Estamos no fim da fila.
Literalmente.
Por Maramelia Miranda *
Sou médica neurologista, atuo na cidade de São Paulo em três dos hospitais tops da cidade (dois privados e um público), e no meu consultório privado. Sou uma leiga em TI, digamos, esforçada, tentando entender as novas tecnologias de TI em Saúde.
Comecei a estudar mais sobre a certificação digital há uns 4 ou 5 anos quando meu irmão, que é magistrado, me “apresentou” pela primeira vez uma leitora de cartão.
Ali, comecei a imaginar o quanto aquela pequena coisa poderia mudar as minhas atividades no futuro (ou neste presente?!), em um universo além das conhecidas ferramentas de PEP (prontuário eletrônico de paciente) que começavam a ser implantadas em diversos hospitais.
Estou acompanhando de perto.
Quase todos os grandes hospitais de São Paulo hoje possuem implantados sistemas, dos mais diferentes de PEP… E aí está um dos problemas (PEPs diferentes…). Dois dos meus hospitais de atuação já dispõem de PEPs. Mas não uso certificação digital em nenhum. Apenas a “assinatura eletrônica” deles (login/senha e pronto)…
O último hospital que ainda está em folhinhas de papel, vai finalmente colocar o PEP no ar, apenas no final do ano de 2015, após complexo processo decisório e fechamento com um programa estrangeiro.
O processo foi longo e difícil, primeiro pela dificuldade de se encontrar um programa que conseguisse englobar todas as necessidades da organização.
Segundo, pela alta resistência a esta nova tecnologia por parte da classe médica, sobretudo dos mais velhos, acostumados à atuação profissional “antiga”, com registro e prescrição médicas manuais.
O novo não é fácil de ser absorvido.
Para médicos, pior ainda, eis uma classe muito, muito resistente às mudanças.
Veja como exemplo a questão da Telemedicina, tecnologia que poderia ser imensamente explorada num país como o nosso, continental, onde faltam especialistas em lugares distantes.
O maior exemplo desta resistência parte do nosso próprio conselho de classe, que ainda não permite a atuação médica totalmente por meio desta modalidade, sobretudo em certas especialidades, onde é perfeitamente possível o atendimento exclusivamente remoto.
Nos EUA, isso já é realidade há alguns anos.
Quanto à certificação digital, percebo a mesma história.
Não tenho nenhum colega médico que possui seu token. Onde eu deveria ter a certificação digital para poder assinar meus registros e prescrições do PEP sem precisar imprimir tudo, não a tenho, porque o hospital prefere economizar com os certificados digitais aos médicos, e escolheu gastar mais em impressos, tintas, papel e logística da gestão dos prontuários, pois do ponto de vista legal, para o CRM e CFM, a legislação de guarda de prontuários exige o que este esteja ainda em papel, quando não se tem as certificações digitais correspondentes.
E assim sigo eu, usando PEPs por aí, e precisando sempre imprimir, assinar e carimbar.
Aliás, falando no velho carimbo, nada menos autêntico nesta minha vida do que o meu carimbo, que pode ser feito em qualquer esquina, sem vistoria, sem cobrança de documentos ou verificação da autoria de quem o mandou confeccionar… Triste realidade. O pior: Ele vale! Meu carimbo vale em todo lugar. Poderoso!!! Da farmácia ao laboratório, do relatório usado em processos judiciais ao atestado médico no trabalho dos pacientes.
Meu sonho?
Mandar as receitas dos meus pacientes por email, diretamente a eles, e estes às farmácias de sua preferência.
E depois, o farmacêutico receber o email, assinado digitalmente, e aviar o remédio para meu paciente.
Assim, não preciso fazer mais uma receita, carimbar, assinar, deixar com minha secretária, e meu paciente atravessar a cidade para pegar uma folha de papel A5, porque a certificação digital simplesmente “não pegou” na área médica. Ou porque as farmácias não aceitam desta forma, mas tão somente com o maldito carimbo que qualquer pessoa pode fazer por aí usando meus dados. Ah!
A vigilância sanitária também não aceita, e o laboratório também não. Ou seja, todo o sistema não está, realmente, preparado para isso.
Esse sonho se tornou realidade em março de 2020!
A prescrição médica eletrônica assinada com certificado digital ICP-Brasil já é realidade!!
Outros sonhos?
Mandar atestados diretamente aos pacientes e estes aos seus trabalhos. Mandar relatórios aos meus pacientes com assinatura digital. Mandar pedidos de exames médicos por email, aos laboratórios. Me livrar daquelas pilhas de papel nos hospitais… Afinal, para que um PEP tão maravilhoso e cheio de links, formulários, integração e padrões de registros, se você precisa imprimi-lo inteiro!? Muita tolice.
Por último:
As autoridades certificadoras e de registro deveriam procurar simplificar mais os processos de pedidos e instalações das certificações. Para leigos, penso que o processo ainda é complexo. Falta um mínimo de suporte pós-venda, que auxilie o comprador do certificado no passo-a-paso da instalação. Me parece que eles não assistiram a aulinha sobre o princípio de “baby-steps”, tão comentado quando falamos em absorção de novas tecnologias… Eu mesma passei dois dias penando, pra conseguir o meu token funcionando corretamente.
Será que algum dia vou parar de sonhar e acordar para uma nova realidade?
* Dra. Maramelia Miranda
Neurologista vascular, ligada a 220V em novas tecnologias na área médica, e editora do blog iNeuro.com.br.
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