O sossego da aposentadoria, idealizado ao longo de uma vida de trabalho, ganhou momentos de estorvo para quem sofre com o assédio comercial de bancos e financeiras. Se valendo do acesso a informações sigilosas, instituições procuram insistentemente os idosos com ofertas de empréstimo consignado.
As empresas que promovem as práticas nem sempre observam as regras de proteção ao sigilo do segurado do INSS. Sem dificuldades, a reportagem esteve em um destes estabelecimentos com o CPF de uma terceira pessoa aposentada. Foi possível fazer simulações de crédito em nome dela, o que é vedado.
De pequenos e médios escritórios, cadastros de idosos são acessados e repassados a quem não poderia receber os detalhes. Até negociações e acertos de empréstimos feitos integralmente pelo WhatsApp podem acontecer: basta informar o CPF de um beneficiário, mesmo sem ser procurador ou sequer parente, e os funcionários das financeiras rapidamente buscam e compartilham itens particulares.
Essas fragilidades e informalidades do sistema facilitam a ação de golpistas. Entre janeiro e abril de 2019, 32% das reclamações encaminhadas por consumidores ao Procon-RS foram feitas por pessoas acima de 51 anos, a maioria delas, diz a diretora Maria Elisabeth Pereira, referente a empréstimos que idosos dizem não ter autorizado.
Ofertas sem parar
A falta de controle sobre informações confidenciais culmina em sucessivas ofertas de crédito consignado: são ligações telefônicas de diferentes lugares do Brasil, algumas feitas até pela madrugada por robôs, além de mensagens de texto e por aplicativos como WhatsApp. Dezenas de contatos em um mesmo dia. Cartas também são enviadas pelo Correio.
Antes mesmo de serem notificados sobre a concessão do benefício pelo INSS, os recém-aposentados são bombardeados pelos bancos e seus correspondentes.
Há casos de pessoas que ficam sabendo da boa-nova ao serem procuradas pelas financeiras, que detêm a informação antecipadamente, incluindo o valor do benefício mensal.
Todos esses detalhes indicam que o sistema bancário está acessando dados privados. De forma ainda não explicada pelas investigações oficiais em curso, instituições financeiras tomam conhecimento de uma aposentadoria antes do beneficiário.
Essa informação é reservada, de registro interno do INSS, e não pode sequer ser publicada no Diário Oficial da União (DOU). As instituições conseguem saber detalhes do contracheque do idoso, endereço residencial e telefone.
De posse dos dados, iniciam uma ofensiva que, conforme a delegada da Polícia Civil Cristiane Ramos, da Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso, pode ser enquadrada como “perturbação de tranquilidade”, prevista na lei das contravenções penais.
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o assédio aos aposentados passa a evidenciar uma situação de maior gravidade quando são acessadas informações sigilosas, que deveriam ser resguardadas pelo INSS.
— Infringe a lei geral de dados pessoais, configura quebra de sigilo bancário. O idoso forma uma população vulnerável e essas práticas geram superendividamento, abrem precedente para muitas fraudes, operações não reconhecidas pelos aposentados, empréstimos não autorizados ou em duplicidade.
Também há casos de consignados já quitados, mas que as financeiras não param de descontar. São inúmeras situações — alerta Ione Amorim, economista do Idec.
Investigação interna no INSS
O INSS aponta a existência de falhas na proteção aos dados, armazenados pelo seu braço operacional, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). O descontrole levou o próprio INSS a abrir uma investigação interna, com apoio do Ministério Público e da Polícia Federal, para averiguar possíveis vazamentos de dentro da instituição. Um dos focos é descobrir como as financeiras ficam sabendo da concessão do benefício antes mesmo do recém-aposentado.
Fonte: Gaucha ZH