Por Eduardo Prado* e Marcos de Carvalho**
Microcefalia: oportunidade de usar big data para rastrear epidemias no Brasil
Veja a forma inusitada como uma nova epidemia foi detectada recentemente no Brasil , duas neuro-pediatras pernambucanas Ana Van Der Linden e Vanessa Van Der Linden (respectivamente mãe e filha) foram as primeiras médicas que avisaram as autoridades de saúde que estava acontecendo alguma coisa diferente no Recife, e que os casos de uma nova morbidade infantil estava ocorrendo pois as ocorrências da doença estavam em número muito alto.
As duas médicas trocaram informações, perceberam o tamanho do problema e avisaram à Secretaria Estadual de Saúde do Recife. Esse aumento de casos do novo surto aconteceu desde setembro de 2015. Foi assim dessa maneira “informal” e, sem nenhum suporte tecnológico, que foi detectada uma terrível epidemia no país. Do que estamos falando?
Estamos falando do surto de Microcefalia no nordeste do Brasil [1]. Essa “informalidade” de um surto tão grave poderia ser minimizada se a gestão federal de saúde no Brasil fosse dotada de procedimentos e tecnologias modernas como o big data para rastreamento de epidemias! As autoridades federais de saúde precisam ter instrumentos mais automatizados para detectar epidemias (como, dengue que é a nossa “parceira íntima” em todo o verão) de forma menos “heurística” do que ocorreu com este surto de Microcefalia.
A tecnologia de big data [2] já é uma realidade no mundo – embora ainda esteja “engatinhando” no Brasil – e os especialistas de saúde entendem que ela vai transformar a medicina e o tratamento das doenças [3] e [4]. Além disso, a tecnologia de big data será o grande “driver” na genômica (para manipulação do sequenciamento do DNA) [5] e na medicina personalizada [6] e [7]. Essa tecnologia vai tirar o “gap” tecnológico de 20 anos da saúde! [7.a].
Nesse caso do surto de Microcefalia, o Ministério de Saúde decretou “situação de emergência em saúde pública” [8] e [9] em função do surto e está considerando uma forte relação da morbidade com o Zika Vírus que provoca a febre Zika [10] mas, até agora, o Ministério não tem uma posição definitiva sobre o que – de fato – está provocando o terrível surto. Em 26 de novembro de 2015, o número oficial do Ministério da Saúde de microcefalia chegou a 739 casos [11] espalhados por vários estados da Região Nordeste (Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauí, Alagoas, Ceará e a Bahia) e de Goiás. [11.a]
O Brasil já convive anualmente, no verão, com o problema perene da dengue e, durante outras épocas do ano, com efeitos de gripe em maior ou menor escala. Não nos consta que o país (pode ser que estejamos enganados) tenha adotado o uso de tecnologias modernas (p. ex., GIS, telefonia móvel, redes sociais, big data, genética, entre outras) para monitoração de epidemias.
Acreditamos que com a chegada desse novo surto de Microcefalia – desconhecido por nós no estágio de epidemia, o Governo Federal poderia começar a investir em novas tecnologias que posteriormente poderiam ser aprimoradas “anualmente” com a já nossa já “parceira” dengue e, dessa forma, estaríamos MAIS preparados para enfrentar novas epidemias no futuro e não ficar “correndo atrás do rabo” como estamos fazendo no caso da microcefalia, com “pérolas” do tipo: “Sexo é para amadores, gravidez é para profissionais” [12].
A recente evolução da tecnologia de big data e o seu papel diferenciado em diversos segmentos de negócios, e em particular na área de Saúde Pública, tem motivado nos últimos tempos a utilização de big data no rastreamento de epidemias.
O surto do vírus de Ebola no ano passado ofereceu fortes evidências do papel importante que a tecnologia de big data poderia desempenhar no rastreamento de epidemias. Essa tecnologia, então, estreou como uma ferramenta eficiente no rastreamento do surto de Ebola na África que começou em março de 2014 [13] e [14].
Ebola não é a única epidemia de saúde para qual a tecnologia de big data está provando ser uma ferramenta útil. A gripe é outra doença que big data está ajudando monitorar e abater. Quando uma recente epidemia de gripe ocorreu em Boston e Nova York infectando centenas de pessoas e chegando a matar 18, os desenvolvedores de aplicativos e funcionários da saúde “pediram ajuda” à tecnologia de big data [15].
Um componente muito diferenciado no rastreamento de epidemias é a genômica. A aplicação da genômica em doenças infecciosas pode ajudar a identificar onde surtos das doenças infecciosas na verdade começam. Um bom exemplo disso foi o trabalho de “detetive” empreendido para responder a um surto de sarampo durante os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010 [16]. Usando sequenciamento completo do genoma (WGS = “Whole Genome Sequencing”), Gardy e seus colegas foram capazes de identificar exatamente muitos dos casos relatados (30 de 82). Um achado importante foi que havia mais de um tipo de vírus do sarampo envolvido no surto da doença infecciosa.
Enquanto genotipagem tradicional para o vírus do sarampo tem focado nas sequências de fosfoproteína e hemaglutinina, dois genes específicos utilizados para distinguir isolados, Gardy e seus colegas mostraram que não existiam variações adicionais em outros genes de sarampo que poderiam ser usados para uma definição mais precisa das linhagens virais.
A ideia de monitorar epidemias atrás do uso dos dados das ocorrências de um surto, não é nova e começou com o inglês John Snow no famoso surto de cólera em 1854 na cidade de Londres [17]. John Snow empregou – pela primeira vez – de maneira eficiente a coleta, organização e análise de informações sobre uma epidemia. Posteriormente reconhecido como o pai da epidemiologia moderna, ele lançou as bases para o uso de dados sobre a ocorrência de uma doença [18].
Desde o trabalho de Snow em Londres ocorreram diversas inovações nas técnicas usadas para detecção de micro-organismos patogênicos e na correlação dos dados de diagnóstico com padrões de ocorrência de diversas doenças, assim como, nas técnicas de análise epidemiológica. Atualmente, contudo, a disponibilidade de dados de sequenciamento de DNA em larga escala a baixo custo alicerça uma nova revolução na área. As técnicas de genômica aplicadas ao diagnóstico molecular em larga escala possibilitam realizar análises microbiológicas em larga escala, sejam de micro-organismos como bactérias, fungos ou vírus, a um custo ordens de grandeza inferior às técnicas tradicionais, ao utilizar otimizações específicas no preparo de amostras e sequenciamento.
Esta nova tecnologia de diagnóstico que usa como base a genômica, possibilita a identificação em paralelo de todas as espécies presentes em uma determinada amostra e não apenas uma espécie ou grupo de micro-organismos por vez, como as técnicas tradicionais. Adicionalmente, o uso de tecnologias genômicas para o processo de diagnóstico molecular de micro-organismos tem outras vantagens como maior sensibilidade e especificidade.
Porém um dos seus maiores destaques é a grande quantidade de dados gerados a cada análise de DNA. É comum produzir dezenas de gigabytes de dados a cada lote de análises, que incluem não somente dados qualitativos, ou seja, quais micro-organismos foram identificados, mas também dados quantitativos, informações sobre resistência a antibióticos e outras drogas, fatores de patogenicidade e dados que permitem rastrear a origem de um determinado surto, bem como realizar a “tipagem” dos micro-organismos envolvidos.
Todos estes dados, combinamos com avançados algoritmos de bioinformática e mineração de dados que permitem traçar um panorama completo sobre surtos, ocorrência de doenças emergentes, a dinâmica de uma determinada patologia e construir assim um painel de informação crucial a profissionais de saúde e tomadores de decisão no contexto da saúde pública. Aqui também temos – além do poder da análise preditiva da tecnologia big data – uma grande importância dessa tecnologia na manipulação do grande volume de dados gerados no sequenciamento. Normalmente, o sequenciamento de um genoma – mesmo não completo – produz uma avalanche de dados que não é de fácil manipulação [19].
Atualmente o “campeão de audiência” de sequenciamento é a tecnologia Illumina [20] dos EUA mas já temos também dispositivos inovadores como o dispositivo portátil MinION [21] da britânica Nanopore Tecnologies que está sendo testado em epidemia de Ebola da África.
A tecnologia genômica aplicada a microbiologia e epidemiologia possibilita ir além da “genialidade” de John Snow, permitindo pela primeira vez que a humanidade responda rapidamente à constante ameaça de epidemias com as melhores ferramentas disponíveis: informação e conhecimento!
O poder da utilização do sequenciamento de genoma para a rápida identificação de patogenia viral é gigante [22]. Dessa forma, constatamos que a tecnologia big data combinada com o sequenciamento de genoma é um “tiro de canhão” no rastreamento “profissional” de epidemias na atualidade. E veja você: não estamos falando de devaneios futuristas. Esta tecnologia atualmente já está disponível, viu?!
Esperamos que com esta epidemia de Microcefalia na Região do Nordeste do Brasil, as autoridades de saúde do Brasil acordem para montar uma infraestrutura computacional adequada para rastrear epidemias, quem viver verá algum dia, who knows!
é por isso que o CryptoID apoia o uso da tecnologia na medicina e sempre publica materiais relacionadas ao assunto.
[**] Marcos de Carvalho, Diretor Sócio da Neoprospecta
Fonte: Convergência Digital
Referência
[1] Vídeo: Especialistas investigam aumento de casos de microcefalia no Nordeste, Programa Fantástico, 22.nov.2015
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/11/especialistas-investigam-aumento-de-casos-de-microcefalia-no-nordeste.html
[2] Big Data, Wikipedia
https://en.wikipedia.org/wiki/Big_data
[3] The role of big data in medicine, McKinsey, November 2015 #healthcare
http://www.mckinsey.com/Insights/Pharmaceuticals_and_Medical_Products/The_role_of_big_data_in_medicine?cid=digital-eml-alt-mip-mck-oth-1511
[4] Why Big Data Will Play a Big Role in #Healthcare, Centric Digital, 30.oct.2015
http://centricdigital.com/blog/digital-trends/big-datas-big-role-in-healthcare/
[5] Video: Leading in Biomedical Revolution, Big Data in Biomedicine Conference, Llloyd Minor MD, Dean School of Medicine, Stanford University, May 2015