Gates: “Banking are necessary, banks not” (em uma tradução livre: as transações bancárias são necessárias, mas os bancos não).
O E-chat é o WhatsApp chinês, compara o executivo, pertencendo a uma empresa de nome Tencent, a maior de Internet da China. O CEO – Pony Ma – tinha a missão de captar 10 centavos de cada chinês, com foco no micropagamento. A primeira constatação foi que o chinês não coloca a melhor foto de perfil, e sim um avatar. Esse CEO vendeu esse avatar. Com 600 milhões de usuários, conseguiu negociar e disponibilizar um cartão de crédito. Colocando em um menu o avatar e uma “vida”, o E-chat conseguiu no primeiro trimestre US$ 3 bilhões de faturamento.
“Assim como o Starbucks começou a fazer adiantamento de recebíveis (veja logo abaixo), surgiu um wallet para McDonalds, Louis Vuiton e outros. Adiantamento de recebíveis é um produto bancário”, salienta. Outra iniciativa do E-chat foi lançar um push, para os usuários colocarem um valor baixo como US$ 5 por mês para comprar uma bicicleta ou viajar no final do ano.
O E-Chat captou US$ 130 milhões em depósitos no primeiro dia. “Isso é banco?”, questiona ele. Um ano depois (mesmo tempo de se fazer um projeto), o E-chat Investment Fund tem 10 milhões de usuários e US$ 16 bilhões auferidos. “Em um ano, o E-chat virou o primeiro banco online privado da China”, nota Guga Stocco.
Cartão do Starbucks
O Starbucks, de seu lado, vende café e uma experiência. O segundo produto que dá mais dinheiro é um produto financeiro – o cartão pré-pago da empresa, que rende US$ 2,5 bilhões no trimestre ou US$ 10 bilhões por ano. No Starbucks é possível comprar pelo aplicativo com o cartão, de sorte que o cliente não pega fila.
“Quanto tempo vai demorar para que cartão do Starbucks seja aceito em outros locais?”, pergunta Guga. Segundo ele, a emissão de um cartão pré-pago no Starbucks se daria em um contexto de uma “agência” com café, wi-fi e ar condicionado. “Estamos entrando em um mundo onde uma cafeteria pode ameaçar um produto financeiro dentro de um banco”, constata.
Nesse sentido, Guga chama a atenção dos bancos para que não se sintam intocáveis. É só lembrar o caso da Blackberry. O aplicativo de mensageria BBM estava no mundo inteiro. Uma decisão da companhia não colocou o comunicador como app no iPhone. “Se ele tivesse se estabelecido como plataforma de mensageria, valeria de US$ 60 a US$ 70 bilhões”, estima Guga.
A Blackberry, observa ele, não conseguiu acompanhar a Apple porque ficou olhando só para o negócio dela e não olhou para o lado. “Começou com o iPod, depois criaram o iTunes. Todos falavam naquela época: só falta um telefone aqui. Estava na cara que ia ser um iPod com um telefone. Como uma empresa líder de mercado não vê? Por causa da arrogância. Do dia para a noite se rompe tudo isso”, frisa. Deste modo, a Blackberry perdeu a oportunidade que acabou sendo agarrada pelo WhatsApp.
Como já foi notado, uma das quatro forças que vão mudar o mercado é o agile. Um exemplo disso em empresas disruptivas é o Airbnb, site que facilita a comunicação de turistas e proprietários de imóveis. O Airbnb já amealhou US$ 25 bilhões em quatro anos e não tem nenhum prédio. Enquanto isso, o Hilton vale US$ 21 bilhões. “Começamos a entender que essa indústria é totalmente diferente”, assinala Stocco.
Outro exemplo vem do próprio WhatsApp, que com 40 funcionários foi vendido para o Facebook por US$ 22 bilhões. A BRFoods, em comparação, tem 110 mil colaboradores e vale metade disso. Guga cita ainda o Uber, que já fatura mais em São Francisco do que toda a indústria de táxis e limousines juntas. São Paulo é o segundo maior mercado do Uber. Em dois anos, ele entrou com um modelo diferente que fez uma disruptura completa numa indústria. Uma faculdade demora quatro anos, tempo suficiente para outras disrupturas tornarem velho o que foi apreendido na academia.
Fonte: Executivos Financeiros