Por Anderson dos Santos Araújo
A primeira fase da implementação do open banking no Brasil já iniciou e com ela, gera-se uma grande expectativa de disruptura no mercado de prestação de serviços bancários, com grande inspiração em modelos existentes em outros países.
Como exemplo, em 2018, o Reino Unido iniciou sua pretendida revolução no sistema financeiro, que começou a ser desenhada a partir do regulamento Europeu sobre pagamentos eletrônicos (Payment services (PSD 2) – Directive (EU) 2015/2366) e do relatório elaborado pela autoridade de regulação do mercado financeiro britânico (The Competition and Markets Authority (CMA)).
Criou-se, para tanto, um grupo com as maiores instituições financeiras em termos de gestão de contas correntes (CMA 9), para desenvolvimento e implementação da iniciativa. Outros países já estão em fase de discussão quanto à implementação do modelo, como é o caso da Austrália, Canadá, Índia, México e outros.
A ideia do open banking é uma resposta à demanda mundial pela reestruturação dos serviços financeiros, com objetivo principal de melhorar a oferta de produtos e serviços aos consumidores, garantindo aos clientes o direito à portabilidade de dados, bem como acesso e uso dessas informações por terceiros, mediante consentimento. O propósito é abrir o mercado e estimular a redução de taxas, além de estimular a criação de novos produtos e serviços, por meio de parcerias e concorrências.
Significa dizer que os titulares das informações passam a ter o arbítrio de autorizar que terceiros acessem suas informações financeiras para oferecer produtos ou serviços relacionados, através de tecnologia aberta e que possibilita tal interação entre consumidores, bancos e fintechs. A referida tecnologia é conhecida como Application Programming Interfaces (APIs) e já funciona em muitas aplicações utilizadas em larga escala na internet, como por exemplo, nos sites de empresas que por meio de uma interface, utilizam aplicações com mapas desenvolvidos por terceiros, para indicar a localização física de suas respectivas sedes.
Assim, pode-se dizer que a concepção de abertura do mercado financeiro não parece somente vantajosa às fintechs, mas também aos grandes conglomerados financeiros. A experiência observada em outros países mostrou que as instituições financeiras têm muito a aprender com as fintechs, em termos de criação e desenvolvimento de aplicações com novos produtos e serviços, desenvolvidas em menor tempo e com considerável nível de segurança e performance.
No Brasil, o Banco Central considera o open banking um verdadeiro compartilhamento de dados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas, apostando na aplicação desse sistema para forçar a abertura do mercado e estimular a inovação, bem como a redução das taxas de juros.
A implementação foi regulamentada pela Resolução Conjunta Nº 1, de 4 de maio de 2020 (BACEN) e determina como obrigatória a participação das instituições enquadradas nos Segmentos 1 (S1) e 2 (S2), de que trata a Resolução nº 4.553, de 30 de janeiro de 2017.
Essas instituições já foram listadas, no Comunicado n° 36.480 de 4/12/2020 e abrange as maiores instituições financeiras que oferecem produtos e serviços no País.
Restou estabelecido pelo Banco Central do Brasil, um modelo de implementação que compreende quatro fases, sendo as seguintes: i) compartilhamento de dados de produtos e serviços oferecidos pelas instituições participantes (ex. pontos de atendimento, termos e condições contratuais etc.); ii) compartilhamento de dados cadastrais dos clientes (ex. nome, filiação, endereço etc.); iii) compartilhamento dos dados transacionais dos clientes (ex. dados de contas de depósito, operações de crédito etc.) e; iv) compartilhamento de dados dos serviços de pagamentos (ex. transferências de fundos, pagamentos de produtos etc.).
Em decorrência da pandemia do Covid-19, a primeira fase somente teve início em fevereiro de 2021, com expectativa de que todas as demais etapas sejam finalizadas no mesmo ano.
Não há como negar que as discussões que resultaram na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei Nº 13.709/2018, também serviram como estímulo para a implementação do open banking, em território nacional. Não haveria como ser diferente, uma vez que a concepção do modelo de compartilhamento de informações entre as instituições financeiras, demanda por uma regulamentação sólida, em relação à privacidade dos dados dos usuários.
É justamente por isso que muitos desafios surgem com a implementação dessa proposta no Brasil, não se olvidando que as instituições bancárias terão de prover grandes investimentos para formatação de um ambiente tecnológico seguro e confiável, além de investimento em treinamentos, equipamentos e pessoas, tudo isso, a fim de efetivar a mudança proposta pelo novo sistema.
Neste sentido, há de se considerar como pilares principais de sucesso e sustentação dessa concepção de abertura financeira: i) a segurança das plataformas e ii) a experiência do consumidor, alicerces sem os quais não há como se conceber a confiança em uma integração que se propõe utilizar do ambiente virtual para prover, incentivar e criar novos produtos e serviços, voltados às transações de moedas, pagamentos, análises de créditos etc.
Por esse motivo, chama-se atenção de pronto, quanto ao aspecto legal que envolve o modelo de compartilhamento de dados, uma vez que é necessária a estrita observância ao art. 46, §2º da Lei Nº 13.709/2018, considerado como o correspondente implícito do privacy by design, adotado pela legislação de dados europeia (GDPR). Desde sua concepção, as aplicações desenvolvidas pelos bancos e fintechs devem ser formatadas a partir de uma estrutura que garanta a privacidade do titular dos dados e operações.
Noutro giro, o empoderamento do consumidor, nas relações decorrentes desse ecossistema, não decorre só dos princípios insculpidos no art. 6º da LGPD (ex. finalidade, necessidade, adequação etc.) ou do consentimento exigido na forma do art. 7, I e art. 8 da LGPD, mas também decorre do art. 6º e art. 43 da Lei Nº 8.078/90, conhecido Código de Defesa do Consumidor, além do art. 4º, VII do Decreto Nº 7.962/13 (Lei do E-commerce).
Em outras palavras, o consumidor – titular de suas informações – têm direito ao acesso sobre todos os dados tratados por estas instituições financeiras e fintechs, bem como há responsabilidade destes segmentos empresariais em desenvolver e manter um ambiente seguro para este tipo de transação compartilhada de dados, o que transcende o ordenamento jurídico ordinário e passa a ser objeto de regulação e fiscalização por leis especiais e objetivadas para tal fim.
Não menos importante, os problemas de infraestrutura existentes no Brasil podem limitar – e muito – o sucesso do open banking: há potencial risco de exclusão dos consumidores ao novo ambiente de oferta de produtos e serviços que se busca criar, bastando lembrar que em nosso país, dos 126,9 milhões de usuários conectados à internet, menos da metade se concentram nas classes D e E (48%), segundo a pesquisa TIC Domicílios de 2018, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)[1].
Ainda, dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em abril de 2020, demonstraram que mais de 45,9 milhões de brasileiros não tinham acesso à internet, em 2018. Portanto, exigir do Estado maiores investimentos em infraestrutura de acesso à internet ou ainda, estimular a criação de parcerias com o poder público para tanto, há de ser uma preocupação relevante para que o open banking seja um sucesso no Brasil e sirva de modelo para outras nações.
Por tais motivos, apesar dos desafios o open banking brasileiro tem tudo para provocar uma mudança positiva no mercado financeiro, se executado levando-se em conta: a) a privacidade dos dados dos consumidores, garantindo-lhes um ambiente seguro que proporcione a portabilidade das informações, mediante seu expresso, livre e desembaraçado consentimento, para os casos não abarcados pelas exceções previstas no art. 7º da Lei 13.709/18 e, observadas as demais legislações aplicáveis ao modelo de negócio (ex. Lei Nº 8.078/90) e; b) o estímulo e fomento de investimentos na infraestrutura de acesso à internet, no País. É um caminho inicial para no futuro avançarmos em direção a uma maior abertura do mercado financeiro, possibilitando a entrada de novas empresas em um setor que, sem sombra de dúvidas, precisa alinhar-se com uma sociedade cada vez mais tecnológica e digital.
Anderson dos Santos Araújo é advogado e sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).
Para Gavin Littlejohn, Brasil está indo bem na implementação de open banking
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