A futurista Amy Webb apresenta o Relatório anual de Tendências de Tecnologia no SXSW Online. Um estudo que vai mexer com a sua cabeça e a sua existência
Uma das tradições do SXSW é o lançamento do 14º relatório anual de Tendências Tecnológicas Emergentes do Future Today Institute. É uma ocasião especial no evento presencial e também foi nesta edição online. Isso porque essa apresentação é conduzida por Amy Webb, futurista, professora da NYU Stern School of Business e fundadora do Future Today Institute.
Acima disso, Amy é convincente, carismática e provocadora nata. A cada edição, o relatório representa um mergulho profundo em tudo o que está e irá condicionar o uso de tecnologias e a nossa existência futura, do amanhã para os próximos 15 anos.
Este ano não foi diferente. A nossa vivência digital dos últimos meses é apenas um aperitivo do que vem pela frente. No SXSW, a futurista trouxe uma análise baseada em dados para apontar as tendências emergentes que devem estar no nosso radar em 2021 – e mostrou cenários para o futuro dos negócios, governança e sociedade.
“Estou muito grata de estar novamente nessa comunidade global, colaborando com o SXSW. Em 2020, o mundo mudou e se fechou. Aprendemos? Tivemos muitas oportunidade de aprender, 4 meses para aprender e tivemos tempo para nos adaptar, mas fracassamos?”, questiona Amy.
Para ela, 2020 trouxe sinais de mudança que precisam ser reinterpretados. Ela observa que sobrevivemos a um evento inédito, que talvez aconteça uma vez a cada século ou mesmo em alguns séculos e diz que essa experiência pode nos fazer aprender a ser melhores, mais inteligentes e ver nessas mudanças críticas uma influência positiva para conectar as diversas forças transformadoras.
Os sinais que estão presentes em maiores ou menores inovações para reformatar a maneira pela qual transacionamos, nos relacionamos e vivemos.
Segundo Amy, na sua metodologia da “Roda de disrupções”, podemos ser vítimas de surpresas que acontecem o tempo todo. “Perdemos muito tempo avaliando as perguntas das pessoas sobre suas incertezas e vieses acerca do futuro, mas devemos avaliar as novas tensões originadas da convergência entre sinais, forças e comportamentos emergentes”, comenta.
Ela acredita que devemos nos questionar se podemos propor soluções para os problemas que vivenciamos e que foram dramaticamente realçados em 2020. Nesse sentido, o Tech Trends Report 2021 relacionou mais de 500 tecnologias que estão reverberando e sendo pesquisadas para reagir e confrontar a desordem global, em larga medida derivada da chegada da pandemia de Covid-19. Qual foi o efeito disruptivo da pandemia em nossas vidas, em nosso comportamento, negócios, política, educação e saúde?
Amy destacou 3 grupos de tendências que delineiam como as tecnologias combinadas irão modificar nossa percepção e comportamento.
Meu corpo é uma rede
Somos híbridos e iremos cada vez mais nos “digitalizar”, incorporando devices e formas de conexão com artefatos digitais. A ideia é que estamos vendo o nascimento de uma “constelação de artefatos e dispositivos digitais” que irão amplificar nossa conexão com o mundo e conosco.
Amy Webb acredita que exemplos dessa nova conectividade são novos óculos digitais, telas flexíveis, e chips que possam monitorar nossa saúde – uma expansão do que já temos com os smart watches.
A comparação dos dados coletados em dispositivos biométricos diversos será uma metodologia capaz de revolucionar a forma pela qual reagimos e compreendemos nossas emoções e estados físicos.
Um robô chamado Somonex, uma espécie de “robô de sono”, permitirá que possamos dormir melhor, por meio do envio de impulsos elétricos para nosso sistema límbico. Sim, dispositivos digitais capazes de melhorar nossas noites de sono.
É o que se chama de biometria comportamental. Esses novos dispositivos irão se conectar às plataformas de telemedicina, para que nossos dados preliminares ou indicadores de saúde, tensão, batimentos cardíacos, respiração, sono, estejam disponíveis em uma consulta on-line, por exemplo.
Imagine que os utensílios, torneiras e aparelhos de nossas residências sejam movidos por voz. Já mostramos aqui em Consumidor Moderno que a voz é a próxima fronteira da interação. Segundo Amy, conversar com torneiras, aparelhos e utensílios em geral será bastante comum.
Um resumo da tendência do “corpo conectado” aponta para a criação de uma plataforma capaz de criar playlists com ideias e atitudes que possam melhorar nossa performance, o funcionamento geral de nosso corpo e mente. E nesse sentido, quais as implicações éticas e as tensões e impactos que podem derivar da consolidação de nossos dados em plataformas digitais que nos conhecem tão intimamente?
Tecnologia de realidade Assistida
Um conjunto de tecnologias que reimagina a forma como nos conectamos e transitamos pelo mundo físico. Essa é a tendência geral denominada de Realidade Assistida. Um exemplo são aparelhos que emitem frequências diferentes para influenciar, ganhar atenção ou estimular comportamentos de pessoas em diferentes idades.
Amy relata um caso de uma cidade da Filadélfia que aplicou um dispositivo em um parque público para repelir moscas e mosquitos. Outra ideia é a “Realidade Diminuída”, como janelas que reduzem os ruídos internos e externos.
A futurista vislumbra um momento no qual todas as edificações e ambientes terão elementos que “reduzam” a nossa percepção da realidade – diminuir o que podemos ver em um filme para criar tensões, reduzir ruídos diversos e que nos “retirem” sensorialmente da realidade como a percebemos originalmente.
Ver menos, reduzir aromas desagradáveis, ouvir menos ruídos e sons caóticos, manipulando a informação sensorial e perceptiva que nos cerca quando estamos em ambientes diversos.
Uma outra tecnologia radical é denominada de “extensões digitais”, versões sintéticas de cada pessoa, que podem ocupar nosso tempo livre, já disponíveis na forma de vídeos criados utilizando Inteligência Artificial. Assim, podemos moldar versões simples, “diminutas” de nós mesmos para fazer… o que quisermos!
Um desdobramento natural é, claro, será criar chatbots que emulem nossa personalidade e que permitam dialogar com outras pessoas. Um concierge pessoal que tenha plasticidade para “atuar” como você no mundo phygital.
Sim, Amy destacou diversas questões existenciais associadas à Realidade Diminuta: iremos morrer de fato? Nossos avatares “diminutos” poderão manter nossa personalidade e presença viva? E se outro chatbot for criado “copiando” características nossas e utilizá-las de modo pouco ético ou claramente desviante?
A nova desordem mundial
A pandemia de Covid-19 afetou sensivelmente o balanço de poder no mundo. As restrições às liberdades humanas foram adotadas de uma maneira impensável desde o advento das modernas democracias. Mais do que isso, o monitoramento do comportamento individual ganhou evidência inédita.
Sensores verificam nossa temperatura, se mantemos distanciamento social, se estamos tossindo e se iremos utilizar um passaporte de imunização.
Até que ponto devemos renunciar às liberdades individuais em nome da segurança? Por outro lado, não são poucas as tecnologias de hacking visual e algoritmos de reconhecimento que permitem detectar manifestações com grande potencial de se tornarem insurreições.
Metadados, sistemas de reconhecimento, uso da IA e de machine learning para “vigiar” pessoas em “aglomerações” entraram no radar de governos e autoridades nos mais diversos países, China à frente (nenhuma surpresa aqui, por motivos óbvios).
Até que ponto, o combate às aglomerações em nome da saúde não será utilizado como forma de controle social? Nosso comportamento poderá ser vítima de políticas de “Negação de serviço corporativo” (ou C-DOS, em inglês), em que empresas, ao verificar nosso “escore” social, recusam-se a nos fornecer produto ou serviços?
A neutralidade da rede precisa dar lugar à neutralidade da nuvem, que permita uma gestão mais justa da informação coletada a nosso respeito, particularmente aquela associada às nossas manifestações.
Biologia sintética, seleção artificial, uma nova engenharia genética para criar um novo código para a vida dos seres também está associada à Nova Desordem Mundial. Isso porque as implicações éticas do “hackeamento” de nosso corpo impõe questões éticas para as quais nosso arcabouço legal não está minimamente preparado.
Vejamos as técnicas de RNA mensageiro, utilizadas na elaboração das vacinas da Pfizer e da Modern, por exemplo. Essa vacina, ao inocular a vacina com RNA Mensageiro modificado permite “ensinar” células a enfrentar e desenvolver imunidade contra o vírus.
Outra consequência da evolução da biologia sintética é a possibilidade de “imprimir” nosso DNA e então reescrevê-lo com códigos de RNA mensageiro, para curar doenças latentes.
Evidentemente que essas tecnologias convergem e criam zonas de atrito e tensões desconhecidas e de poder imensurável em nossas vidas. As balanças de poder estão completamente descontroladas e em desordem, afirma Amy.
Cenários da tecnologia
Como sempre, Amy traça 3 cenários olhando 15 anos para o futuro. No que ela chama de catastrófico, em 2036, não teremos mais médicos, seremos avaliados e medicados por IAs, que irão nos punir por escolhas erradas em nossa vida. Na melhor visão “Black Mirror”, tudo o que fizermos será julgado, teremos um escore social que permitirá termos ou não acesso a mais e melhores serviços e seremos reféns de nossos corpos monitorados a todo instante.
Um cenário intermediário não ganhou destaque no entender de Amy, pois retrata uma sociedade conformada, desigual, na qual a humanidade permaneceria como que em transe.
O terceiro cenário, denominado “Transformador”, parte de 2021, imaginando a nós mesmos como agentes visionários capazes de criar um futuro melhor. Nosso ativismo, nosso relacionamento com a tecnologia, deve confrontar as questões referentes à nossa liberdade, nosso livre-arbítrio e nossos sistemas políticos e econômicos.
É necessário realmente pensar no tipo de experiência humana que queremos ter e deixar de legado para filhos e netos. A realidade phygital que vai ganhando espaço irá nos consumir em sistemas, sensores, artefatos, dados que mudarão nossa perspectiva do certo, do errado, do risco e da autonomia e responsabilidade pelo que decidirmos? Essa é uma resposta que cada um de nós precisa buscar.
Fonte: Consumidor Moderno
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