Estudo da Unifesp permitiu investigar como variáveis do meio ambiente afetam saúde de idosos e que precisamos de mais políticas ambientais
A ciência já nos evidenciou por meio de diversos estudos ao redor do mundo a associação que existe entre os poluentes presentes na atmosfera e as condições meteorológicas com problemas em saúde, como a ocorrência ou agravamento de doenças cardiorrespiratórias.
Contudo, há uma dificuldade na compreensão do fenômeno como um todo, já que a população não inala um poluente por vez ou é exposta a uma condição meteorológica por vez.
Para desvendar e compreender melhor a dimensão dessa relação, pesquisadores do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (ICAQF/Unifesp) – Campus Diadema desenvolveram um modelo de Inteligência Artificial que, a partir de redes neurais artificiais, é capaz de investigar e dimensionar como as diversas variáveis do meio ambiente, como temperatura, umidade do ar e concentração de poluentes influenciam na mortalidade de idosos, especificamente na cidade de São Paulo.
O estudo foi publicado recentemente no periódico International Journal of Environmental Research and Public Health.
“A poluição do ar é o primeiro fator de risco ambiental para a população mundial e seus efeitos não são os mesmos em toda a população, de modo que crianças, pessoas com doenças crônicas e idosos constituem o principal grupo de risco. Para melhor entender o papel da poluição do ar em idosos, com foco na exposição a misturas multipoluentes, definimos a cidade de São Paulo como ponto de estudo, dado o desafio que o local representa em termos de questões ambientais e de saúde pública”, explica Simone Miraglia, professora da Unifesp e uma das autoras do estudo.
Para compreender como diversas variáveis ambientais influenciam na saúde dos idosos, os pesquisadores construíram modelos de Redes Neurais Artificiais (RNAs), algoritmos de aprendizado inspirados no sistema nervoso de organismos superiores.
“Em RNAs, neurônios são distribuídos em uma ou mais camadas inter-relacionadas. Com base nos dados existentes, os neurônios são treinados para estimar as saídas dos dados de entrada. As RNAs têm sido amplamente aplicadas na previsão da qualidade do ar, principalmente no que diz respeito à material particulado, óxidos de nitrogênio e ozônio, com base em variáveis meteorológicas, emissões e dados de tráfego. Eles lidam de forma não linear com um grande volume de dados e possuem alta capacidade de fazer generalizações, o que nos permite estimar resultados de saúde da exposição a poluentes atmosféricos e, especificamente, associar as concentrações desses poluentes e variáveis meteorológicas, como temperatura, velocidade do vento e umidade relativa do ar com mortalidade cardiorrespiratória na população idosa de São Paulo”, detalha a doutoranda Luciana Leirião, que também participou do estudo.
Base para criação de modelos
Para obter as RNAs propostas no estudo, dados sobre horários de qualidade do ar foram obtidos de banco da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) em todas as 18 estações de monitoramento de 1.º de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2019.
Para o cálculo da concentração média diária dos poluentes na cidade de São Paulo, apenas as estações de monitoramento que possuíam dados para toda a série temporal foram consideradas.
Já os dados meteorológicos considerados na investigação foram médias diárias de temperatura do ar, umidade relativa do ar e velocidade do vento, todos obtidos no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo.
Os dados de mortalidade diária por doenças cardiorrespiratórias, por sua vez, foram obtidos no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).
Usando a linguagem de programação MATLAB, vários perceptrons multicamadas (MLP) neurais redes foram projetados. Os modelos foram desenvolvidos sob orientação de Tiago Martins, professor da Unifesp, especialista em inteligência artificial e coautor do estudo.
Martins também atua em pesquisas sobre a aplicação de redes neurais artificiais na medicina e em processos químicos. A concentração diária dos três poluentes e as variáveis foram consideradas como entradas, e a respectiva mortalidade cardiorrespiratória entre a população idosa foi considerada como saída. O primeiro modelo considerou toda a base de dados.
O segundo considerou apenas as observações que ocorreram na estação chuvosa. Por fim, o terceiro levou em conta apenas as observações que ocorreram na estação seca.
Achados do estudo
Os modelos criados por Inteligência Artificial foram capazes de prever a mortalidade por causas cardiorrespiratórias em idosos paulistanos com erro médio inferior a 13% e considerando seis variáveis diferentes, o que é uma inovação na área.
Além disso, destaca Leirião, “pudemos observar que as variáveis atmosféricas com maior peso para a mortalidade são a concentração de material particulado e de dióxido de nitrogênio. Outro achado interessante foi que a baixa umidade relativa do ar durante o inverno desempenha um papel relevante para essa mortalidade, assim como as elevadas temperaturas durante o verão”.
Para a professora e pesquisadora Miraglia, “o estudo é bastante relevante e abre portas para a aplicação de inteligência artificial na busca de solução de problemas cujos meios fisiológicos ainda não são totalmente desvendados. Mais além, ele reforça o impacto das condições climáticas na qualidade de vida e a necessidade de execução de políticas ambientais voltadas à saúde pública, especialmente para a proteção da saúde da população idosa, que é mais vulnerável e que vem crescendo significativamente não só no município de São Paulo, como em todo o país e em todo o planeta”.
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