Para o uso das plataformas digitais, é bem possível que um expressivo número de alunos e professores estejam preparados. Já com relação ao quesito segurança, além do termo parecer um tanto amplo, a funcionalidade e “valor agregado” tendem a ser os fatores que mais interessam e representam prioridade quando o assunto é “tecnologias educacionais”. Mas este olhar deve mudar e se você ainda não sabe o motivo, entenderá ao ler este artigo.
Por Alessandra Borelli
Cada dia que passa nos surpreendemos mais com os incríveis avanços tecnológicos e, mais ainda, com o potencial que estes vêm representando no universo educacional.
A partir de novos recursos e oportunidades, professores inovam suas metodologias e estratégias pedagógicas. Graças a plataformas educacionais, transformam significativamente o processo de ensinar e, por conseguinte, o de aprender.
O fácil acesso à informação, a possibilidade de interação entre alunos e professores, as descobertas e trocas de conteúdos pedagógicos relevantes, inovadores e, ainda, o inimaginável ensejo de contínua e “automática” avaliação de desempenho, não somente tendem a otimizar exponencialmente os resultados, como também, implementar práticas cada vez mais customizadas e centradas no aluno.
Contudo, sempre que optamos por gozar dos benefícios das novas tecnologias, seja por meio de um aplicativo, plataforma, site ou, até mesmo, quando desejamos usufruir do acesso a determinada informação ou meio de entretenimento oferecido, por exemplo, através de um jogo online, concordamos, inequivocamente, que dados pessoais – que nos identificam ou nos tornam identificáveis, sejam coletados e tratados.
E se pensarmos que os dados pessoais a que se referem são de titularidade de crianças e adolescentes? Sim, um sinal de alerta, ainda maior, deve soar.
Antes de tudo, vale lembrar que, em termos legais, crianças são sujeitos de direitos, como quaisquer pessoas.
Aliás, considerando sua condição peculiar de ser em desenvolvimento, fazem jus a um tratamento diferenciado, não sendo exagero afirmar que dispõem de mais direitos que os próprios adultos.
Nesse sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas em 1989 e vigente desde 1990, acolhe a “concepção do desenvolvimento integral da criança”, reconhecendo-a como verdadeiro sujeito de direito, que exige proteção especial e absoluta prioridade.
No que tange ao dever de garantir sua privacidade, o artigo 16 do documento é claro ao dispor que a lei deve protegê-las de ataques ilegais a sua forma de vida, família, lar, honra e ao bom nome.
Diante desta ampla e indiscutível preocupação, podemos afirmar que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira, sancionada em agosto de 2018 e com início de vigência previsto para agosto de 2020, representa mais um importante marco legislativo em defesa dos direitos da criança e do adolescente, já que dedicou o artigo 14 para assegurar, com especial atenção, a privacidade deste grupo.
Essa proteção específica deverá aplicar-se, nomeadamente, à utilização de dados pessoais de crianças e adolescentes para efeitos de comercialização ou de criação de perfis de personalidade, bem como ao recolhimento de dados pessoais em relação às mesmas, quando da utilização de serviços, online ou off-line, oferecidos diretamente a elas.
Vale destacar que, nos termos da LGPD, sigla que abrevia a denominada Lei Geral de Proteção de Dados brasileira, tudo o que se refere a dados pessoais, não somente de crianças e adolescentes, deve submeter-se à norma.
Devem ser consideradas as bases de processamento estabelecidas no artigo 7º sempre e antes de se coletar quaisquer informações relativas a uma pessoa singular identificada ou identificável, seja adulto, criança ou adolescente, seja de forma física ou digital.
Uma dessas bases de tratamento é o consentimento. Em poucas palavras, aos usuários deverá ser conferido o pleno direito de saber para qual finalidade exata seus dados estão sendo coletados, como serão tratados, onde serão armazenados e como serão apagados quando por seu titular assim for solicitado.
Logo, se para funcionalidade e eficácia plena de uma plataforma educacional, determinados dados pessoais forem imprescindíveis, a transparência acerca do propósito da coleta dos dados é uma condição fundamental para o seu tratamento, assim como o consentimento.
Ainda importante destacar que referida lei deixa claro que o uso de dados, além do necessário e fora do estabelecido com o usuário, passa a ser considerado ato ilícito e passível de punição, assim como o seu armazenamento quando estes dados não têm mais utilidade.
Tendo, pois, a escola um papel tão importante no desenvolvimento do ser humano e onde se passa a maior parte da infância e da adolescência, não poderia deixar de inovar.
Inovar na introdução das novas tecnologias da informação e comunicação à proposta pedagógica, inovar no uso das ferramentas tecnológicas que otimizam processos administrativos e educacionais, além de, claro, inovar capacitando discentes e docentes para o melhor e mais seguro proveito de tudo o que vem sendo continuamente oferecido nesta nova era.
Aliás, podemos dizer que uma instituição de ensino efetivamente preparada para os desafios da era digital é aquela que compreende o quão invasivo e violador pode ser o compartilhamento ou o vazamento de dados pessoais, dos quais dispõe por força da relação estabelecida com seu aluno.
Coletar, armazenar, tratar, processar dados pessoais de terceiros requer muita responsabilidade, sobretudo quando se trata de dados de crianças e adolescentes.
Professores, famílias e os próprios alunos precisam estar plenamente cientes sobre cada um dos propósitos que justificam a coleta de seus dados e a forma como eles serão utilizados.
Ainda sob este aspecto, importante esclarecer que, uma vez coletados dados de alunos para uma finalidade específica, seu aproveitamento para outro propósito não expressamente definido e apresentado quando da obtenção do consentimento da coleta é visto, à luz da LGPD, como um ato ilegal.
Daí a importância de, a partir do disposto na norma, verificar se todos os dados coletados e dos quais atualmente dispõem para o uso de plataformas digitais são, de fato, imprescindíveis ao cumprimento de seu objetivo maior. Na oportunidade, devem desenvolver mecanismos e diretrizes que garantam a coleta somente daqueles dados necessários e sua segurança.
Ou seja, por mais habitual e aparentemente inofensivas que determinadas práticas possam parecer no âmbito escolar, podem ser consideradas abusivas de acordo com o que dispõe a LGPD.
Para estar em conformidade com a LGPD, todo e qualquer projeto deverá ter como prioridade, não só a sua utilidade e valor agregado, mas a proteção dos dados pessoais e da privacidade dos envolvidos.
Da mesma forma, toda inovação que demande o acesso a informações pessoais, deve ter como preocupação principal a garantia, aos titulares, da segurança e proteção necessárias.
A ideia é que o risco à privacidade seja sempre considerado, de forma que medidas de prevenção sejam contínua e cuidadosamente adotadas.
Outro ponto que merece especial atenção é sobre conhecer os fornecedores dos serviços que contribuem para a inclusão digital e fomentam a utilização das inúmeras ferramentas e possibilidades que prometem deixar o processo ensino-aprendizagem mais dinâmico, interativo e customizado.
Isso fará toda a diferença. Certificar-se de que estão alinhados com as exigências da LGPD é imprescindível para mitigar riscos de incidentes e comprovar a diligência de quem contratou o serviço.
Diante do atual cenário, é fundamental que se comece a praticar, desde já, além do dever social de conscientização geral acerca do tema, também o dever legal de implementar todas as regras estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados, já que as sanções previstas na norma independem de incidentes de segurança ou vazamentos. Ou seja, para estar sujeito às advertências ou multas, basta agir em desconformidade com a mesma.
Alessandra Borelli é uma das palestrantes da extensa grade de conteúdo da Bett Educar, o maior evento de educação e tecnologia da América Latina, que acontece de 14 a 17 de maio, no Transamerica Expo Center, em São Paulo. O evento conta com congresso voltado a educadores, um Fórum de Gestores e reúne mais de 22 mil visitantes qualificados do setor de educação de 18 países.
*BORELLI, Alessandra – OAB/SP 201535, Diretora Executiva Nethics Educação Digital e Opice Blum Academy.
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