O Blockchain aplicado à gestão hospitalar tem apresentado inúmeras vantagens, como o potencial de melhorar o compartilhamento de dados
Por Felipe Teles
Quando o assunto é segurança e proteção de dados pessoais, entra em cena uma série de fatores relacionados à assistência e proteção do paciente
Certa vez atendi uma paciente que tomou uma decisão muito severa quando descobriu o câncer: manteria o quanto pudesse a notícia em segredo, tendo apenas o marido como único confidente. Colegas de trabalho e até mesmo os filhos ficaram surpresos quando ela contou que já estava, inclusive, encerrando as sessões de radioterapia – não pode mais manter sigilo pois já estava com uma cirurgia marcada. Curioso, perguntei o motivo de tal decisão.
“Doutor, as pessoas olham diferente para quem tem câncer. Ficam com pena, os parentes choram. Eu não queria me sentir daquela forma.“
Infelizmente, o câncer ainda é uma doença muito pouco conhecida pela sociedade. É justamente a desinformação que leva ao preconceito. Porém, as pessoas têm direito constitucional de não publicar suas enfermidades.
Afinal, todo o mercado está sob a vigência da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). E os hospitais ainda são as entidades que enfrentam os maiores desafios na adaptação tecnológica para garantir a segurança das informações.
O Blockchain aplicado à gestão hospitalar tem apresentado inúmeras vantagens: potencial de melhorar o compartilhamento de dados (gerenciamento de consentimento e aplicação de políticas de controle de acesso) e utilização em pesquisa médica, bem como para alcançar a otimização da cadeia de abastecimento farmacêutico, trazendo propriedades tais como transparência, rastreabilidade e imutabilidade nos formulários.
No entanto, o Blockchain não pode garantir a privacidade e segurança dos dados.
Assim, nunca é proposto como um sistema autônomo de tecnologia, mas combinada com técnicas criptográficas. Pensando de forma mais capilar, a validação de dados via blockchain restringe aos profissionais da assistência uma miríade de informações que poderiam colocar em risco as informações dos pacientes caso caíssem em domínio público.
De forma simplificada, pelo blockchain o paciente oncológico é detentor de uma criptomoeda com suas informações de saúde que só podem ser autenticadas pelos médicos e equipes autorizadas.
Com a integração de novas ferramentas voltadas para amparar o diagnóstico, como a Inteligência Artificial, a tecnologia blockchain permite também a confiabilidade do cruzamento de dados. Vamos explicar: o blockchain agrupa os dados em blocos imutáveis e interligados de forma encadeada.
Os blocos são adicionados à rede após a validação feita por outros computadores, ação executada por algoritmos de consenso. Em seguida, o bloco é assinado com a função criptográfica Hash, ampliando exponencialmente a segurança das informações (devido à propriedade determinística da função hash, pode-se facilmente verificar se o conteúdo do bloco foi modificado comparando-o com o identificador do bloco subsequente).
Ou seja, os dados pessoais dos pacientes ficam imersos em uma cadeia com barreiras de segurança de alto nível e com uma criptografia que impede a alteração documental. Como isso está diretamente ligado à segurança do paciente oncológico?
Pois bem, o setor Saúde está passando por um profundo processo de digitalização e compartilhamento das informações assistenciais. Imagine, por exemplo, se um determinado paciente recebe uma dosagem errada de quimioterapia ou se, por conta da alteração dos dados do prontuário eletrônico, essa pessoa é submetida a exposições de radioterapia que podem comprometer o tratamento e sua integridade física. Com a segurança do blockchain associada à criptografia isso se torna quase impossível.
Hospital de Barretos
No tratamento oncológico, a confidencialidade entre médico e paciente é determinante para uma relação mais humana. Por isso, outra vantagem do Blockchain é a redução de sequestro de dados por hackeamento.
Um caso para estudo: o ciberataque no Hospital do Câncer de Barretos, em 2017, que impôs a suspensão de 3 mil consultas e exames. O prejuízo foi também sentimental: afinal, muitas personalidades famosas estavam em tratamento naquele hospital e faziam de tudo para divulgar o estado de saúde.
Discorrer sobre os benefícios do blockchain à Saúde e, especificamente, à oncologia demandaria tratados e mais tratados. Mas, até que ponto essa tecnologia ainda será provedora de tamanha segurança para os dados pessoais?
Está aí outro grande desafio do setor: muitos hospitais ainda desconhecem esse processo de criptografia e, por isso, não atualizam seus parques tecnológicos. Justamente por isso essas entidades sofrem com a dualidade da revolução tecnológica, na qual a velocidade de transformação é muito superior à de adaptação.
Sobre Dr. Felipe Teles
Felipe Teles é radioncologista, membro titular da Sociedade Brasileira de Radioterapia, especialista em Gestão Hospitalar com experiência em hospitais da Espanha e do Brasil. Também é responsável técnico pelo departamento de radioterapia do Instituto do Câncer do Complexo Hospitalar Imaculada Conceição – Curvelo, Minas Gerais.
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