Este artigo foi publicado na coluna semanal de Ronaldo Lemos da Folha de São Paulo e republicado em 8 de setembro de 2021 no site ITs
Nos últimos anos a União Europeia tem desempenhado um papel de “superpotência regulatória”. Leis e normas concebidas dentro do continente europeu acabam sendo adotadas também em outros países.
Um exemplo é a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira, que reproduziu o modelo europeu.
O Brasil não está sozinho nessa decisão. Mais de 100 países também seguiram o caminho europeu.
No entanto, um outro país inusitado está começando a criar modelos regulatórios para questões de tecnologia que começam a repercutir globalmente: a China.
Recentemente o país adotou uma lei de proteção de dados que seguiu o modelo europeu. No entanto, não parou por aí.
O país pegou alguns dos temas que estão em debate no Ocidente, como antitruste aplicado a empresas de tecnologia, e adotou uma série de regulações inéditas. Chegou até a regular a indústria de games, inclusive o acesso e uso por parte de menores de 18 anos.
No entanto, foi no final de agosto que o país asiático criou seu conjunto de normas mais originais sobre um tema espinhoso: os algoritmos. É a primeira vez que um país trata dos algoritmos de forma abrangente.
O que diz a regulação chinesa? Primeiramente, as normas aplicam-se “ao uso de tecnologias de recomendação feitas por algoritmos” incluindo “personalização, rankings, seleção, busca, filtragem, despachos, tomadas de decisão e outras modalidades de oferta de informação para os usuários”.
Em termos gerais, os algoritmos devem seguir princípios como “ética, equidade, justiça, abertura e transparência”.
Além disso, as normas determinam que as empresas de tecnologia devem tomar especial cuidado ao criar modelos de classificação dos usuários, não podendo usar informações ou palavras chave que sejam “prejudiciais ou discriminatórias com relação aos interesses dos usuários”.
Devem também evitar também promover compulsão ou vício no uso dos serviços.
As normas vedam ainda práticas de discriminação, inclusive de preço, ao determinar especial cuidado com o “tratamento diferenciado em práticas comerciais” especialmente se baseado em dados sobre “hábitos e tendências dos consumidores”.
Outro ponto da regulação é a possibilidade de inspecionar o funcionamento dos algoritmos, determinando a abertura dos seus parâmetros de funcionamento em casos específicos.
Outro tema tratado é o trabalho por meio de algoritmos, como serviços de entrega ou transporte urbano.
O artigo sobre o tema determina que “quando algoritmos forem utilizados para o despacho de tarefas para trabalhadores, devem considerar a questão do tempo de trabalho, a forma de alocação do trabalho, a remuneração e o pagamento, além de assegurar os direitos do trabalhador”.
A regulamentação trata também da questão das fake news e uso de contas falsas ou automatizadas.
Há uma vedação ao uso de algoritmos para gerenciar ou manipular contas de usuários ou perfis falsos e para “gerenciar contas falsas, falsos likes, comentários ou compartilhamentos, manipular trending topics” e assim por diante. Veda também usar algoritmos para interferir no ranking de resultados dos buscadores.
Se esses modelos normativos terão impacto fora do país asiático, o tempo irá dizer. No entanto, o Ocidente está de olho.
* Ronaldo Lemos – Advogado, especialista em tecnologia. Cofundador e cientista chefe do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS). Professor de Direito na Graduação e na Pós-Graduação da Uerj, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela Universidade de Harvard, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Professor da Universidade de Columbia. Foi Membro e vice-presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, com sede no Senado Federal.
Fonte: ITs
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