Por Renato Opice Blum
Lamuriosos, mais uma vez assistimos às facilidades da Web serem deploravelmente desvirtuadas pelo lado caliginoso do ser humano. De forma crescente, os meios tecnológicos têm sido utilizados para a disseminação de informações e notícias propositadamente falsas, conhecidas como fake news.
As motivações para a prática são, obviamente, torpes: interesses econômicos dos caça cliques, intenção de macular a imagem de terceiros ou, simplesmente, prazer injustificável de levar boatos ou notícias “bombásticas” adiante.
Referido comportamento reprovável tem transformado a Rede em um campo minado, fazendo com que pessoas de boa fé sejam envolvidas como vítimas ou, desavisadamente, colaboradoras nos processos de viralização de conteúdo enganoso. As implicações jurídicas, evidentemente, são diversas.
No tocante aos aspectos penais, caso a divulgação da notícia falsa seja praticada com ciência do embuste e intenção de ofender alguém, poderá configurar crime contra a honra: calúnia, injúria ou difamação, conforme previsão do Código Penal. A disseminação de informação capaz de gerar pânico ou desassossego público, por sua vez, é tipificada pelo artigo 30 do Decreto-lei 4.766/42. Provocar alarme, anunciar desastre, perigo inexistente, ou praticar qualquer ato apto a produzir pânico são condutas classificáveis como contravenção penal, nos termos do artigo 41 da Lei de Contravenções Penais.
Entretanto, se as implicações penais atingem apenas os que, dolosamente, espalham falsidades pela Internet, os efeitos civis podem ser mais abrangentes, alcançando também aqueles que, de forma imprudente, compartilham informações inverídicas. Isto porque, de acordo com o Código Civil, qualquer pessoa que causar prejuízos (materiais ou morais) a outro, ainda que por negligência ou imprudência, comete ato ilícito, passível de responsabilização (pagamento de indenização, multa em caso descumprimento, retratação, etc).
Ou seja: mesmo que a pessoa não tenha a intenção de causar danos, se não agir com razoável diligência para confirmar as informações que compartilha, em especial aquelas que atribuem fatos ou falas a terceiros, poderá ser chamada a responder por eventuais danos causados.
Neste cenário, mais uma vez a educação do internauta tem papel fundamental. Se entendermos que a censura é algo a ser evitado, cabe então, a cada cidadão exercer seus direitos na Internet com bom senso, fazendo com que os boatos minguem ao esbarrar em mentes prudentes.
Os provedores de aplicações, ademais, precisam fazer a sua parte. Embora alguns até possuam mecanismos para a contenção de material ardiloso, providências técnicas vigorosas devem ser disponibilizadas aos usuários e anunciantes (que podem ter a imagem manchada pela associação indireta com este tipo de prática) para desincentivar o mercado negro de produção de fake news. É necessário separar o joio do trigo e fulminar as vantagens econômicas advindas de audiência às notícias fake, para que a finalidade social da Rede, registrada pelo Marco Civil da Internet, seja viabilizada.
A Imprensa também tem a sua tarefa: o resgate da credibilidade, na era da crise da informação, carece do comprometimento dos veículos de comunicação social. Considere-se, ainda, que a lei 13.188/15, disciplinando o direito de resposta, repudia claramente conteúdos atentatórios à honra, intimidade, reputação, nome, marca ou a imagem de pessoas e empresas.
Finalmente, Poder Público não pode se esquivar: o Marco Civil da Internet estabelece ser dever do Estado a capacitação para o uso seguro, consciente e responsável da Internet.
Ao que nos parece, portanto, somente a concatenação urgente de medidas técnicas, sociais e políticas poderá preservar a reputação da Internet como, preponderantemente, uma fonte saudável de informação, e conhecimento.
Afinal, “cientistas confirmam método 100% eficaz: a atuação conjunta da Sociedade pode diminuir a incidência de notícias falsas.”
*Dr. Renato Opice Blum – Advogado e Economista; Coordenador do curso de Direito Digital do INSPER